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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Estamos a Enganar as Pessoas!

Gosto de escrever aqui, há principios comungo com alguns companheiros outros que não , mas temos a Liberdade como valor superior.

Empreendedorismo, iniciativa privada, liberalização do mercado, Justiça, respeito pelas Instituições etc. Pela minha experiência dos últimos tempos estou a perder a fé

É público um litígio que tenho em tribunal com uma seguradora, isto gerou insultos e difamações por escrito á minha pessoa por parte de um funcionário da mesma seguradora. A seguradora prestou informação falsa.

O Regulador, neste caso o Instituto dos Seguros de Portugal, tem ao longo do tempo pautado a sua acção  por um silêncio cúmplice, apesar de muitas iniciativas da minha parte.

Hoje venho de lá vencido pelo processo kafkiano e avisar ao mundo que vou desistir...

Os técnicos recusam receber os consumidores e um processo mal fechado há 1 ano não pode ser reaberto!

Vou libertar-me de um jogo que não posso ganhar, deixando que os processos que tenho sejam arquivados e deixar de me consumir por isto.

Fico triste também por andar a enganar aqui as pessoas visto que ao ver isto hoje, percebi que estou do lado errado.

Um conselho de Administração de uma entidade reguladora em que 2 dos seus 3 membros vêm da indústria regulada é errado pelas práticas de qualquer País que queira ter um mercado a funcionar.

Não tenho nada contras pessoas em causa, mas o próprio facto de as mesmas aceitarem esta nomeação é de censurar.

O ISP está capturado vide aqui, ou aqui sobre captura do regulador. 

sexta-feira, 15 de junho de 2012

As Ciências Sociais e Comportamentais como resposta à crise

Em 2012 a grande maioria dos artigos publicados em blogs começam por referir os tempos de crise que vivemos. São também muitos os artigos, e opiniões expressas verbalmente, que apelam a uma maior produção tecnológica, tanto em termos de investigação e desenvolvimento como em termos produtivos.

Neste artigo, tal como todos os outros, apelo aos tempos de crise que vivemos para iniciar a linha de pensamento que pretendo apresentar. No entanto, ao contrário de outros, defendo que a saída da crise não passa pela inovação tecnológica mas antes pela inovação económica, social e política. A crise que atravessamos é caracterizada não por uma escassez tecnológica mas antes pela urgência de uma transformação social, política e económica que  responda aos desafios que se colocam. É neste sentido de estranhar a noticia  avançada recentemente pela comunicação social  que dá conta da enfâse colocada pelo Governo na formação de licenciados em áreas tipicamente tecnológicas (ex. engenharia, matemática, etc.). 

Esta atuação  por parte do Governo só espanta os menos atentos. Na verdade, também no que diz respeito à investigação e desenvolvimento, as atenções têm estado viradas para o desenvolvimento tecnológico sendo que tem existido um desinvestimento no que diz respeito às Ciências Sociais e Comportamentais. Ora, a crise que atravessamos não se prende com a falta de tecnologia, mas sim, como já  foi afirmado neste artigo com a falta de soluções sociais, politicas e económicas. No fundo o que precisamos é que as sociedades desenvolvam novas formas de funcionar e isto só se consegue com o investimento em investigação e desenvolvimento de inovação social.

Neste sentido, e perante crises como a atual, os nossos esforços deviam estar concentrados, entre outras, nas seguintes áreas:

- Economia, com o objetivo de se desenvolverem novos modelos económicos e ajustar os modelos já existentes. A este nível, têm sido feitos, noutras partes do globo, alguns esforços nomeadamente ao nível da Economia comportamental, Economia Comportamental e Economia da Felicidade e Bem Estar.

- Sociologia, com o objetivo de se desenvolverem novos modelos de desenvolvimento social, estimulando a investigação em áreas como a inovação social.

- Ciência Política, no sentido de se ajustarem os sistemas políticos a novas realidades e aos novos desafios. Por exemplo, seria interessante aprofundar o estudo em torno sistemas eleitorais nacionais e europeus alternativos. 

- Psicologia, no sentido do aprofundamento de áreas emergentes da psicologia, nomeadamente da psicologia social. A psicologia e ciências comportamentais podem dar um contributo nomeadamente no que diz respeito à compreensão dos processos psicológicos e comportamentais que deram origem à crise atual, assim como podem avançar com possíveis soluções ao propor novos modelo de desenvolvimento (por exemplo através da psicologia positiva e estudos da Felicidade).

Só compreendendo a atual situação social, politica e económica é que conseguimos avançar para soluções de médio e longo prazo.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

A Madeira para além de Alberto João Jardim

A «modelo desenvolvimento» aplicado por Alberto João Jardim na Madeira é conhecido. Assentava nos impostos baixos da Zona Franca, nos dinheiros públicos do continente e nos dinheiros públicos da União Europeia. E dívida pública, naturalmente.

Sem a Zona Franca e com o país inteiro em regime de austeridade, que inclui um regime especial só para a Madeira, e enquanto decorrem investigações sobre o que lá se passa, Alberto João Jardim faz o que faz sempre: dispara em todas as direcções. 

Tenta pôr em causa a investigação do Ministério Público, diz que não se arrepende nada da dívida pública acumulada (depois é vê-lo a dizer mal dos «socialistas») e quer a Zona Franca de volta. Ou seja, Alberto João Jardim quer que tudo volte ao mesmo o mais depressa possível.

Mas tudo não vai voltar ao mesmo. Tudo não pode voltar ao mesmo. Urge que a investigação do Ministério Público descubra o que se tem passado e o que se vem passando na Madeira, e que sejam apuradas responsabilidades, inclusivamente criminais (se as houver). 

Não sou madeirense e competirá aos madeirenses escolher o que querem para a Madeira. Mas parece-me que esta crise devia tornar claros os perigos do «modelo de desenvolvimento» aplicado por Alberto João Jardim, sendo que não ponho em causa que a Madeira esteja provavelmente em melhor situação do que estava quando Alberto João Jardim presidiu ao Governo regional pela primeira vez.

Seria preciso encontrar alguém com um modelo alternativo ao modelo de Alberto João Jardim. Alguém que pusesse também cobro aos atropelos democráticos de que vamos ouvindo falar na Madeira. Alguém com uma visão estratégica que não passe simplesmente por aproveitar dinheiros europeus para construir coisas com dinheiro público e repetir, mesmo sabendo que para isso teria de se endividar de forma insustentável.

Já basta de ver Alberto João Jardim mostrar-se orgulhoso de ter deixado a Madeira na bancarrota e a insultar o resto do país. Mas será que existe alguém com ideias e com capacidade de bater a máquina que o PSD-M tem vindo a montar ao longo das décadas? As últimas eleições já não foram favoráveis a Alberto João Jardim, e Alberto João Jardim também não dura eternamente. 

Qual o futuro da Madeira depois destes tempos de crise?

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Aproveitar o Mercado Único

«Conheça a cidade alemã que quer contratar portugueses.» É este o título de uma notícia a ler do Diário Económico sobre a forma como uma cidade alemã procura tornar-se um local atractivo para onde pessoas qualificadas queiram ir trabalhar. (Até porque poderá haver interesse em ir trabalhar para lá, dada a situação portuguesa!)

Entretanto, Pedro Pita Barros escreve, também no Diário Económico: «(...) As políticas de emprego em Portugal não podem ser apenas pensadas para os desempregados portugueses. É muito mais interessante pensar em que políticas de emprego permitem atrair trabalhadores, empresários e empresas, de toda a União Europeia. E se formos capazes de definir ambientes de trabalho e regras de funcionamento do mercado de trabalho português que sejam apelativas globalmente, então também serão atractivas para os portugueses.»

E com muita razão o escreve. Não pode ser apenas aquela cidade alemã a perceber que se insere num mercado único e a tentar aproveitar as potencialidades do mercado único. Cá em Portugal também o deveremos fazer. Isso passa muito por uma alteração cultural no sentido de arriscar não ser mal visto e em que se retirem barreiras aos empreendedores.

As potencialidades do mercado único estão lá para quem as queira aproveitar. É preciso defendê-las neste contexto de crise, promover o seu fortalecimento (na minha opinião, através de uma verdadeira federação europeia) e aproveitá-las. De forma a que, no futuro, comecemos a ouvir falar de cidades portuguesas a atraírem alemães (ou franceses, ou neerlandeses, ou ingleses, etc.).

