Os meios contam, não contam só os fins. Os fins podem ser os mais apropriados, adequados, morais e recomendáveis. Mas se os meios não forem os adequados ou forem desproporcionais, temos um problema. E os meios adequados a atingir certos fins não são necessariamente aqueles que intuitivamente o parecem ser.
Os problemas não desaparecem por decreto, não se eliminam com leis cheias de boas intenções mas que pura e simplesmente não têm efectividade prática, por muito dignos de simpatia que sejam os seus objectivos. Pior: essas leis podem perfeitamente ter efeitos perversos, aumentando os problemas ou criando problemas novos.
As boas intenções não são suficientes. No fundo, a ideologia não é suficiente. Não basta ter um conjunto hierarquizado de princípios sobre como deve ser organizada a sociedade, que servem para definir objectivos concretos a esse nível. É preciso perceber quais os métodos que funcionam e não funcionam na prática para esses fins, e ser claro e cristalino quando se anunciam esses métodos sobre todos os seus efeitos - pretendidos e potenciais.
A política, na prática, faz-se sempre com uma mistura de ideologia e de técnica - porque todos temos uma ideologia e, ao tentar aplicar na prática aquilo que pretendemos, não podemos fugir a questões técnicas relativas à sua implementação. E para mim, tem muito mais consciência social quem apresenta medidas para resolver problemas com base em mais do que pronunciamentos morais ou moralistas, na medida em que essas medidas de facto tenham impacto na resolução do problema que visam resolver.
Não basta anunciar aos sete ventos que se tem uma enorme consciência social e depois apresentar um pacote de medidas que visam mexer com o coração das pessoas. Não basta anunciar medidas de cariz «social» e depois acusar de falta de consciência social quem disser que essas medidas não só muito provavelmente não funcionarão, como poderão ter efeitos perversos. É preciso mais do que isso. É preciso explicar porque essas tais medidas de cariz «social» funcionariam, e apresentar argumentos válidos nesse sentido.
Mas nunca é isso que é feito. As boas intenções são aplaudidas, as medidas de cariz «social» são levadas ao colo, e quem as critique é simplesmente acusado de ser um Homem de Lata - sem coração - ou um Espantalho - sem cérebro. Quando os argumentos são de cariz económico, é acusado de ser «economicista», que é um adjectivo sem significado útil que tem muitos fãs no nosso debate público. Depois, contam-se histórias sobre ajudar-se muito quem quer que supostamente se queira ajudar. As narrativas românticas sucedem-se, mas raramente se responde a argumentos que mencionem os efeitos perversos que as medidas possam ter.
Por muita consciência social que se tenha, se as medidas que se implementarem tiverem como efeito todo o tipo de problemas, que podem até incluir um agravamento dos problemas sociais que visam resolver, então a consciência social dos promotores das medidas de pouco nos vale. E não me parece que tenha menos consciência social quem aponte falhas no cardápio habitual de «medidas sociais» que por aí se vão promovendo do que quem defenda essas medidas.
A intervenção cívica no sentido de defender que não se devem implementar propostas que se considera que terão efeitos sociais nefastos não revela falta de consciência social. Antes pelo contrário. Revela que se está disposto a participar no debate público a defender ideias pouco populares, tentando com isto, por alguma forma, levar a que essas medidas que se considera nefastas não sejam implementadas, o que por sua vez revela consciência social. Revela que a pessoas se preocupa com os problemas e que está disposta a participar no debate público sobre a sua resolução, provavelmente apresentando propostas a esse respeito.
Andar a acusar outras pessoas de não terem consciência social é daqueles truques retóricos já com barbas e que nunca desaparecerá, mas, como todos os ataques «ad hominem», não é um argumento válido. É preciso responder ao que é argumentado, não atacar pessoalmente quem apresenta o argumento. E dizer que se tem muito boas intenções não é suficiente, que de boas intenções está o Inferno cheio.
Sem comentários:
Enviar um comentário