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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Adeus, Fernando Nobre!

Fernando Nobre renunciou ao mandato de deputado. Perdeu a eleição para Presidente da Assembleia da República e acabou mesmo por cumprir o que tinha originalmente dito que faria nessa situação. A ideia de que cumpriria o mandato foi apenas temporária, pelos vistos.

Confirma-se que Fernando Nobre não tinha, verdadeiramente, uma ideia para o país. A sua candidatura à Presidência esfumou-se, e a sua candidatura a deputado (e, depois, a Presidente da Assembleia da República) tiveram o condão de tornar claro que a carreira política de Fernando Nobre não acrescentava grande valor ao debate público em Portugal.

A candidatura de Fernando Nobre à Presidência da Assembleia da República nem devia ter acontecido. Fernando Nobre devia ter percebido a sua situação, e retirado o seu nome de consideração por parte da Assembleia da República. Assunção Esteves deveria ter ido a votos de imediato, e não apenas depois de duas rondas humilhantes para Fernando Nobre.

Na minha opinião, esta renuncia ao mandato de deputado mostra falta de respeito pelo Parlamento e pelos eleitores, e em nada dignifica Fernando Nobre. Este sai pela porta pequena, muito pequena mesmo, do mundo político, com uma breve carreira que misturou apelos à emoção (e não à razão), erros políticos vários, e um confrangedor vazio de ideias para o país.

Fernando Nobre teve a hipótese de deixar uma marca positiva importante em Portugal, até mesmo enquanto deputado. Em vez disso, a sua carreira política tornou-se um «case study» para o que não se deve fazer, ao mesmo tempo que chamuscou ainda mais a imagem da política em Portugal, uma imagem já quase incinerada neste momento.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Ter, rapidamente, um Governo (Final) - Parte 2

Já temos a lista de Secretários de Estado.

Um nome em particular saltou-me de imediato à vista: Daniel Campelo. Anos depois dos dois orçamentos limianos do Governo Guterres, em que o seu voto «passou» os ditos orçamentos, e depois de toda uma saga partidária, temos Daniel Campelo como Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural. É possível que perceba do tema, mas toda a sua actuação anterior enquanto deputado não me deixa descansado.

Temos Francisco José Viegas como Secretário de Estado da Cultura. Esperemos que a sua função deixe de ser a pura e simples distribuição de subsídios. Neste momento, o grande problema da área da Cultura em Portugal, na minha opinião, é a subsidiação em massa, que leva a que os artistas sejam incentivados a lutar por um subsídio, e não por um público. Isto não significa que eu pense que apenas obras de arte «comerciais» devam ver a luz do dia. Mas significa que eu penso que fazer a Cultura depender do Estado e dos seus subsídios atrofia a produção cultural. Temos de separar bem mais o Estado da Cultura. Mas duvido que seja isto que Francisco José Viegas vá fazer, embora também duvide que vá ter muito dinheiro para subsídios, com os cortes que se aproximam.

Dizem que a nova Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade foi contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo deixar de ser inexistente legalmente. Na minha agenda política para este Governo estaria a legalização da adopção por casais do mesmo sexo. Era pouco provável que aparecesse alguém no Governo que concordasse com isto, tendo em conta os partidos que formam este Governo, e agora torna-se claro que não será fácil que esse objectivo seja atingido.

Fala-se ainda do facto de Pedro Passos Coelho ter supostamente vetado a entrada de Bernardo Bairrão para o Governo. A razão apontada: Bernardo Bairrão seria contra a privatização de um canal da RTP. Tendo em conta que a privatização de um canal da RTP é um objectivo do PSD, e que vai ser uma luta difícil conseguir este objectivo (que eu partilho, diga-se - onde está o serviço público da RTP1, por exemplo?), faz sentido não nomear alguém contrário a esta privatização como Secretário de Estado, mesmo noutra área. A ver se isto pressagia a boa notícia do Governo privatizar mesmo alguma coisa na RTP, o que não será fácil.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Sair do Euro seria um Problema, não uma Solução

As desvalorizações «competitivas» servem para criar inflação e empobrecimento relativo, não desenvolvimento económico e competitividade. Servem para fingir que as pessoas recebem o mesmo quando na realidade recebem bem menos em termos reais, que é o que importa. Servem para baixar salários e desvalorizar poupanças sem que ninguém note, sem que nada verdadeiramente se altere na estrutura económica, e portanto sem resolver o problema de fundo.