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Feriados, Carnaval e tal

O Governo propõe-se acabar com quatro feriados, dois civis e dois religiosos. Não é matéria que me apaixone. De qualquer forma, sempre me pareceu absurdo que estivéssemos presos à Igreja Católica na decisão que podemos fazer sobre quais os feriados a manter e quais os feriados a eliminar (diga-se que, na minha opinião, quanto mais depressa a República Portuguesa se livrar da Concordata, melhor).

Mais: se o Governo queria eliminar quatro feriados, podia ter facilmente eliminado quatro feriados religiosos. Vivemos num Estado laico e o Estado não tem nada de estar a promover dias santos de uma religião em particular. Quem seja católico e queira festejar feriados religiosos que tire férias nesses dias, como toda a gente com outra religião tem de fazer para os seus dias santos. (Penso ainda, aliás, que o Natal ou a Páscoa deveriam mudar de nome, para deixarem de fazer referência a uma religião em particular, mas não é propriamente algo que considere prioritário.)

Um debate sobre feriados deveria ter sido um debate alargado sobre quais os dias que nós queremos, enquanto comunidade, celebrar, bem como as razões que levam a essa celebração. Não deveria ter sido um debate apenas sobre quantos feriados cortar. Poderia ainda ter sido um debate sobre a razão de ser dos feriados e porque não devemos abolir, pura e simplesmente, os feriados, substituindo-os por dias de férias (ou porque é que isso não pode ser uma opção num contrato de trabalho).

Mas o debate promovido pelo Governo foi limitado a quais os quatro feriados a eliminar e o resultado dependeu daquilo que a Igreja Católica aceitou. Na prática, o debate mais profundo sobre os feriados e o seu significado não teve grande impacto mediático - nem sequer o facto de um Estado laico ser forçado a ir a reboque da Igreja de uma certa religião foi tema de grande análise mediática, pelo menos que eu tenha notado. Podíamos ter aproveitado para ligar este tema com o tema da existência de um casamento católico diferente do casamento religioso não-católico, por exemplo, quando, na minha opinião, a todas as religiões, bem como à ausência de crenças religiosas, deveria ser dado tratamento igual pelo Estado.

De qualquer forma, esta medida de corte de feriados e de eliminação de pontes é apenas mais uma pequena medida num oceano de grandes medidas. Muitas delas foram discutidas em sede de concertação social, na qual o Governo debate com corporações quais as medidas a tomar. Pergunto-me se não seria melhor discuti-las no Parlamento e, pelo menos, alargar o âmbito das entidades da sociedade civil consultadas no âmbito da concertação social. Mas também isto não foi discutido, porque em Portugal não se discutem estas coisas de forma mediática.

Aquilo que se discute, e em grande força, é o facto do Governo não ter dado tolerância de ponto para o Carnaval. Esta decisão teve honras de ser a primeira notícia no espaço noticioso da Antena 1 às 13 horas de hoje. Como sempre, a prioridade é dada a estas coisas. As questões substantivas, essas, são ou tratadas com superficialidade, ou pura e simplesmente esquecidas. Porque o que é absolutamente crítico para o país é que haja tolerância de ponto para funcionários públicos no Carnaval.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Dinamismo

Este artigo de Bruno Faria Lopes é bastante elucidativo relativamente às consequências práticas da célebre «política dos salários baixos»: resulta em emigração. Enquanto cá em Portugal não tivermos uma cultura empresarial dinâmica e apostada em investir na qualificação dos vários colaboradores da empresa, desafiando-os e apostando neles, não vamos a lado nenhum.

É preciso apostar nos colaboradores. É preciso investir nos colaboradores, sem ver a aposta na qualificação como deitar dinheiro fora, mas sim como uma forma de tornar a empresa como um todo mais produtiva e portanto mais capaz de gerar lucros. É preciso não apenas copiar as melhores práticas, mas tentar continuar a melhorá-las, e investir em inovação de forma constante.

É preciso encarar a empresa como uma comunidade em que todos são bem tratados e em que o mérito e o trabalho em equipa são valorizados, e não como algo rigidamente dividido entre «patrões» e «trabalhadores». É preciso encarar a empresa como uma comunidade em que se compreende que todos têm a ganhar se todos os membros dessa comunidade forem devidamente valorizados, remunerados e desafiados.

É preciso uma cultura de risco, em que as pessoas saem da sua zona de conforto e tentam criar novas coisas e, quando falham, tentam de novo até conseguirem. Uma cultura em que ter uma carreira variada não seja visto como algo de negativo à partida. É preciso que o auto-emprego seja uma verdadeira alternativa e que o desemprego seja uma oportunidade de mudar para melhor, e não um drama de difícil resolução.

O mercado do trabalho em Portugal tem de mudar como um todo. Flexibilizar a lei laboral é importante para que as coisas mudem, mas não é tudo. É preciso fomentar esta mudança de mentalidades, e isso apenas se consegue flexibilizando a economia como um todo, não criando entraves excessivos à criação de novas empresas (e portanto à sua entrada no mercado) e também promovendo a existência de concorrência entre as empresas.

Com essa mudança cultural, as pessoas passarão a encontrar em Portugal as oportunidades que hoje encontram no estrangeiro. Passaremos também a ter uma economia mais aberta e mais dinâmica, o que fomenta o desenvolvimento económico. Faltaria então que mudássemos o paradigma actual das grandes obras públicas levadas a cabo com critérios de rentabilidade muito dúbios (e que nos cobriram de dívidas) para um paradigma de manter a dívida pública sob controlo e usar o dinheiro público de forma sensata.

O programa da Troika inclui quer uma componente de finanças públicas como uma componente de reformas estruturais em diversos sectores. São essas reformas estruturais que nos visam devolver o dinamismo económico e o potencial de crescimento que neste momento não temos e que é fundamental levar a cabo para que, no futuro, estejamos a ler artigos em que se explicam os motivos que levam as empresas estrangeiras a investir em Portugal e a imigrantes qualificados quererem vir para Portugal.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A nossa Constituição agrícola

[Nota: Neste artigo não se fala da Política Agrícola Comum, mas posso desde já dizer que a minha opinião sobre a PAC é que devia desaparecer o mais rapidamente possível.]

A Constituição da República Portuguesa contém normas para todos os gostos, incluindo um vasto programa político, que por sua vez inclui normas relativas à política agrícola. Normas bastante concretas. Senão vejamos.

De acordo com a al. h) do art.º 81.º (que lista as treze «Incumbências prioritárias do Estado» no âmbito económico e social), é incumbência prioritária do Estado no âmbito económico e social «eliminar os latifúndios e reorganizar o minifúndio».

Os art.ºs 94.º («Eliminação dos latifúndios») e 95.º («Redimensionamento do minifúndio») densificam a norma em apreço:

«Artigo 94.º
Eliminação dos latifúndios

1. O redimensionamento das unidades de exploração agrícola que tenham dimensão excessiva do ponto de vista dos objectivos da política agrícola será regulado por lei, que deverá prever, em caso de expropriação, o direito do proprietário à correspondente indemnização e à reserva de área suficiente para a viabilidade e a racionalidade da sua própria exploração.
2. As terras expropriadas serão entregues a título de propriedade ou de posse, nos termos da lei, a pequenos agricultores, de preferência integrados em unidades de exploração familiar, a cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou a outras formas de exploração por trabalhadores, sem prejuízo da estipulação de um período probatório da efectividade e da racionalidade da respectiva exploração antes da outorga da propriedade plena.


Artigo 95.º 
Redimensionamento do minifúndio 

Sem prejuízo do direito de propriedade, o Estado promoverá, nos termos da lei, o redimensionamento das unidades de exploração agrícola com dimensão inferior à adequada do ponto de vista dos objectivos da política agrícola, nomeadamente através de incentivos jurídicos, fiscais e creditícios à sua integração estrutural ou meramente económica, designadamente cooperativa, ou por recurso a medidas de emparcelamento.»

Estes três artigos não esgotam toda a matéria agrícola coberta pela nossa Constituição (ver art.ºs 93.º, 96.º, 97.º e 98.º), mas dão uma boa ideia do que se encontra aqui em causa: o fim das grandes explorações agrícolas e a promoção das pequenas e médias explorações agrícolas. Com base na noção, imagino eu, de que as explorações de grande dimensão eram uma forma de exploração do homem pelo homem e portanto não consentâneas com o novo regime que se queria instituir.

