domingo, 6 de novembro de 2011

Apontamentos sobre o OE 2012 (II)

António José Seguro até queria votar a favor da proposta do Governo para o Orçamento do Estado para 2012, mas ficou tão chocado pelo seu conteúdo que vai pedir a abstenção dos deputados do PS. Independentemente disso, diz também que vai apresentar umas propostas de alteração ao Governo, sendo a mais mediática a proposta de que se corte apenas um subsídio e não dois. É disto que o PS precisa para «viabilizar» o Orçamento.

Acontece que o PS não é necessário para «viabilizar» o Orçamento: a maioria parlamentar de que o Governo dispõe basta para isso. O voto do PS não é necessário para que nada seja aprovado ou viabilizado. O voto do PS e a sua actuação em todo este processo são, isso sim, sinais sobre a viabilidade do próprio PS para se assumir como alternativa à maioria actual. Ou seja, o que está em causa é a viabilização do próprio PS, não a viabilização do Orçamento.

É certo que eu concordo que o Orçamento precisa de um consenso mais alargado do que aquele que lhe permitiria passar pelo Parlamento para depois Presidente da República o assinar de cruz, possivelmente exercendo um pouco mais a «magistratura activa» dos breves comentários críticos a que nos foi habituando. Não menos certo é que o Orçamento vai além da Troika (o que aliás já tinha sido prometido) e que António José Seguro é fácil de chocar (ele e o PS são dos poucos que ainda estão chocados com os buracos orçamentais que deixaram ao país).

Mas também é certo que, sendo importante como sinal político, o voto do PS não é necessário para viabilizar este Orçamento. Mais certo ainda é que o PS já devia ter apresentado alternativas ao Orçamento, porque as suas propostas, penso eu, deveriam ser independentes das propostas do Governo. Apresentando publicamente as suas propostas num modelo de Orçamento próprio, poderia então o PS negociar com o Governo a alteração do Orçamento por este proposto.

Claro que isto implica mais trabalho, maior preparação e maior responsabilização do PS por matérias de governação, apesar de estar fora do Governo. E todo este trabalho não tem repercussões imediatas, porque não há eleições. Por isso temos assistido a jogos políticos e a piropos de circunstância nas televisões, em vez de a um verdadeiro debate substantivo. Porque as eleições já lá foram e o programa do PS nessas eleições é indiferente, só tornando a ser relevante ter algumas ideias alternativas quando vierem as próximas eleições.

Finalmente, o Orçamento é apenas um exemplo. O PS (nada espero dos outros partidos, embora todos o devessem, na minha opinião, fazer) devia ter este tipo de comportamento relativamente a todas as áreas de governação, a todos os temas que estejam em debate público. A função do PS vai bem mais além das frases feitas, das perplexidades fingidas e das incompreensões incompreensíveis: a função do PS é apresentar-se como alternativa de Governo.

Infelizmente, no entanto, não é nada seguro que o PS o faça. Porque isso significaria que o maior partido da oposição em Portugal iria, finalmente e, imagino, pela primeira vez, cumprir a sua função.

3 comentários:

  1. Começo a estar mais vezes de acordo contigo do que achava possível até agora. Qual de nós dois estará errado?

    Excelente post!

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  2. Ambos somos democratas, caro tio. Penso que será isso que nos aproxima!

    Mas eu considero-me um liberal democrata, enquanto o tio defende a social democracia. Penso que será isso que nos separa!

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  3. Common decency (Orwell), esta é a base do sentimento democrático.

    Abraço.

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