Desvalorizar a moeda significaria baixar salários e aproximaria o valor dos salários ao nosso nível de produtividade, que é baixo. Mas o nosso objectivo não deve ser esse. O nosso objectivo deve ser aumentar o nosso nível de produtividade. E isso não se faz desvalorizando a moeda. Faz-se liberalizando a economia, inclusivamente melhorando o funcionamento do mercado de trabalho, para que as empresas tenham incentivos a tratar devidamente os colaboradores - caso contrário, estes saem para outra empresa, ou formam a sua própria empresa.

Também não se atrai investimento com desvalorizações deste tipo. Os investidores querem mitigar o risco. Este tipo de desvalorizações competitivas só dão sinais vermelhos na cabeça de um investidor, que começa a pensar que se investir em Portugal, só vai perder dinheiro no final. Não é por termos uma moeda própria que vamos fomentar o empreendedorismo e o investimento, vitais para restaurarmos a nossa competitividade, antes pelo contrário.

Nós vamos ser competitivos quando deixarmos de pensar no facto de termos salários baixos como uma vantagem comparativa, e passarmos a pensar em termos salários altos e em tratar o melhor possível as pessoas como uma vantagem comparativa. Não é por acaso que as pessoas emigram. Não é por acaso que há «brain drain». E só quando nós deixarmos de ter um país que diz a quem quer arriscar que o que essa pessoa quer fazer é muito arriscado é que começamos a resolver os nossos problemas.

As desvalorizações «competitivas» (e voltar a uma moeda própria seria isto mesmo) desvalorizam as poupanças das pessoas. Isto implicaria que muita gente retiraria o dinheiro do país quando esta medida fosse anunciada, e teriam todo o direito em fazê-lo, e faria todo o sentido fazê-lo da perspectiva dessas pessoas. Elas quereriam que a sua poupança tivesse valor e não que fosse desvalorizada por razões políticas.

Sair do Euro para voltar a entrar também não seria grande ideia. Dizer a um investidor que venha investir em Portugal porque acabámos de nos tornar «mais baratos», mas dizer-lhe que o objectivo é reentrar no Euro a prazo, é dar sinais contraditórios e, dada nossa falta de credibilidade, mesmo se conseguirmos resolver o nosso problema de finanças públicas, não seria muito atractivo. Ou então, o investimento duraria até voltarmos ao Euro, e não seria duradouro. Além disso, sair do Euro para voltar a entrar pressuporia que nos deixariam voltar a entrar, o que não se tornaria nada fácil depois de tudo o que teríamos feito até aí (incluindo a forma como teríamos saído).

Sair do Euro teria também consequências políticas, dentro da União Europeia em particular. Os esforços que estão a ser feitos com os resgates têm por base preservar o Euro (na minha opinião, o que nós precisamos mesmo é de uma federação, mas isso é tema para futuro artigo). Portugal pediu milhares de milhões de Euros e foi resgatado, comprometendo-se com um programa de reformas, e depois de tudo isto, sairia do Euro pelo seu próprio pé (mesmo dizendo que queria reentrar no futuro). Em que medida é que isto ajuda Portugal dentro da UE? Em nada, só prejudica. 

Se saíssemos neste momento, isso significaria aumentar ainda mais a nossa dívida, porque a dívida passaria a estar em Euros e nós passaríamos a ter uma moeda que valeria bem menos. No caso de anunciarmos que pagaríamos a dívida na nossa nova moeda, isso não resolveria o problema, e até poderia ser o equivalente a não pagarmos a nossa dívida, o que causaria os seus próprios problemas.

Sair do Euro seria puro e simples proteccionismo. Não nos tornaria mais competitivos, antes pelo contrário. Seria um retorno à velha política dos baixos salários e do baixo poder de compra.

Sair do Euro não é uma visão de futuro. É uma visão de passado. E seria um grande problema, não uma solução.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Ter, rapidamente, um Governo (Final) - Parte 1

O estilo do nosso novo Primeiro Ministro é bastante diferente do estilo do anterior. Pedro Passos Coelho não tem o dom do «sound bite», não tende a ser conciso, e não tenta sempre ter um discurso optimista e animado. Além disso, tem sido bastante claro em querer implementar medidas que geralmente são consideradas como populares (ex. programa de privatizações).