O resultado prático é que temos a Constituição a proibir o aproveitamento das economias de escala por parte de quem queira fazer exploração agrícola em Portugal. Temos ainda uma garantia constitucional de que os pequenos e médios agricultores recebem uma série de apoios estatais. (Tudo isto, claro está, tem de ser conjugado hoje em dia com o Direito da União Europeia.) E, finalmente, para nos livrarmos destas normas, que têm efeitos financeiros e económicos perniciosos, temos de levar a cabo uma revisão constitucional.

E, de facto, temos mesmo de levar a cabo uma revisão constitucional. Porque não é admissível que este tipo de temas estejam sujeitos a uma maioria tão elevada para que a política seja alterada. Porque não é admissível que estejam afastados do debate público pelo simples facto de que são de tal forma densificados na Constituição que os partidos não têm grande hipótese senão apresentar pequenas variações de uma mesma pauta já constitucionalmente prevista.

A nossa Constituição agrícola é um convite à ineficiência. Em nada ajudou a que a agricultura se desenvolvesse por cá. E deve ser alterada - que é como quem diz, deve ser suprimida.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Uma questão de escala (IV)

A importância da tecnologia na capacidade que os seres humanos têm de se atravessar distâncias cada vez maiores e relacionarem-se com outros seres humanos cada vez mais distantes geograficamente significa que o desenvolvimento tecnológico ao nível dos transportes e comunicações tem impacto relevante na formação de comunidades. Ora, as tecnologias relativas a transportes e comunicações, para funcionarem, precisam de energia. O que torna o desenvolvimento tecnológico na área da energia extremamente relevante, bem como o acesso a recursos naturais utilizados para fins energéticos.

Ter acesso a energia barata significa ter a capacidade de fazer funcionar a Internet e, também, ter a capacidade de percorrer grandes distâncias de forma financeiramente pouco custosa. Isto favorece o intercâmbio cultural e económico. Por outro lado, no entanto, um debate sobre energia não pode ignorar o problema das externalidades negativas (em particular, da poluição). Também neste contexto a inovação tecnológica é importante, permitindo tornar mais eficientes novos métodos de produzir energia menos poluentes e mais sustentáveis (colocando-se a questão de saber qual o papel do Estado a este respeito).

Por outro lado, toda a importância da tecnologia na alteração da escala a que os problemas políticos se podem colocar significa que o acesso às próprias tecnologias de transportes e comunicações mais avançadas vai ter impacto decisivo na capacidade que cada um de nós tem de aproveitar ao máximo as potencialidades da globalização. Aliás, não basta apenas ter a capacidade de aceder, em abstracto, à tecnologia, é necessário ainda ter a capacidade de a utilizar. Ou seja, não basta haver infraestructuras como linhas de ferro ou aeroportos ou terminais de Internet. É preciso que haja o nível de conhecimento necessário para as utilizar devidamente.

É neste contexto, então, que se insere, em termos mais genéricos, a questão da transmissão de tecnologias para zonas mais pobres do globo. A falta de qualificações nessas zonas do globo torna difícil que consigam potencializar a tecnologia de que disponham. Por outro lado, barreiras comerciais que os impeçam de aceder a mercados mais abastados impedem a formação de capital para investir no desenvolvimento dessas mesmas qualificações. Portanto, a melhor forma de ajudar as ONG que trabalham no sentido de combater a pobreza extrema não é simplesmente enviando remessas de dinheiro público de regiões mais prósperas para essas zonas, mas sim retirar as barreiras que impedem essas zonas de comerciar com as regiões mais prósperas do globo.

Não por acaso, o proteccionismo agrícola no Ocidente tem tido impactos extremamente negativos e perversos nas negociações da ronda de Doha. Não por acaso ainda, a questão da transmissão de tecnologia tem sido um ponto importante no debate sobre a adopção de energias menos poluentes por países mais pobres. Infelizmente, no entanto, nenhuma destas questões, verdadeiramente globais, é assim geralmente tratada no debate público nacional - isto assumindo que as questões são levantadas, o que quase nunca acontece.

Um debate público sobre energia e sobre política de transportes e comunicações, bem como sobre o desenvolvimento tecnológico, tem de ser um debate integrado e inserido no contexto nacional, europeu e global em que está, verdadeiramente, a ter lugar. Não basta falar do que decidiu o Governo nacional em abstracto, como se nós vivêssemos numa redoma. É preciso ir mais além.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Uma questão de escala (III)

Na Europa, o processo de integração europeu tem como estágio mais avançado a União Europeia, cuja crise actual tem levado a um debate sobre como reformar as suas instituições. Mas a constante evolução tecnológica vai gerando interdependências a uma escala cada vez maior. O que acontece na União Europeia tem consequências para os Estados Unidos ou na China e vice versa. Da mesma forma que as decisões que tomamos enquanto indivíduos afectam outros indivíduos, também as decisões tomadas por comunidades têm impacto interno mas também têm impacto externo.

Uma manifestação da interdependência actualmente existente são as Convenções Modelo da OCDE (p.ex. esta, numa matéria tão relevante para a soberania como os impostos) ou os «standards» regulatórios do Comité de Basileia. Apesar de nos encontrarmos perante «soft law», a verdade é que a interdependência gerou a necessidade de emergirem «standards» internacionais/globais que depois os Estados (ou a UE) acabam por transpor para os seus ordenamentos jurídicos (transformando-os em «hard law»). Ora, este processo é equivalente a processos muito semelhantes que existem, por exemplo, nos Estados Unidos, nos quais muitas «leis modelo» são desenvolvidas e depois transformadas em lei em vários Estados (à margem do Governo federal e em áreas da competência dos Estados federados).

Como se pode ver, este tipo de processos não põem em causa a soberania dos Estados, embora mostrem que ela funciona de forma condicionada. Mas também a nível global se coloca em causa a soberania dos Estados face à emergência de problemas que afectam todos os Estados e que precisam de uma resposta global (veja-se o terrorismo global, por exemplo, ou até questões migratórias ou comerciais). Por outro lado, o cada vez maior reconhecimento do indivíduo enquanto tal, e não como apenas uma emanação de certo Estado, serve também para minar o poder dos Estados (embora reconheça que ainda há um longo caminho a percorrer). O surgimento de empresas multinacionais e organizações não-governamentais globais têm, por sua vez, efeito semelhante.

Já existe uma comunidade política global, da qual todos fazemos parte, e sobre a qual também importa discutir o modelo de governação. A estagnação e arrastamento das negociações de Doha têm efeitos que se repercutem em cada um de nós, espalhados pelo mundo inteiro. A crise da União Europeia tem efeito nos EUA e a crise dos EUA tem efeito na União Europeia. A política monetária chinesa tem efeitos a nível global. No entanto, todos estes debates continuam a ser tratados e concebidos mediaticamente como conflitos entre Estados e as negociações de Doha nem costumam aparecer fora da comunicação social especializada, o que aliás também acontece com o debate sobre o modelo de governação a nível global.

É preciso inserir a crise que actualmente vivemos na União Europeia no contexto da crise que se vive nos EUA e também da emergência da China, da Índia e do Brasil e do ressurgimento da Rússia, entre outros processos marcantes do nosso tempo, para começar a tentar perceber as implicações do que se está a passar. Não basta pensar na perspectiva puramente interna portuguesa ou mesmo nas quezílias internas da União Europeia, que é tendencialmente aquilo que é feito.

Por outro lado, enquanto a interdependência e os benefícios que traz não forem valorizados como eu, pelo menos, penso que deviam ser, corremos o risco de que comecem a ser desvalorizados e até mesmo culpados pela crise. Daí a começarem a surgir barreiras à livre circulação, em nome da «soberania nacional», vai um passo muito pequeno, com os custos de oportunidade incalculavelmente elevados que isso traria.

Da Direita conservadora não se pode esperar que faça a defesa da liberdade e da interdependência global. Na Esquerda, ouvimos sistematicamente a palavra «estrangeiro» ser utilizada como se de um insulto se tratasse, com referência ao FMI e à UE (instituições das quais Portugal é membro, ainda por cima), bem como a defesa intransigente da «soberania nacional».

Cabe, então, aos liberais democratas fazer a defesa intransigente da interdependência global, do comércio livre, da primazia do Direito nas relações internacionais e da importância do indivíduo na política global. Enfrentando conservadores quer à Direita, quer à Esquerda, em nome da paz, da prosperidade e de um mundo melhor.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Uma questão de escala (II)

A análise da crise europeia não pode passar ao lado da forma como os problemas de um Estado Membro afectam os outros Estados Membros e como as decisões a nível europeu têm impacto nos Estados Membros. Uma afirmação à primeira vista trivial mas que tem consequências relevantes, principalmente ao nível da «soberania nacional» e ao nível da escala do problema que enfrentamos. Resumindo, temos um problema português para resolver, de falta de competitividade, mas também temos um problema europeu para resolver. E os dois problemas estão interligados.

