segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Pensamentos soltos numa noite fria

1. Dizer que o Governo escolheu cortar fortemente os salários de funcionários públicos por os funcionários públicos não serem a sua base eleitoral é pensar que uma medida extremamente impopular como esta, num país em que toda a gente tem vários funcionários públicos na família ou entre os seus amigos e conhecidos, é tomada com base em cálculo eleitoral poucos meses após eleições e com as próximas eleições ainda a alguma distância. Mas é deste tipo de juízo de intenção que se vai fazendo muito do debate sobre o Orçamento do Estado de 2012.

2. Aliás, este tipo de argumentação com base em juízo de intenção, de ataque «ad hominem», é típica do debate político em Portugal, que se pauta por um nível muito baixo. Raramente se discutem propostas. Discute-se sempre quem as tomou, as segundas intenções que poderão estar por trás de cada decisão e, de vez em quando, carpem-se mágoas pelo terror que é a «ideologia», essa coisa horrível que cega quem toma decisões e os leva a ignorar «as pessoas» (ignorando-se, claro, que todos temos ideologia).

3. É muito fácil escrever meia dúzia de parágrafos a dizer que o Orçamento é terrível, que é iníquo, que declara guerra a funcionários públicos e pensionistas. É ainda mais fácil «surfar» essa onda com propostas do tipo as que o PS tem feito, com base numa suposta folga orçamental que a Troika não encontrou em lado nenhum, mas que o PS nos assegura que existe. Ou propor impostos sobre o luxo. Aliás, parece ser muito fácil propor aumentos de impostos, mas não cortes na despesa, quer da parte da Oposição, quer da parte do Governo.

4. E enquanto tudo isto acontece, há uma crise das dívidas soberanas na Europa que não tem gerado o debate que devia: um verdadeiro debate sobre uma federação europeia (ver aqui ou aqui). As meias decisões vão sendo tomadas, os alemães e os gregos vão sendo insultados, a legitimidade dos próprios Parlamentos vai sendo posta em causa por «indignados», mas um debate público sólido sobre o projecto europeu é algo que não existe.

5. Temos uma crise económica e financeira, a que se junta uma crise social e política, de resolução difícil e que está a levar ao limite todas as instituições que criámos para lidar com estas crises, quer cá na Europa, quer nos próprios Estados Unidos (onde as guerras entre o Presidente e o Congresso, e dentro do próprio Congresso, ajudaram bastante à primeira descida na notação da dívida soberana dos EUA de sempre). Uma crise em que todos saímos prejudicados e da qual sairíamos ainda mais prejudicados se se preferir a via da teoria da conspiração em vez de pensar na interligação que existe entre a Europa e os EUA.

6. No fim de contas, para ultrapassar a crise penso que teremos de aceitar que há problemas em várias escalas e que é preciso começarmos a resolver esses problemas na escala adequada. Enquanto continuarmos a pensar que é cada um por si, não vamos lá. Pior do que isso: enquanto continuarmos a pensar que a escala de hoje é a escala do séc. XIX e dos seus mitos nacionalistas, é precisamente a essa escala que vamos ficar presos, com enormes custos de oportunidade, a nível global, para todos nós.

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