Enquanto Primeiro Ministro, vai liderar um Governo constituído por Ministros com peso pessoal e político próprio. O Governo não vai depender da personalidade de Pedro Passos Coelho, da mesma forma que o anterior dependia da personalidade de José Sócrates. Algo que me parece extremamente positivo. Precisamos de um Governo forte, não apenas de um Primeiro Ministro forte.

Passemos aos Ministros. Em particular, passemos à escolha das pastas. Aqui está a lista:

  • Negócios Estrangeiros
  • Finanças
  • Economia e Emprego
  • Educação e Ensino Superior
  • Saúde
  • Solidariedade e Segurança Social
  • Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território
  • Defesa Nacional
  • Justiça
  • Administração Interna
  • Assuntos Parlamentares

Em relação aos Negócios Estrangeiros, não é um Ministério surpreendente. Infelizmente, Paulo Portas vai ser Ministro dos Negócios Estrangeiros. Considero infeliz porque neste momento está em causa a União Europeia, e eu considero que para resolvermos verdadeiramente esta crise, precisamos de mais integração, embora sempre respeitando o princípio da subsidiaridade. Precisamos de um Ministério das Finanças europeu, de impostos europeus, de caminhar verdadeiramente para uma federação europeia. É uma prioridade, e Paulo Portas não me parece o Ministro que nos assegure isto, dadas as suas posições sobre a UE.

Relativamente às Finanças, temos Vítor Gaspar. O currículo do futuro novo Ministro fala por si, e trás-lhe uma credibilidade importante. Todo o seu conhecimento técnico, todo o seu conhecimento relativamente à União Europeia, tudo isto vai ser fundamental para que haja uma boa implementação do programa de consolidação orçamental e de reforma do Estado. Pôr as contas públicas em ordem e reestruturar o Estado são prioridades para o Governo, e têm de sê-lo. Vítor Gaspar acabou de assumir uma responsabilidade tremenda ao aceitar a pasta das Finanças. Esperemos que esteja à altura.

No que toca à Economia e Emprego, importa primeiro notar a forma como a Economia , as Obras Públicas e o Emprego foram colocadas sob um mesmo Ministro. E esse Ministro é Álvaro Santos Pereira, professor universitário, independente, que vai ficar responsável por acabar com uma errante política de obras públicas e por flexibilizar e agilizar a nossa estrutura económica, o que inclui facilitar os despedimentos. O crescimento sustentável a longo prazo da nossa economia, fundada no investimento privada e nas exportações, e o fim da distribuição de subsídios e de rendas a sectores de bens não-transaccionáveis vão depender das reformas que este Ministério fizer. 

Nuno Crato aceitou ser Ministro da Educação e Ensino Superior. Adivinhava-se que a Educação e Ensino Superior ficassem de novo sob a direcção do mesmo Ministro, dada a promessa de Pedro Passos Coelho relativa ao número de Ministros. O futuro novo Ministro sabe, sem qualquer sombra de dúvida, qual o estado do nosso Ensino, e muito tem escrito sobre o tema. Nuno Crato tem sido muito crítico relativamente à política educativa seguida nas últimas décadas, e tem ideias, boas ideias, sobre como mudar. Chegou a altura de parar de escrever, e começar a implementar.   

O Ministro da Saúde vai ser Paulo Macedo. O facto de ser alguém de fora do mundo da Saúde, numa altura em que é necessário mudar as coisas, parece-me algo de positivo. Claro que, obviamente, deverá aconselhar-se com quem, de facto, conhece o sistema por dentro. O seu papel vai ser a reestruturação do Sistema Nacional de Saúde, no sentido de o tornar mais sustentável financeiramente. Aí entrará a competência de Paulo Macedo, um independente, relativamente à gestão, e a sua independência em relação às corporações do sector será também importante.

A Segurança Social foi entregue a Pedro Mota Soares, do CDS/PP. Também aqui o programa é de reforma. Vai ser este Ministro que ficará responsável pela sustentabilidade financeira do sistema de segurança social. Pedro Mota Soares tem tido boas «performances» no Parlamento, enquanto Líder Parlamentar do CDS/PP. Esperemos que tenha uma boa «performance» enquanto Ministro.

Chegamos a Assunção Cristas, que será Ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território. Uma primeira nota para a Agricultura se manter num Ministério próprio, e para este Ministério ter sido atribuído ao CDS/PP, algo de expectável, mas mesmo assim relevante. A segunda nota para que esta Ministra terá a seu cargo a negociação da reforma da Política Agrícola Comum, a gestão de «dossiês» relativos ao aquecimento global, questões relativas ao mar, entre outros assuntos. Não é pouca coisa.