Os Estados Membros não existem num vazio. As decisões que tomam enquanto Estados afectam os outros Estados Membros e as decisões (ou falta delas) a nível europeu afectam a situação interna dos Estados. A interdependência actualmente existente é uma evidência e a forma como tem estado a afectar a crise também. A forma como lidamos com esta interdependência no futuro é a chave para sairmos desta crise específica (não, claro, para eliminar toda e qualquer crise) que é também uma crise institucional europeia.

Uma forma de lidar com a interdependência existente consiste em manter uma UE de Estados, em que a legitimidade da UE venha do facto de nos encontrarmos perante Estados Membros com democracias, além do Parlamento Europeu. Esta fórmula manteria a soberania dos Estados, mesmo que tendencialmente cada vez mais de forma meramente simbólica, admitindo a soberania nacional como um valor a respeitar e bom por si só, que não pode pura e simplesmente ser abandonado.

Não me parece, no entanto, que manter este sistema resolvesse os problemas que pretendemos resolver, como já tenho tido oportunidade de discutir aqui no blogue. Será relevante, ainda assim, que o princípio da subsidiaridade seja escrupulosamente cumprido. Isto porque, apesar de haver, neste momento, problemas que, a terem solução, a têm à escala europeia, continuam a existir questões para as quais a solução deve manter-se nos Estados Membros. As competências da federação europeia devem ser definidas tendo sempre em atenção este importante principio.

Deste modo, Portugal continuaria a ter de resolver o seu problema de competitividade, mas fá-lo-ia dentro de uma federação europeia, mantendo um nível de autonomia razoável para resolver questões nas quais não seria necessário a União Europeia intervir. A União Europeia, por sua vez, seria dotada de meios para resolver os problemas europeus de forma eficiente, prestando contas directamente aos cidadãos europeus. Os problemas passariam a ser resolvidos à escala apropriada e com um sistema de tomada de decisão mais eficiente.

Numa altura em que há mudanças tectónicas relevantes na geopolítica, com a mudança do «eixo» das relações internacionais para o Pacífico, e tendo em atenção os diversos problemas globais com os quais nos deparamos, para os quais haverá que encontrar soluções, é importante que a União Europeia saiba actuar à escala correcta para que a sua voz não se torne progressivamente irrelevante no contexto global.

Não é apenas o modelo de governação da UE que está a ser debatido, afinal. Também o modelo de governação a nível global o está a ser. Se os Estados europeus quiserem contar nesse debate público a nível global não podem, em primeiro lugar, deixar de se unir e, em segundo, não podem ceder a tentações anti-EUA ou mesmo anti-China primárias. Porque não nos podemos esquecer que a escala europeia não é o limite: hoje em dia, funcionamos também à escala global.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Uma questão de escala (I)

As comunidades consistem em indivíduos que estabelecem relações uns com os outros, criando uma rede relacional mais ou menos apertada que evolui através da interacção desses mesmos indivíduos. A escala a que estas relações se podem estabelecer é ditada pela tecnologia de comunicação e transporte a que os vários indivíduos têm acesso. A escala será maior ou menor consoante a capacidade que estes tenham de utilizar tecnologia que lhes permita realizar esse mesmo intercâmbio.

O acesso à Internet permite aos indivíduos terem acesso a uma quantidade fenomenal de informação e, também, manterem relações virtuais com outros indivíduos espalhados um pouco por todo o mundo. Por outro lado, a existência de aviões, navios, comboios e automóveis com a capacidade de se descolarem a velocidades cada vez mais elevadas de forma segura significa uma cada vez maior capacidade de nos encontrarmos, presencialmente, em espaços físicos cada vez mais longínquos daqueles em que nascemos.

Mas mais: a própria existência de telemóveis veio fortalecer a capacidade que temos de interagir mesmo com aqueles que nos são mais próximos. Estamos sempre contactáveis, sempre com capacidade de contactar alguém, quer esse alguém esteja próximo ou do outro lado do mundo. Caso seja necessário, podemos usar um meio de transporte adequado para chegarmos, fisicamente, a essa pessoa. E como se isso não bastasse, temos cada vez mais acesso a informação imediata e no preciso instante em que a queiramos.

O acesso a estas tecnologias e a sua efectiva utilização tem um impacto importante na forma de pensar e de agir dos indivíduos. Um indivíduo que tenha acesso a toda esta tecnologia viverá num mundo diferente de um indivíduo que não tenha acesso a esta tecnologia. O primeiro tem o intercâmbio cultural potenciado pelas tecnologias a que tem acesso, tendo ainda a hipótese de pertencer a uma quantidade incrível de comunidades, mais ou menos virtuais, consoante as suas preferências. O segundo, pelo contrário, terá mais tendência a conhecer a comunidade em que nasceu e, no limite, pouco mais.

De qualquer forma, o facto de existirem estas tecnologias e haver quem lhes tenha acesso significa que as tais comunidades, mais ou menos virtuais, que vão de fóruns na Internet ao «World of Warcraft» ou ao «Second Life», vão surgindo e criando as suas próprias instituições formais e formais. E, de novo, cada indivíduo terá acesso às comunidades que desejar, limitado apenas por si próprio e pelas suas preferências. Terá também acesso a mais informação sobre outras comunidades, potenciando todos os tipos de intercâmbio, que vão do intercâmbio cultural e de ideias ao intercâmbio comercial.

As novas comunidades que vão surgindo são, claro, influenciadas decisivamente pelas preferências de quem as vai formando, o que inclui toda a «bagagem» cultural das comunidades de que esses indivíduos provêm e, principalmente, todas as suas idiossincrasias pessoais. Vão ser mais ou menos homogéneas. Vão ser mais ou menos centralizadas na sua gestão. Mas vão agregar pessoas que, geograficamente, provêm de um pouco por todo o mundo. E a rede dessas comunidades vai juntar-se à rede já existente.

A forma cosmopolita de lidar com este fenómeno é a aceitação e promoção do mesmo. Fomentar o relacionamento pacífico entre indivíduos de todo o mundo é uma forma importante de fomentar a paz e de enfraquecer a distinção nacionalista entre «nós» e os «outros». Não que seja uma panaceia que acaba pura e simplesmente com o conflito, claro, mas que facilitar a compreensão mútua e diminuir o desconhecimento mútuo (factor importante no fomento do medo do «outro») ajuda a diminuir tensões acho que ninguém duvida muito.

Por outro lado, este fenómeno pode gerar sentimentos de revolta e de entrincheiramento. A globalização e o poder que dá ao indivíduo para escolher os seus próprios valores serão vistos como um atentado à importância das tradições culturais ancestrais ou à organização comunitária a um nível mais local, o que levaria a uma forte resistência à mudança e à globalização e à criação de mais e mais barreiras para tentar impedir que a escala a que as coisas funcionam fique fora do nosso alcance, do nosso controlo e da nossa compreensão.

Parece-me, no entanto, que ou temos retrocesso tecnológico, ou teremos de aceitar, de facto, que a escala a que operamos deixou de ser a escala do séc. XVIII ou do séc. XIX. O mundo em que hoje vivemos está globalizado e a evolução tecnológica terá como efeito torná-lo mais globalizado e não menos. Não acredito, também, que a melhor forma de defender uma cultura que prezemos seja cortar-lhe o acesso a outras culturas. Penso exactamente o contrário: devemos dar a essa cultura a possibilidade de contribuir para o diálogo intercultural a nível global.

Finalmente, não devemos ter medo da complexidade. A evolução das comunidades humanas sempre foi um fenómeno bem complexo em que a interacção entre o indivíduo e os outros indivíduos que formam a comunidade e a interacção das instituições formais e informais de certa comunidade com o indivíduo são complicadas de definir e de explicar com rigor matemático. O facto de vivermos num mundo global deve ser encarado como uma oportunidade a aproveitar, não como algo a temer.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Todos somos estrangeiros



O conceito de «nação» impregna o nosso debate político. Os seres humanos são divididos de acordo com tradições culturais «comuns» e assim divididos em «nações».

