Acumular dívida de forma insustentável é um problema. Havia regras a cumprir para tentar garantir estabilidade e crescimento, mas ninguém as levou muito a sério. Hoje vivemos o resultado, em Portugal e na União Europeia.
Não é política liberal, nem nunca foi, a existência de défices sistemáticos que resultam num escalar de dívida. Qualquer liberal exigirá as contas públicas em ordem e exigirá que as gerações futuras não sejam constantemente oneradas com decisões sobre as quais não foram ouvidas (nem poderiam alguma vez ter sido).
Os constantes défices, que resultam numa dívida sempre a crescer até se tornar insustentável, vêm da ideia de que as gerações futuras estarão sistematicamente melhores do que nós por causa dos magníficos investimentos que vão sendo feitos e que portanto terão sempre maior capacidade de aguentar os encargos maiores que resultam deste tipo de políticas (leia-se: mais impostos).
Mais: este tipo de políticas de endividamento constante são defendidas precisamente por aqueles que depois culpam quem emprestou o dinheiro pela espiral de dívida com a qual nos fomos sufocando. Na prática, e em resumo, o argumento dos «fluxos de capital» terem sido excessivos significa, trocado por miúdos, que houve demasiado investimento em Portugal e que nós não aguentámos.
Curiosamente, nos tempos das vacas gordas, ninguém ligou nada a isso. Quem falasse de problemas com encargos futuros era considerado contra o progresso. Agora que os estamos a pagar, é quem nos emprestou o dinheiro que é contra o progresso. Os únicos que não são contra o progresso são aqueles que tomam a decisão de pedir dinheiro emprestado, pelos vistos.
Em Portugal, conjugámos uma política de endividamento constante com um mercado inflexível, baixa produtividade e baixo nível de qualificação. Tivemos vários anos para ir, gradualmente, reformando a nossa política económica e décadas para melhorar, bastante mais, o nosso nível de instrução. Mas não fizemos nem verdadeiras reformas da nossa política económica, nem conseguimos melhorar suficientemente o nosso nível de instrução.
Agora, no meio de uma profunda crise, estamos a fazer todos os ajustamentos ao mesmo tempo. É nisto, em grande medida, que dá o acumular constante de dívida sem pensar que um dia se vai ter de pagar de volta, e gastar dinheiro em investimentos público de rentabilidade (qualquer tipo) dúbia. Mas claro, para alguns, a culpa é dos outros, nunca nossa.
Esta crise serviu para lembrar algo que os liberais sempre defenderam: que acumular dívida de forma insustentável faz mal à saúde. Serviu também para lembrar que incentivar o consumo desenfreado não é sustentável e tem efeitos perniciosos. E com esta crise, chegou o momento de deixarmos de acumular dívida e incentivar o consumo da forma que temos feito e um ajustamento penoso, muito penoso.
Felizmente, parece que muita gente em Portugal não vai na conversa da vitimização e em teorias da conspiração. Mas infelizmente, parece que ao nível da União Europeia, não tem havido coragem para tomar medidas que resolvam o cerne do problema institucional que vivemos na União Europeia neste momento. E portanto, a juntar-se aos nossos problemas nacionais estruturais, temos problemas estruturais europeus que também precisam de resolução para conseguirmos ultrapassar a crise.
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