A Defesa foi para José Pedro Aguiar Branco. É alguém com peso político, e parece uma enorme melhoria em relação ao Ministro demissionário. Terá de lidar com cortes na despesa do Ministério, provavelmente, e com a NATO. Devia avançar no sentido de haver maior coordenação nesta área ao nível europeu. Não me parece um Ministério prioritário, mas colocou um «peso pesado» do PSD no Governo.

Na Justiça, teremos Paula Teixeira da Cruz. Será sua responsabilidade aumentar a celeridade dos tribunais, recredibilizar o sistema judicial como um todo, continuando com as eternamente adiadas reformas na Justiça. Colocar a Justiça a funcionar não é, mais uma vez, pouco,  mas a Ministra parece ter a competência necessária para levar a bom porto as reformas necessárias. Mais uma vez, terá de lidar com as corporações que dominam o sector, e podia ter a coragem de, por exemplo, extinguir os sindicatos de magistrados, os quais colocam em causa o nosso Estado de Direito - não faz sentido que titulares de órgãos de soberania tenham sindicatos, que põem em causa o bom funcionamento da Justiça. Mas duvido que isso aconteça.

Miguel Macedo será Ministro da Administração Interna. Uma novidade: terá a seu cargo, ouvi na rádio, todas as polícias, incluindo a PJ (que vem para a Administração Interna da Justiça). Miguel Macedo tinha sido apontado como possível Ministro dos Assuntos Parlamentares, essencialmente por ser Líder da Bancada Parlamentar do PSD. Enquanto Ministro da Administração Interna, terá provavelmente também de lidar com cortes orçamentais, o que não deverá cair bem no sector.

Finalmente, Miguel Relvas vai ser Ministro dos Assuntos Parlamentares. Diz-se que teria preferido não ser parte do Governo, mas não é isso que me interessa particularmente. O que me interessa é que será Miguel Relvas a lidar com o Parlamento em nome do Governo, pelo que faz sentido que seja alguém particularmente próximo no Primeiro Ministro, tendo em conta a situação actual. Parece-me que isso explica esta escolha. Terá também a seu cargo autarquias (nota importante: reforma do mapa autárquico está prevista no programa da «Troika») e desporto (esperemos que para separar desporto da política...).

Foram 11 Ministros, não 10 (PSD) ou 12 (CDS/PP). É um Governo jovem. É um Governo que tem independentes com provas dadas fora da política e pesos pesados dos dois partidos que lhe garantem maioria parlamentar. E é um Governo que terá a seu cargo lidar com uma crise económica, social e financeira de forma a recolocar o país na senda do desenvolvimento económico e social.

Os temos já são difíceis, mas avizinham-se tempos ainda mais difíceis. As condições institucionais formais estão lá. Incumbirá a este Governo, e à liderança do Primeiro Ministro Pedro Passos Coelho, a criação de condições fora das instituições públicas. Terá de ser um Governo transparente, sem medo de contar o que se passa à população, e com capacidade para explicar quais as medidas que está a tomar, e como é que elas nos colocarão de novo a crescer.

Esperemos que seja bem sucedido.

Correcção: Corrigi o artigo para eliminar um erro no que toca ao Emprego e quem ficaria responsável por essa «pasta».


Correcção 2: Corrigi a lista e alterei o artigo para reflectir as «pastas» da carta de Pedro Passos Coelho a Aníbal Cavaco Silva.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Pensamento Solto

Portugal não existe isolado do resto do mundo. As decisões que tomamos quer como indivíduos, quer como país, têm impacto fora das nossas fronteiras. As escolhas que fazemos não têm impactos apenas relativamente a nós, mas também relativamente a outros.

Nada há de «progressista» em tentar procurar sistematicamente desresponsabilizar Portugal por aquilo que lhe está a acontecer, e em ignorar os efeitos que as nossas (más) decisões estão a ter fora do país. Chamar nomes à Chanceler alemã é obviamente mais fácil que aceitar que cometemos erros, mas para que consigamos deixar de cometer erros, seria importante assumir que os cometemos e começar por aí, por muitos erros que a própria Chanceler alemã tenha cometido.