Cada «nação» tem os seus mitos. Em Portugal, ligamos os portugueses aos lusitanos, por exemplo, e elementos da nossa História são depurados e transformados em histórias que servem para afirmar as características intrínsecas do «povo português».

A noção de que cada «nação» deve ter o seu «Estado» vê-se também em todo o lado como um ideal a atingir. Assim, cada conjunto de seres humanos culturalmente homogéneo deve gerir-se a si próprio. É nisto que redunda a «auto-determinação dos povos».

E assim surge o mito do «Estado-Nação», cujo objectivo último é «proteger» os seus membros e defendê-los dos outros. Esses «outros» são, claro, os «estrangeiros». E a vivência humana reduz-se a um confronto entre os «nacionais» e os «estrangeiros» por riqueza.

Nesta concepção do mundo, há uma guerra permanente e a paz é algo de estranho. Afinal, para que os «nacionais» tenham algum coisa, os «estrangeiros» têm de a perder, e «vice-versa». As diferenças entre estes grupos são inultrapassáveis e portanto conduzem inevitavelmente ao conflito.

Nesta visão do mundo não há grande lugar para os indivíduos enquanto tal. Estes são consumidos pela «nação» e pelo «Estado» que a suporta. São peões no grande confronto entre «nações» que ocorre a uma escala mais ou menos global.

Mas mesmo nesta visão do mundo, em que todos os seres humanos são considerados intrinsecamente diferentes por questões culturais, há algo que os une a todos: todos são «estrangeiros». Para um americano, um português é «estrangeiro». Para um português, é o americano que é «estrangeiro».

Não subscrevo esta visão do mundo que divide os seres humanos desta forma. Mais: considero o Estado Nação (e outros parecidos) um ideal nocivo, que gera, ele próprio, conflitos. Porque é um conceito que nos faz esquecer que, no fundo, todos temos algo que nos une, mesmo que seja sermos «estrangeiros».

Mas mais do que isso, o conceito de «Estado Nação» é profundamente anti-individualista e «standardiza» os indivíduos, agrupando-os de forma estanque, e colocando acima de tudo um conjunto de tradições idealizadas e não a possibilidade de cada um se definir a si próprio. É um conceito que ignora a forma orgânica como estabelecemos relações uns com os outros, independentemente da «nação» a que supostamente pertençamos.

Ontologicamente, todos os seres humanos são iguais em dignidade. E por serem todos iguais em dignidade, as diferenças que os definem enquanto indivíduos devem ser respeitadas. Cada indivíduo deve ser o mais livre possível de viver de acordo com as suas preferências e de estabelecer relações com quem bem entender.

A função do Estado não deve ser proteger um conceito abstracto de «nação», mas sim a liberdade individual de cada um dentro de uma certa comunidade. Esta liberdade deve, em particular, ser garantida a nível global, permitindo que cada um de nós estabeleça relações com quem quiser e seja parte das comunidades que quiser.

Ao Estado-Nação e à noção do «nós contra os outros» vem muitas vezes associado proteccionismo de várias estirpes, defendido para que «nós» enriqueçamos. O passo seguinte varia: ou simplesmente enriquecemos e os outros empobrecem, ou então temos de subsidiar outros «povos» mais pobres.

Eu não penso em «nós contra os outros». Sou, claro, acusado de ser «ingénuo», de não saber como funciona o mundo, de não ser «patriota». Acusações que me passam ao lado. No fim de contas, o que eu penso é que são as políticas proteccionistas que causam empobrecimento e nível global e um sem número de conflitos, não o livre comércio.

Mais: apesar de sistematicamente se acusar os liberais de promoverem o egoísmo (geralmente confundindo «egoísmo» com «individualismo»), a verdade é que eu defendo que quem vivem em África ou na América Latina deve ter a mesma hipótese de enriquecer que eu e quero implementar políticas nesse sentido, quem me chama egoísta acha que isso não é nada com ele e que os «outros» é que têm de fazer pela vida (através de medidas proteccionistas e estatistas, geralmente, claro).

Enquanto eu defendo cooperação a nível global fomentada pela existência de fácil intercâmbio comercial e cultural, outros ou defendem o conflito ou então «cooperação» através de enormes barreiras. Auto-proclamam-se «realistas», o truque habitual de quem quer apresentar as suas opiniões em algo de objectivo, e chamam-me «idealista», como se isso fosse um insulto.

Pois bem, eu sou um idealista. Um idealista pragmático. Não me escondo atrás de um manto de fingida objectividade, confundindo as minhas ideias com a realidade, ou confundindo o «ser» com o «dever ser».

Não tenho também ilusões de que o meu ideal nunca será atingido. Afinal, é um ideal. Mas isso nunca me impedirá de me bater por ele. Por muito ridículo que possa parecer.

domingo, 27 de novembro de 2011

Braços de ferro europeus

Enquanto a União Europeia continuar a ter debates assentes na ideia de que esta crise se resolve através de uma luta entre os seus Estados Membros e em que as soluções devem ser adoptadas por auxiliarem os Estados Membros individualmente considerados, não vamos lá. Enquanto cada solução for apresentada e defendida por resolver o problema de quem a propõe, sendo que «os outros» ou «a outra» a têm ou a tem de aceitar «porque sim» não vamos lá.

É preciso que os constantes braços de ferro sejam substituídos por espírito de compromisso e que estivesse a ter lugar um verdadeiro debate europeu sobre o futuro da União Europeia. Um debate que não assentasse em mitos e distorções de ambos os lados e em que os argumentos a favor e contra a soberania nacional fossem passados a pente fino. Mas tendo em conta que a maior parte da população não sabe sequer como funciona a União Europeia actualmente, isto torna-se quase impossível.

A actual crise na União Europeia torna-se muito mais difícil de resolver porque o debate europeu se tem mantido longe da população em geral, até mesmo mais que o debate político em geral. Nas eleições europeias fala-se de assuntos «nacionais» e quem concorre são os partidos «nacionais», apesar de já existirem partidos europeus. Os noticiários (em Portugal, mas imagino que em geral) tratam o que se passa no Parlamento Europeu de forma secundária e focam-se no Conselho.

A Comissão agora retomou a iniciativa, com propostas relativas a impostos sobre transacções financeiras e «eurobonds». Da Alemanha ouvem-se propostas sobre uma união fiscal (também com a França e com o novo Governo italiano de Mario Monti). Penso que as propostas sobre «eurobonds» e sobre união fiscal se complementam e fazem ambas parte do debate mais alargado sobre a federalização da União Europeia. Mas enquanto todo o debate for visto como um braço de ferro entre diversos Estados Membros, em que alguns perdem para outros ganhar, a capacidade de compromisso entre as várias posições diminui.

E diminuindo a capacidade de compromisso por, na minha opinião, haver falta de visão estratégica para a União Europeia, ficamos presos a jogos posicionais que reflectem, à escala europeia, os jogos posicionais de política pura que temos (infelizmente) de aturar em Portugal. Claro que há quem tenha essa visão estratégica para a Europa (ver também, e principalmente, aqui). Também há quem tenha uma visão diferente, mais confederalista, e que a articule de forma intelectualmente honesta.

É esse debate que temos de ter, a uma escala europeia. O «Novo Rumo» de Mário Soares e Cia., certamente inspirado pela «bridge to nowhere» do Alaska, é apenas mais do mesmo e não apresenta quaisquer alternativas concretas, além de passar ao lado do essencial (pelo menos, do que me parece essencial). E aqueles que vão defendendo «soluções» insultando o lado contrário e assentando a sua posição na defesa intransigente de «interesses nacionais» em muito pouco ajudam a que o problema se resolva.

A verdadeira vencedora da continuação dos braços de ferro europeus é a crise, que se vai aprofundando. Enquanto não houver verdadeira consciência disso, não vamos sair da espiral de crise em que nos encontramos.

sábado, 26 de novembro de 2011

Acumular dívida faz mal à saúde

Acumular dívida de forma insustentável é um problema. Havia regras a cumprir para tentar garantir estabilidade e crescimento, mas ninguém as levou muito a sério. Hoje vivemos o resultado, em Portugal e na União Europeia.

Não é política liberal, nem nunca foi, a existência de défices sistemáticos que resultam num escalar de dívida. Qualquer liberal exigirá as contas públicas em ordem e exigirá que as gerações futuras não sejam constantemente oneradas com decisões sobre as quais não foram ouvidas (nem poderiam alguma vez ter sido).

