sexta-feira, 15 de março de 2013

Hungria, Voting Rights Act e a reforma da UE


   Gostaria de sublinhar dois acontecimentos em dois continentes diferentes que, na minha opinião, são pertinentes para o debate alargado sobre o federalismo. O supremo tribunal norte-americano ouviu nas últimas semanas os argumentos sobre a constitucionalidade do Voting Rights Act de1965, discutindo-se, após uma eleição em que a prática recorrente dos estados alterarem para fins políticos os métodos e logísticas do processo mais uma vez me deixou boquiaberto como habitante do velho continente, até que ponto tem o estado federal direito a intervir na regulação desses mesmos problemas, pelo menos em estados com historial de repressão do voto das minorias, para garantir o direito fundamental ao voto.
   Na Hungria, a direita passou uma reforma constitucional sobre uma nova constituição que à pouco tempo entrara em vigor (e da parte destes mesmos suspeitos) que parece reverter o progresso que a pouco e pouco as democracias ocidentais procuram, e cristalizar os seus partidos e seus vícios no aparelho de estado, enquanto a contestação da União Europeia não se cristaliza de uma forma legal de forma a subverter as reformas "anti-democráticas" com base num princípio de garantia de direitos fundamentais a uma escala supranacional. Mas a direita húngara retorquirá que tais reformas garantem a estabilidade e a prosperidade.
   Deveria ter um estado membro da UE direito a passar democraticamente restrições a direitos fundamentais, ou leis que revertem o progresso dos direitos cívicos e cristalizam o nepotismo no aparelho de estado, indo contra não só os princípios de good governance da UE, os critérios de Copenhaga que a Hungria teve de cumprir para entrar na UE, e a carta fundamental dos direitos da UE, ou deveriam existir instituições federais ao nível da UE que subvertessem tais decisões estaduais caso elas neguem aos cidadãos húngaros direitos garantidos enquanto cidadãos europeus, como ocorre nos EUA?
   Mas outra angústia me leva a sublinhar esta questão. A imperatividade de "mais Europa" tem sido, pela força das circunstâncias, discutida no plano económico, mas não se deverá reduzir o debate a tais condições. Acredito fundamentalmente que a prosperidade dos europeus não depende única e simplesmente do bem-estar económico, e parece-me uma loucura reduzir a política europeia à necessidade de uma economia forte, embora necessária, visto que se nos convencermos que o o estado e as instituições estatais apenas se justificam para garantirem essa dimensão, facilmente nos esqueceremos que a coisa pública também serve para garantir as liberdades (que em parte sustentam essa mesma prosperidade económica).
   Se todo o debate se centrar na garantia de uma segurança económica e esquecer as liberdades, ou não passar por discutir como, pela Europa, podemos aumentar essa mesma segurança com aprofundamento e garantia das liberdades, não correremos o risco de aceitar perder essas mesmas garantias para alcançar uma prosperidade, então bastante perversa? E não será por isso ainda mais imperativo que a reforma passe por tais garantias ao nível federal, para que esses debates tenham sempre um limite constitucional ao que se pode abdicar pela prosperidade a nível estadual?

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