O FMI e a UE não são simplesmente «estrangeiros» que vêm pôr em causa a nossa «soberania nacional». Nada há de «democrático» na retórica anti-«estrangeiro» e ultra-soberanista que se encontra neste tipo de discurso. Portugal é membro do FMI e é membro da UE, que aliás financia, e, num momento de crise, o Governo português tomou a decisão de activar mecanismos de resgate que se encontravam disponíveis, de forma a evitar a pura e simples bancarrota. O acordo foi negociado e acabou por ser sufragado nas eleições, porque serviu de base aos programas políticos do PSD, do CDS-PP e do PS. Já para não falar que o Governo, numa situação excepcional de ruptura financeira, tinha poder para negociar o acordo, e que esse Governo tinha assumido funções pela forma constitucionalmente prevista.

Em causa neste momento está a União Europeia, e a União Europeia tem sido fonte de paz e prosperidade na Europa desde a sua criação. É também um garante de um conjunto de liberdades fundamentais de que não podemos abdicar. Em vez disso, é necessário lutar por maior integração europeia, por uma verdadeira federação europeia, através da qual passaríamos a ter os instrumentos necessários para construir de forma sustentável um período ainda mais longo de paz, com potencial para ainda maior prosperidade.

Não podemos simplesmente olhar para o nosso umbigo e exigir que nos ofereçam dinheiro porque pura e simplesmente nós pensamos temos direito, por existirmos, a viver acima das nossas possibilidades, independentemente dos efeitos internos ou externos desse tipo de política. Ora, nós não temos direito a almoços grátis, porque pura e simplesmente não existem almoços grátis. E devemos assumir as responsabilidades pelas decisões que foram tomadas.

O novo Governo vai ter um mandato democrático para mudar o modelo de desenvolvimento do país, na linha do que está previsto no Memorando da «Troika», e é importante que não se esqueça que deve também lutar por reforçar os poderes da União Europeia, de forma a que esteja fique mais bem apetrechada para lidar com crises futuras. Temos de olhar para fora, ser abertos, ser responsáveis, e assumir as responsabilidades pelos nossos erros.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Ter, rapidamente, um Governo

O Presidente da República pediu a Pedro Passos Coelho que começasse rapidamente a procurar uma solução de governo maioritário. Tendo em conta a situação em que estamos, foi uma decisão acertada.

Precisamos de ter um Governo em funções o mais rapidamente possível. O programa que temos para implementar tem prazos, e prazos apertados. Não podemos ficar à espera.

É importante que as negociações entre PSD e CDS não se prolonguem excessivamente, e tudo indica, felizmente, que vamos ter negociações rápidas. Em breve haverá um acordo político e um programa de Governo.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Educação para a Cidadania (I)

Quantos cidadãos portugueses... 
a) sabem o que estão a eleger nas eleições legislativas?
b) conhecem os poderes da Assembleia da República, do Governo, do Presidente da República e dos Tribunais?
c) sabem como funciona o nosso sistema eleitoral?
d) conhecem o conteúdo da Lei dos Partidos Políticos e da Lei do Financiamento dos Partidos e das Campanhas Eleitorais?
e) conhecem o nosso sistema de referendo?
f) conhecem os seus direitos enquanto cidadãos?
g) conhecem a petição, a iniciativa legislativa do cidadão, ou o orçamento participativo?
h) conhecem os seus deveres enquanto cidadãos?
i) conhecem a totalidade dos partidos existente em Portugal, bem como as traves mestras dos seus programas?
j) conhecem as várias instituições europeias e os seus poderes?
l) conhecem o conceito de «cidadania europeia»?
m) conhecem as quatro liberdades da União Europeia?
n) sabem quais os partidos europeus a que cada partido português pertence?

Seria importante que todos aprendessem os temas mencionados, bem como outros conexos, na escola. Um cidadão deve conhecer os seus direitos e os seus deveres, mas também questões relacionadas com o sistema político e formas efectivas de exercer os seus direitos/deveres enquanto cidadão.

Não nos podemos limitar a dar às pessoas a possibilidade de votar, ou de fazer petições, ou de intervir politicamente em geral. Se as pessoas não conhecerem o sistema, esse desconhecimento vai servir, ele próprio, de bloqueio e entrave à participação, porque as pessoas não sabem verdadeiramente os mecanismos que têm à sua disposição para intervir.