Os constantes défices, que resultam numa dívida sempre a crescer até se tornar insustentável, vêm da ideia de que as gerações futuras estarão sistematicamente melhores do que nós por causa dos magníficos investimentos que vão sendo feitos e que portanto terão sempre maior capacidade de aguentar os encargos maiores que resultam deste tipo de políticas (leia-se: mais impostos).

Mais: este tipo de políticas de endividamento constante são defendidas precisamente por aqueles que depois culpam quem emprestou o dinheiro pela espiral de dívida com a qual nos fomos sufocando. Na prática, e em resumo, o argumento dos «fluxos de capital» terem sido excessivos significa, trocado por miúdos, que houve demasiado investimento em Portugal e que nós não aguentámos.

Curiosamente, nos tempos das vacas gordas, ninguém ligou nada a isso. Quem falasse de problemas com encargos futuros era considerado contra o progresso. Agora que os estamos a pagar, é quem nos emprestou o dinheiro que é contra o progresso. Os únicos que não são contra o progresso são aqueles que tomam a decisão de pedir dinheiro emprestado, pelos vistos.

Em Portugal, conjugámos uma política de endividamento constante com um mercado inflexível, baixa produtividade e baixo nível de qualificação. Tivemos vários anos para ir, gradualmente, reformando a nossa política económica e décadas para melhorar, bastante mais, o nosso nível de instrução. Mas não fizemos nem verdadeiras reformas da nossa política económica, nem conseguimos melhorar suficientemente o nosso nível de instrução.

Agora, no meio de uma profunda crise, estamos a fazer todos os ajustamentos ao mesmo tempo. É nisto, em grande medida, que dá o acumular constante de dívida sem pensar que um dia se vai ter de pagar de volta, e gastar dinheiro em investimentos público de rentabilidade (qualquer tipo) dúbia. Mas claro, para alguns, a culpa é dos outros, nunca nossa.

Esta crise serviu para lembrar algo que os liberais sempre defenderam: que acumular dívida de forma insustentável faz mal à saúde. Serviu também para lembrar que incentivar o consumo desenfreado não é sustentável e tem efeitos perniciosos. E com esta crise, chegou o momento de deixarmos de acumular dívida e incentivar o consumo da forma que temos feito e um ajustamento penoso, muito penoso.

Felizmente, parece que muita gente em Portugal não vai na conversa da vitimização e em teorias da conspiração. Mas infelizmente, parece que ao nível da União Europeia, não tem havido coragem para tomar medidas que resolvam o cerne do problema institucional que vivemos na União Europeia neste momento. E portanto, a juntar-se aos nossos problemas nacionais estruturais, temos problemas estruturais europeus que também precisam de resolução para conseguirmos ultrapassar a crise.


sexta-feira, 25 de novembro de 2011

União fiscal e títulos de dívida europeia

A Alemanha (e não só) tem andado a falar de criar uma união fiscal na União Europeia. Pessoalmente, defendo a criação de impostos europeus que sejam a principal fonte de financiamento da União Europeia e penso que parte da solução dos problemas que vivemos actualmente passa por aí. Pela existência de um Orçamento europeu verdadeiramente europeu e que vai buscar as suas receitas directamente aos cidadãos europeus, sem intermediação dos Estados Membros.

Penso que criar um verdadeiro Ministério das Finanças europeu, que não servisse para coordenar ou dirigir os Ministérios das Finanças dos Estados Membros, mas sim para preparar um Orçamento europeu para apresentar a um Senado Europeu (directamente eleito pelos cidadãos europeus) e ao Parlamento Europeu para aprovação simplificaria enormemente o actual processo orçamental e torná-lo-ia também mais transparente.

Os impostos europeus como principal fonte de financiamento da UE teriam o mesmo efeito, pois os cidadãos passariam a conseguir mais facilmente verificar quanto pagam pela UE. Penso ainda que o pagamento de impostos directamente à UE ajudaria a aproximar os cidadãos da própria UE, dado que deixariam de existir os actuais intermediários. Nesse momento, o cidadão europeu saberia que estava a contribuir directamente para o financiamento da UE. Parece-me que isto ajudaria a que as pessoas se sentissem parte da UE enquanto tal.

Isto porque seriam verdadeiramente tratadas como cidadãs europeias. Deixaria de existir a espécie de «coeficiente de Estado» que existe hoje, em que alguns Estados contribuem mais e outros menos com base no seu estatuto enquanto Estado. O que passaria a ser relevante seria a pessoa enquanto tal, individualmente considerada. E isto é necessário se quisermos uma União Europeia mais democrática e uma União Europeia mais focada nos cidadãos e menos nos Estados.

A União Europeia passaria a ter de apelar directamente aos cidadãos europeus, sem intermediários, e as suas instituições teriam maior capacidade para se imunizar contra influência indevida de certos Estados. Afinal, o poder passaria a residir mais directamente nos cidadãos e nas instituições europeias enquanto tal, principalmente aquelas que os representassem directamente (Parlamento Europeu e Senado Europeu).

Diga-se, aliás, que a união fiscal é uma condição necessária para que seja possível emitir, de forma razoável, «eurobonds». Aliás, assim seria possível emitir «verdadeiros» «eurobonds»: títulos de dívida europeia de uma União Europeia federal. E a ser emitida dívida europeia, eu defendo que esta deve ser constitucionalmente limitada, em moldes similares às regras que hoje existem na Zona Euro.

Uma verdadeira federação europeia com o verdadeiro Orçamento europeu e impostos europeus seria bem mais transparente do que o actual sistema e aproximaria a União Europeia dos cidadãos europeus, dado que estes passariam a ser tratados enquanto tal e teriam maior capacidade de «sentir» o seu contributo para a União Europeia. O que os tornaria mais capazes de lhe pedir prestação de contas. E tornaria ainda a União Europeia capaz de emitir dívida (com a regra que eu mencionei, de preferência).

Passa por aqui, na minha opinião, parte da solução para a crise das dívidas soberanas. Não basta falar de «eurobonds» ou de «uniões fiscais». É preciso redesenhar o desenho institucional da UE e conferir-lhe os recursos próprios necessários para que se autonomize dos Estados e se aproxime dos cidadãos.

P.S. Recomendo a leitura deste texto da eurodeputada neerlandesa da ALDE Sophie in't Veld: An Alliance for Europe.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Racionalidade, Reciprocidade, Empreendedorismo

Ser racional, tentar maximizar a nossa utilidade e viver de acordo com os nossos interesses não são o mesmo que ignorar por completo os outros que nos rodeiam. O conceito de racionalidade económica e mesmo o conceito de egoísmo quando encarado neste sentido não é minimamente incompatível com o conceito de reciprocidade. Haverá alturas, muitas alturas, em que nós consideramos que é do nosso interesse ajudar os outros, tanto porque os outros depois nos tenderão a ajudar também a nós, como também por simplesmente nos sentirmos bem em ajudá-os e considerarmos ajudá-los um bem em si mesmo.

Não é de todo surpreendente, aliás, que haja comportamentos altruístas. A capacidade de ajudar os outros, de sentir empatia, de ser solidário com quem tem problemas é a base de uma qualquer comunidade sólida. É essa capacidade que gera entre-ajuda nos membros da comunidade e essa cooperação é perfeitamente racional economicamente, da mesma forma que a concorrência o será. E será ainda importante notar que nada disto coloca em causa o individualismo e a capacidade dos indivíduos se afirmarem enquanto seres específicos, irrepetíveis e autónomos.

É importante lembrar tudo isto num país em que o Estado é excessivamente visto como uma simples fonte de subsídios. É importante lembrar tudo isto perante quem tenha preconceitos contra quem ridicularize a filantropia ou a caridade, imputando más intenções a quem as pratique (geralmente por serem «ricos» e portanto, por definição, de acordo com essas pessoas, serem cínicos e incapazes de sentir verdadeira empatia). É fundamentalmente importante lembrar que a sociedade civil tem um papel importante a desempenhar em situações de crise e que essa função não se resume a organizar pessoas que queiram receber subsídios e, portanto, servir de intermediários entre o Estado e o resto da população.

O que é fundamental no que toca à solidariedade é a capacidade de cada um de nós sentir que existe mais no mundo além do nosso umbigo e que é nosso dever ajudar quem precisa. É este sentimento, é esta cultura solidária que cria comunidades sólidas. Se a esta sentimento acrescer outro, o sentido de que devemos procurar, o mais possível, resolver os nossos problemas de forma autónoma, teremos uma comunidade em que os seus membros tentam resolver os seus problemas «de baixo para cima»: primeiro tentam resolver por si, se não conseguirem falam com vizinho(s), se não der falam com a associação de moradores ou com a junta e aí por diante.

