Gostaria
de sublinhar dois acontecimentos em dois continentes diferentes que,
na minha opinião, são pertinentes para o debate alargado sobre o
federalismo. O supremo tribunal norte-americano ouviu nas
últimas semanas os
argumentos sobre a constitucionalidade do Voting Rights Act de1965,
discutindo-se, após uma eleição em que a prática recorrente dos
estados alterarem para fins políticos os métodos e logísticas do
processo mais uma vez me deixou boquiaberto como habitante do velho
continente, até que ponto tem o estado federal direito a intervir na
regulação desses mesmos problemas, pelo menos em estados com
historial de repressão do voto das minorias, para garantir o direito
fundamental ao voto.
Na
Hungria, a direita passou uma reforma constitucional sobre uma nova
constituição que à pouco tempo entrara em vigor (e da parte destes
mesmos suspeitos) que
parece reverter o progresso que a pouco e pouco as democracias
ocidentais procuram, e cristalizar os seus partidos e seus vícios no
aparelho de estado, enquanto
a contestação da União Europeia não se cristaliza de uma forma
legal de forma a subverter as reformas "anti-democráticas"
com base num princípio de garantia de direitos fundamentais a uma
escala supranacional. Mas
a direita húngara retorquirá que tais reformas garantem a
estabilidade e a prosperidade.
Deveria
ter um estado membro da UE direito a passar democraticamente
restrições a direitos fundamentais, ou leis que revertem o
progresso dos direitos cívicos e cristalizam o nepotismo no aparelho
de estado, indo contra não só os princípios de good
governance
da UE, os critérios de Copenhaga que a Hungria teve de cumprir para
entrar na UE, e a carta fundamental dos direitos da UE, ou deveriam
existir instituições federais ao nível da UE que subvertessem tais
decisões estaduais caso elas neguem aos cidadãos húngaros direitos
garantidos enquanto cidadãos europeus, como ocorre nos EUA?
Mas
outra angústia me leva a sublinhar esta questão. A
imperatividade de "mais Europa" tem sido, pela força das
circunstâncias, discutida no plano económico, mas não se deverá
reduzir o debate a tais condições. Acredito fundamentalmente que a
prosperidade dos europeus não depende única e simplesmente do
bem-estar económico, e parece-me uma loucura reduzir a política
europeia à necessidade de uma economia forte, embora necessária,
visto que se nos convencermos que o o estado e as instituições
estatais apenas se justificam para garantirem essa dimensão,
facilmente nos esqueceremos que a coisa pública também serve para
garantir as liberdades (que
em parte sustentam essa mesma prosperidade económica).
Se
todo o debate se centrar na garantia de uma segurança económica e
esquecer as liberdades, ou não passar por discutir como, pela
Europa, podemos aumentar essa mesma segurança com
aprofundamento
e garantia das liberdades, não
correremos o risco de aceitar perder essas mesmas garantias para
alcançar uma prosperidade, então bastante perversa? E não será
por isso ainda mais imperativo que a reforma passe por tais garantias
ao nível federal, para que esses debates tenham sempre um limite
constitucional ao que se pode abdicar pela prosperidade a nível
estadual?
Sem comentários:
Enviar um comentário