Além de tudo isto, uma formação abrangente sobre estes temas, conjugada com um apelo ao pensamento crítico, facilitaria uma intervenção política informada por parte dos cidadãos. Conhecendo o sistema de forma crítica, é mais fácil tomar posição sobre vários temas que podem vir a surgir relacionados com a reforma desse mesmo sistema (ex. reforma do sistema eleitoral) ou sobre quem eleger para certo cargo. 

Por exemplo, saber quais os poderes e qual a função do Presidente da República ajuda a pessoa a decidir qual dos candidatos lhe parece melhor para exercer essa função, usando esses poderes. Conhecer o sistema eleitoral ajuda a pessoa a decidir qual a forma mais eficaz de votar de acordo com a sua consciência. Saber como funciona a União Europeia facilita a intervenção dos cidadãos no debate europeu. Finalmente, saber que existem iniciativas legislativas do cidadão é condição necessária para que estas se disseminem.

No limite, para quem quiser mudar o sistema, conhecê-lo bem significa que se poderão mais facilmente fazer críticas fundamentadas ao dito, explicando o que corre mal e porquê, apresentando de seguida alternativas. Não basta dizer que alguma coisa está a correr mal para que se mude para melhor. É preciso perceber o que corre mal primeiro, e partir daí para possíveis soluções.

Estas matérias devem ser leccionadas a todos os alunos durante o período de ensino obrigatório. Isto para garantir que, independentemente da sua situação sócio-económica, todos tenham acesso a esta informação. Todos devem saber quais os meios idóneos, legítimos e legais de intervir politicamente na sua comunidade, como primeiro passo para que o pluralismo de ideias dessa comunidade se veja representado no debate público.

Num momento de crise de confiança nas instituições públicas, é importante perceber que parte dessa crise vem de puro e simples desconhecimento de como essas instituições funcionam. É certo que o nosso sistema político tem diversos bloqueios à entrada de novas ideias e dos próprios cidadãos, mas estes bloqueios não só não estão alheios ao desconhecimento geral que existe sobre estas matérias, como este desconhecimento é ele próprio um bloqueio quer a uma intervenção mais activa (as pessoas não sabem como podem intervir), quer a alterações ao sistema (as pessoas não só não conhecem o sistema, como não conhecem as alternativas).

Parte da mudança em Portugal, na minha opinião, passa também por aqui.

sábado, 14 de maio de 2011

Eleições (IV)

A campanha do PS tem sido extremamente negativa, focada essencialmente em constantes ataques ao PSD. Isto é algo de problemático. O PS está no Governo, e o normal seria ter uma campanha focada nas suas conquistas no Governo. Em vez disso, o foco da campanha está em atacar a Oposição, em particular o PSD. Este foco negativo da campanha diz muito sobre as 'conquistas' do Governo PS desde 2009 (já para não falar de 2007, que foi quando o impulso reformista dos dois anos iniciais desvaneceu).

A campanha do PSD tem sido uma sucessão de confusões umas atrás das outras, o que tem tornado quase impossível o PSD apresentar uma mensagem ao país. Do PSD, falou-se de Fernando Nobre, agora fala-se de expressões infelizes de Eduardo Catroga e das críticas acutilantes do Prof. Santana Castilho à secção relativa à Educação do programa do PSD. No meio de tudo isto, foi apresentado um programa, mas desse programa pouco se fala, e normalmente quando se fala, fala-se das críticas ao programa. O PSD tem estado permanentemente na defensiva, desde que se soube que ia haver eleições, e nada disto o tem ajudado a passar a sua visão para o futuro do país, como as sondagens parecem demonstrar.

A campanha do CDS contrasta frontalmente com a do PSD, e também com a do PS. O CDS tem-se focado nas suas ideias (mesmo que só agora tenha surgido o programa), embora pintalgadas com alguns ataques. Aliás, este foco já vem de trás, e tem ajudado imenso o CDS, porque com isto tem apresentado a sua visão para o país. Contrariamente ao PSD, o CDS tem passado a sua mensagem, e as sondagens, que habitualmente penalizam fortemente este partido, neste momento dão-lhe grande fôlego. O CDS pode afirmar-se como um importante «power broker» depois das eleições.

O BE e o PCP continuam a sua campanha, mas que não parece, pelas sondagens, estar a ser a mais eficaz, em particular a do BE (o PCP tem o seu eleitorado habitual garantido). A mensagem do BE de um 'Governo de Esquerda' não é muito convincente, tendo-se tornado particularmente pouco convincente quando o BE se recusou a encontrar com a «Troika». Falam de reestruturação da dívida, mas sem explicar cabalmente todos os efeitos de uma medida destas (Portugal entraria em incumprimento, iria para uma lista negra, e depois seria o cabo dos trabalhos conseguir financiamento, por exemplo...). Além disso, fala-se de um «imposto sobre mais-valias imobiliárias», e ataca-se José Sócrates.