Ao invés, não teremos uma comunidade em que as pessoas tentam resolver problemas que poderiam tentar resolver sozinhas através de uma petição ao Governo ou ao Presidente da República. Uma comunidade na qual se começa a tentar resolver os problemas por cima, em vez de por baixo, e em que as pessoas não confiam umas nas outras o suficiente para pedir ajuda. Depois, ironicamente, também não confiam no Estado e nos políticos (mais ou menos profissionais), a quem, no entanto, exigem a resolução de todos os problemas e mais alguns.

Parte da resolução dos problemas que atravessamos passa por as pessoas tentarem resolver os seus problemas por si e sentirem que têm pessoas à sua volta em quem confiam no caso de precisarem de ajuda, independentemente do Estado central ou de instituições públicas em geral. Se cada um de nós tentar resolver os seus problemas por si, ajudando no que pode os outros a resolverem os deles, menos imputaremos ao Estado e às instituições públicas, que se poderão, então, focar na resolução de problemas que, de facto, seja muito mais eficiente resolver a essa escala.

Criar empregos bem remunerados e aumentar a produtividade do país passa também por aqui. Precisamos de empresas que apostem na formação e na qualificação dos colaboradores, bem como em salários razoáveis para atrair os melhores e conseguir mantê-los, e que valorizem o «know how» como um activo precioso. Precisamos de gente que esteja disposta a sair da sua zona de conforto e de arriscar, independentemente da existência de subsídios estatais e de deixar que essa gente seja capaz de o fazer sem primeiro sufocar em regulamentos desnecessários e impostos.

Tudo isto, parece-me, já existe em Portugal, embora não corresponda ao estereótipo a que nos fomos habituando de Portugal. Acontece que estas pessoas estão demasiado ocupadas a inovar e a trabalhar para terem tempo de aparecer constantemente na comunicação social. Mesmo assim, vamos tendo notícias de bons exemplos em Portugal. São as «pessoas completamente loucas» de que o Hugo Garcia já aqui falou. É muito por essas pessoas que, parece-me, passa o futuro desenvolvimento económico português, aquele que poderá aos poucos ir substituindo a crise em que vivemos (e que irá perdurar). Se lhes retirarmos barreiras e deixarmos explorar todo o seu potencial, quem sabe o nível de progresso que atingiremos?


sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Federalismo Europeu (II)

A estrutura complexa e confusa da União Europeia é frequentemente objecto de críticas. É considerada pouco transparente, pouco intuitiva e muito afastada dos cidadãos. Finalmente, a UE é sistematicamente acusada de ter um défice de legitimidade democrática.

Todos estes problemas estão interligados e, a meu ver, têm uma causa comum: a soberania nacional. A estrutura é complexa, confusa, pouco intuitiva e pouco transparente porque no seu ADN permanece uma preocupação com a defesa da soberania nacional dos Estados Membros.

 É a soberania nacional que justifica regras de maioria qualificada bizantinas. É a soberania nacional que justifica a existência do Conselho Europeu. É a soberania nacional que justifica a existência de um mecanismo de controlo da aplicação do princípio da subsidiariedade que envolve os parlamentos nacionais.

A constante preocupação em salvaguardar a posição dos Estados Membros enquanto tal na estrutura da União Europeia torna-a, portanto, mais complexa. Torna também mais difícil tomar decisões enquanto União Europeia em questões fundamentais, como seja a resolução da crise das dívidas soberanas.

A União Europeia continuar a ser pensada como um conjunto de Estados, remetendo a cidadania europeia para segundo plano, dificulta a emergência de verdadeiros debates públicos a nível europeu, envolvendo directamente os cidadãos, enquanto cidadãos europeus, e a sociedade civil europeia em geral.

Os problemas europeus são sistematicamente caracterizados como competições entre os diversos Estados-Membros e as negociações como braços de ferro. O nacionalismo é louvado e promovido: os «outros» são diferentes de nós, querem fazer-nos mal, querem dominar-nos e nós não podemos deixar.

 No debate político, as pessoas são enjauladas em «nações», corporizadas num «Estado-Nação», e perdem a sua identidade individual. O conceito de «Estado-Nação», assente numa «soberania nacional», que existe para defender um «interesse nacional», tornou-se tão enraizado que é difícil fazer-lhe frente.

 Neste momento de crise, a União Europeia está a ser posta à prova, incluindo a sua estrutura institucional. Os soberanistas defendem que o problema é integração a mais e não têm tido resposta suficiente de federalistas que digam, preto no branco, que não. Que o problema é integração a menos.

A falta de integração política leva a que seja mais difícil tomar decisões porque o sistema encoraja a cooperação, mas não o suficiente. Problemas europeus são «nacionalizados» e tratados como se fossem problemas de cada Estado Membro, quando na realidade o que se passa num Estado-Membro afecta todos os outros.

A falta de integração política leva à existência de uma estrutura complexa que, se para algumas áreas já consegue dar resposta, para áreas fundamentais ainda não o consegue fazer. Simplificar o sistema torná-lo-ia mais capaz de lidar com problemas complexos e delicados e também mais compreensível para os cidadãos.

Tornando o sistema mais compreensível, seria mais fácil aos cidadãos exercer o seu direito de escrutínio. Da mesma forma que financiar a UE primordialmente através de impostos europeus tornaria mais fácil aos cidadãos aperceberem-se quer do custo da UE, e pedir contas, quer do facto de estarem a contribuir directamente para o funcionamento da mesma com o seu dinheiro.

 Um sistema federal deveria assentar primordialmente, na minha opinião, nos cidadãos europeus e nos seus representantes do Parlamento Europeu, bem como na sociedade civil europeia. A União Europeia não estaria assente numa «nação» mas sim em «cidadãos», cada qual com as suas preferências e ideias.

 O «Estado-Nação», mito com raízes oitocentistas que ainda hoje nos persegue, tem de ser posto em causa. Os ideais proteccionistas e nacionalistas que lhe estão assentes servem para fomentar conflitos, não para os resolver. Servem também para categorizar indivíduos e reduzi-los a meras manifestações de um certo colectivo.

 A União Europeia deve servir para ultrapassar este modelo de organização social. Bem sei que existe o risco de emergir um nacionalismo europeu para substituir os nacionalismos dos Estados Membros, provavelmente caracterizado por um anti-americanismo primário. É preciso, também, resistir a que isso aconteça.

A evolução da União Europeia para uma federação que garantisse liberdade de circulação de pessoas, bens, capital, serviços e tecnologia, que respeitasse o princípio da subsidiariedade e assente num corpo de cidadãos encarados enquanto tal, seria uma solução estrutural para os problemas que nos assolam. Cada passo nesse sentido é importante. Combater o nacionalismo típico das crises, por sua vez, é urgente.

domingo, 18 de setembro de 2011

Federalismo Europeu

Está na altura de discutir federalismo a sério e isso não se resume a discussões sobre mutualização de dívida pública, aumentos do orçamento da UE ou ideias sobre agências de «rating» europeias autónomas. Não, nada disto é discutir federalismo e resume-se apenas a discutir remendos, ainda por cima ineficazes, para a crise das dívidas soberanas.

Em vez disto, está na altura de fomentarmos a emergência de um espaço público europeu, no qual tenha lugar um verdadeiro debate a nível europeu sobre questões europeias. Numa altura em que a UE já tem tanta importância nas nossas vidas, é incompreensível como as questões europeias são sistematicamente ignoradas no debate público em Portugal, quer pelos políticos, quer pela comunicação social. (E quem fala em Portugal, fala do resto dos Estados Membros.)

Está na altura de falarmos não de «eurobonds» e de fortalecimento do orçamento da UE, mas sim de garantir que a UE se consegue financiar junto dos cidadãos europeus, que pagariam impostos europeus para financiar um orçamento europeu mais transparente e com um processo orçamental mais compreensível. (Bem sei que já há «impostos europeus», mas as transferências dos Estados-Membros continuam ser a principal fonte de financiamento da UE e isso tem de mudar.)

A dívida europeia seria dívida de um Estado federal europeu. Existiria um verdadeiro Ministério das Finanças europeu para lidar com questões orçamentais, em relação às quais o Parlamento Europeu passaria a ter importância decisiva. Aliás, o Parlamento Europeu passaria a ter uma influência decisiva em geral, passando a ter poder em todas as áreas de governação, ao passo que o poder do Conselho seria diminuído, acabando-se ainda com a comitologia.