«Governo de Esquerda» é algo de vazio de conteúdo, especialmente quando a nossa Esquerda tem tido uma mensagem económica tão ortodoxa e nacionalista, com retórica mais vezes encontrada em grupos conservadores que em grupos que se proclamam progressistas. Diga-se que isto em tudo tem ajudado José Sócrates, dado que enquanto à Direita, o voto no CDS-PP não é considerado inútil, à Esquerda a coisa muda de figura, e parece haver uma maior tendência para voto útil no PS.

Relativamente aos pequenos partidos, vi os programas do Partido pelos Animais e pela Natureza (PAN) e do Partido Humanista (PH) para estas eleições. Encontrei programas bem estruturados, com visões igualmente claras para o país. Para quem não se reveja nos partidos que actualmente se encontrem representados na Assembleia da República, em vez de pura e simplesmente não ir votar, seria importante explorar estes pequenos partidos sobre os quais, muitas vezes, pouco ouvimos. Talvez aí encontre algo com que se identifique, e descubra um bom motivo para, no dia 5 de Junho, ir votar.

Intervenções no blogue 'The Lisboners' (I)

People who predict that something will end are inevitably right: nothing lasts forever. I do believe, though, that the choices we make influence our future, which means that it is up to us to make the right choices, so that the EU takes this opportunity to improve, to become stronger.
Of course, it’s easier to predict that something will crumble than it is to actually build something. The task of those that believe in the European ideal is therefore harder than the task of those that prefer to simply attack the EU and wish for its downfall – we actually have to do something constructive!
Nevertheless, I think sustainable prosperity and peace are two goals worth fighting for. Our task may be harder, but the stakes are too high to abandon this fight.

[Em resposta a este artigo.] 

***

Various Portuguese Governments have promised to undertake several structural reforms to promote a more dynamic economy over the last decade. We’ve some positive developments, but a lot was simply left undone.
Our justice system remains slow and expensive, our tax code remains byzantine, our big spending commitments in key infrastructural projects remained (until very recently) extremely unrealistic, and Portugal’s been stockpiling debt in various public bodies, in an attempt to remove it from the national budget. Our labour market doesn’t work properly, and neither does our housing market.
Short-term consolidation measures are not the key issue of the Memoranda: the long-term structural reforms are what really counts. I think our Government owes it to its citizens to take this opportunity to, once and for all, implement a new model for economic development. It won’t be easy, and even those parties that signed on to the Memoranda are trying to find ways to duck their responsibilities, but it’s one of those opportunities that we need to grab on to.
But of course, you are right when you say that we need to look at the bigger picture, and that is the European Union. We need more political (and in certain areas, like services, economic) integration, we need European taxes, we need to bring the EU closer to European citizens, we need European political parties, we need a European public sphere. We need to be European citizens first, and Member State citizens second.
The European Union started out as an economic union of States. We need it to evolve into a federation. And we cannot allow the dream of a united Europe to be shattered: we cannot allow myopic politicians to roll back key advances in European integration for short-term electoral gain.
And it’s not just elected representatives that need to act on this. European citizens must unite to preserve the European ideal. Civil society has to act on this as well.

[Em resposta a este artigo.]

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Eleições (II)

Pareceu-me um discurso eleitoral, não uma mensagem do Primeiro Ministro ao país, aquilo a que assisti ontem à noite antes de jantar.

A narrativa eleitoral do PS vai assentar, em parte, no facto das medidas agora negociadas serem o PEC IV «mais umas quantas medidas», e que se podia perfeitamente ter prevenido estas medidas extra se o Governo não tivesse caído, se a Oposição não tivesse sede pelo poder.

Falou-se muito de medidas que não estavam no pacote de medidas aprovadas, como parte da narrativa do PS enquanto defensor do Estado Social. Mas sobre medidas concretas e, verdadeiramente, sobre as linhas gerais daquilo que foi aprovado, pouco ou nada se disse.

Ontem ficámos a conhecer melhor a retórica de campanha do PS para as próximas eleições. Falta conhecer as medidas que foram negociadas e com as quais vamos viver nos próximos 3 anos. 