A Comissão Europeia passaria a consistir num verdadeiro Governo europeu, prestando contas perante o Parlamento Europeu (algo que já faz, em abono da verdade). A política externa e a política de defesa seriam federalizadas. Não precisamos de 27 (em breve 28) forças armadas sem grande capacidade para intervir (como se viu na Líbia) e também não precisamos de 27 sistemas de embaixadas e consulados.

Nós não comemos «soberania nacional» mas demasiada gente come simplesmente à custa dela e de todos os outros. O proteccionismo que a «soberania nacional» representa serve para agudizar a crise e para retirar legitimidade democrática e transparência ao funcionamento da União Europeia, separando-a dos cidadãos e tornando o seu funcionamento mais complexo, burocrático e ineficiente.

Sobre «eurobonds», este artigo de Otmar Issing parece-me particularmente elucidativo: o que queremos é uma verdadeira união política, transparente e com legitimidade democrática. Concordo plenamente com o que é escrito no artigo e, sendo federalista, não concordo com as «eurobonds» na forma em que estão a ser propostas.

Sobre a agência de «rating» europeia autónoma, em resumo, uma agência de «rating» criada desta forma não teria qualquer credibilidade. E, sendo criada para «ajudar» a UE, não teria nenhum interesse, porque o objectivo deve ser ter «ratings» imparciais. Finalmente, já existem agências de «rating» «europeias» no mercado, incluindo uma portuguesa, e quem quiser usar as suas notações, tem-nas disponíveis.

O objectivo final numa federação europeia seria aproximar a UE dos cidadãos europeus, não criar mais entidades burocráticas como esta agência europeia de «rating». Seria transformar a UE numa entidade mais eficiente, mais transparente, mais capaz de actuar como um garante de paz e prosperidade no continente europeu, seus objectivos últimos desde a sua fundação.

Um verdadeiro debate sobre federalismo europeu, fundamental neste momento de crise das dívidas soberanas, em que é necessário debater mudanças estruturais não apenas nos Estados Membros, mas também na UE, passa pelos vários temas que eu listei acima. Mas não são estes os debates que temos tido, mesmo da parte de federalistas.

Poder-se-á considerar que esta agenda é demasiado radical. Poder-se-á pensar que a soberania nacional não pode ser posta em causa por questões de pragmatismo político. Mas se não forem os federalistas a levantar estas questões, colocá-las em cima da mesa e, no fim, tentar ganhar o debate, quem o fará? Preferimos mesmo continuar a ver a UE evoluir de forma afastada dos cidadãos europeus, facilitando a vida de eurocépticos de várias estirpes, que se aproveitam da nossa ausência para promover todo a espécie de mitos nefastos sobre a UE?

P.S. Sobre este tema, a ler também este artigo de Wolfgang Münchau no FT.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Estação Baixa-Chiado PT Bluestation

Ver aqui.

O Metro procurou uma nova fonte de financiamento para fazer face aos seus problemas financeiros e o resultado foi uma estação de Metro renovada, com Internet de graça (do ponto de vista do utilizador) e com informações para os utentes do Metro. Em troca, a PT pagará não se sabe quanto dinheiro e ficará com o nome "PT Bluestation" associado ao nome da estação.

Pessoalmente, acho óptimo. O nome extra ser em inglês é-me indiferente, o facto da publicidade à marca se fazer por associação de nomes também. Não me parece um atentado à cultura portuguesa, que aliás não é definida por decreto, é algo que se vive todos os dias e que constantemente evolui. 

Mais provinciano que achar que tudo o que é de fora é bom são tiques de chauvinismo cultural, tratando a cultura portuguesa como a aldeia do Astérix (embora sem poção mágica). A atitude tremendamente conservadora de tratar a cultura como algo estático, nacional e a defender a todo o custo da mudança é uma boa receita para a estagnação, não para o desenvolvimento cultural.

Acho particularmente interessante este negócio porque é um exemplo de como é possível procurar financiamento noutras fontes, o que é particularmente importante nestes tempos de crise financeira. Se o projecto funcionar, poderá ser expandido, inclusivamente a entidades não-empresariais, o que ajudaria a limitar as transferências de entidades públicas para este tipo de projectos, libertando recursos.

domingo, 11 de setembro de 2011

A (falta de) alternativa de António José Seguro

António José Seguro vive num mundo em que não existe o programa da Troika, num mundo em que Portugal não está a passar por um período de implementação de um programa de desalavancagem da sua economia, num mundo em que não houve anos e anos de atrasos nas reformas estruturais. Pelo menos, é isso que retiro desta sua intervenção.

António José Seguro exige uma estratégia pública para o crescimento económico, e aponta o caminho: linhas de crédito comercial e seguros de crédito, QREN, exportações e AICEP (de onde o PS foi buscar Basílio Horta para as suas bancadas parlamentares). Critica ainda o Governo pelo seu ênfase na austeridade, dizendo que o ênfase deve estar, isso sim, no crescimento económico (leia-se, crescimento do PIB, imagino eu).

Este género de retórica demonstra que o actual Secretário Geral do PS ou não percebeu o que se passa em Portugal, ou então finge muito bem. Portugal passa neste momento por um processo de reestruturação da sua economia e do seu Estado para evitar a insolvência. Adiámos até não poder mais as reformas estruturais que agora temos de fazer, e das quais António José Seguro não tem falado, mas agora não dá para adiar mais.

De facto, teria sido razoável fazer as reformas estruturais em período de crescimento económico. Mas em período de crescimento económico, ninguém sente a necessidade de se mexer. Há recursos para distribuir por várias empresas privadas de construção civil, entre outras, e também para distribuir por um sector público cada vez maior, pelo que ninguém liga à necessidade de resolver problemas estruturais.

Claro que, com isso, o crescimento potencial português se foi tornando cada vez mais miserável, tal como o crescimento efectivo. Mas como havia crédito barato, ninguém ligou nenhuma. O que interessava era encorajar as pessoas a endividarem-se, o que interessa era o Estado acumular défices e dívida pública, o que interessava era gastar recursos que não se tinha. Amanhã, um amanhã que nunca viria, pensar-se-ia nas consequências.

As consequências foram as conhecidas. O Estado português foi resgatado pela UE e pelo FMI, e adoptou um programa de reformas estruturais cujo objectivo é aumentar o potencial de crescimento da economia portuguesa, tornando-a mais flexível e eficiente. Em vez de acumularmos dívida ao estrangeiro, queremos agora atrair investimento directo estrangeiro, por exemplo. Queremos aumentar a competitividade da economia portuguesa expondo as empresas aqui instaladas a mais concorrência, também.

Para atingirmos estes objectivos, e outros, temos de fazer reformas estruturais, e essas reformas incluem acabar com o fomento do endividamento insustentável característico do anterior modelo de desenvolvimento da economia portuguesa. Este ajustamento para uma economia menos endividada não é compatível com as propostas de António José Seguro, que passam, essencialmente, por incentivar o endividamento, e por tornar o Estado português garante de uma quantidade razoável de dívida privada.

As reformas incluem também acabar com a política de défices sucessivos e da acumulação insustentável de dívida pública. O Estado português ter as contas públicas em ordem é, também, importante para o crescimento económico. O custo de oportunidade do desperdício a que têm sido votados os recursos públicos tem sido imenso. É fundamental canalizar esses recursos para actividades bem mais produtivas que sucessivas gerações de rotundas, de auto-estradas desnecessárias, de serviços públicos desnecessários. Para que isso aconteça, os recursos têm de ser libertados pelo Estado.

Em vez de andar a falar de linhas de crédito, António José Seguro devia estar a apresentar as propostas do PS para a reestruturação do Estado, o que incluiria propostas para cada uma das áreas em que o Estado se encontra neste momento presente. Devia ainda apresentar um documento de estratégia orçamental alternativo. E devia também ler o programa de Governo, para fazer críticas mais concretas e mais interessantes.

Há muito a dizer sobre o programa do Governo. Mas a conversa da «austeridade a mais» não significa nada. E se o PS quer ser uma Oposição a sério, tem de ir bem mais além do que propor o modelo de desenvolvimento cavaquista-guterrista-socrático que agora se encontra em colapso. É que esse já foi tentado, e nós sabemos o que acontece no fim.