Não nos podemos esquecer que essas medidas têm de ter um entendimento alargado. Ou seja, aceitando o PSD e o CDS-PP estas medidas, logo irá o PS dizer que cá estão eles a apoiar o PEC IV «mais umas quantas medidas». Tudo parte da campanha eleitoral, claro está.

Fazer um discurso que só pode ser considerado discurso de campanha no momento em que se anuncia ao país (supostamente) as «linhas gerais» das medidas aprovadas não pode ser considerado aceitável. Não é admissível pensar apenas na táctica política pura relativa a eleições num momento como este.


***


Por falar em táctica política, claramente a aposta em Fernando Nobre correu muito mal ao PSD.

A mim não me choca que ele entre nas listas do PSD para entrar na Assembleia da República, dado que presentemente apenas poderia entrar na Assembleia da República nas listas de um partido. Fê-lo pelo PSD como o poderia ter feito por outro partido, dado que não se encontra filiado em nenhum deles.

Agora, fazê-lo com o pressuposto de ser eleito Presidente da Assembleia da República já tem que se lhe diga. O Presidente da Assembleia da República modera debates, dirige trabalhos da Assembleia da República, e é a segunda figura do Estado, mas não é propriamente nessas funções que se vão propor soluções concretas para o país. 

Se Fernando Nobre aceitou pensando que essa posição lhe daria estatuto para criar soluções, demonstrou que não conhece a função a que se propõe, e uma enorme falta de preparação política. Se aceitou apenas por ter a hipótese de ser a segunda figura do Estado e ele não ter conseguido a ser a primeira, então dispensam-se comentários. (Tendo a acreditar numa mistura das duas.)

Não faz sentido uma pessoa que nunca foi deputada nem tem grande experiência parlamentar e política ser Presidente da AR, especialmente quando demonstra a falta de preparação que Fernando Nobre tem demonstrado. Faz sentido que o Presidente da AR seja uma pessoa com experiência parlamentar alargada, eminentemente consensual e pragmática, capaz de moderar de forma diligente os debates da Assembleia, bem como dirigir os trabalhos da mesma.

Fernando Nobre, com as atitudes que tem tomado, antagonizou muita gente (incluindo muitos, mas mesmo muitos, dos seus apoiantes). Não tem qualquer experiência política nem parlamentar. Como pretende, de facto, exercer o cargo de Presidente da AR?

Não contente com a questão de ser candidato a Presidente da AR ser ser problemática pelos motivos já apontados, Fernando Nobre torna-a ainda mais problemática ao dizer que renunciaria ao mandato de deputado caso não ganhasse a eleição para Presidente. Demonstra com isto arrogância e uma total falta de respeito para com a Assembleia da República que se propõe presidir e para com os cidadãos em geral.

Entretanto, já se procurou retratar, dizendo que, afinal, não renunciaria ao mandato de deputado.

Não foi suficiente, no entanto. Porque Fernando Nobre disse ainda que aceitou integrar as listas sem conhecer o programa do PSD, porque gosta pessoalmente do actual líder desse partido. Ora, Fernando Nobre poderia ter inquirido relativamente ao programa do PSD, e aliás poderia ter tentado influenciar o programa do PSD. Não o fez. Não o fez porque, parece-me, não tem, verdadeiramente, um projecto para o país. Pelo que lhe seria impossível influenciar o que fosse.

Ou seja, Fernando Nobre não conseguiu cristalizar o apoio que conseguiu nas presidenciais em algo de concreto. Nem sequer tentou. Vai entrar para a Assembleia da República a reboque do PSD, mas não vai representar o valor acrescentado que eu cheguei a pensar que ele poderia representar. Ao mesmo tempo, deu um murro no estômago, com as atitudes que tomou, a quem promove uma cidadania activa.

Uma enorme, mesmo enorme, desilusão.

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O dia das eleições aproxima-se e o PS sobe, enquanto o PSD desce nas sondagens. Outro dia diziam-me que, depois das eleições, nos arriscávamos a ver vários vôos de politólogos que quereriam estudar como é que Pedro Passos Coelho teria conseguido perder estas eleições.

Estamos em recessão. O FMI e o FEEF vão intervir. Do lado do PS e do Governo, tudo se resume ao Primeiro Ministro, José Sócrates, no cargo há seis anos e sujeito a vários escândalos pessoais. O PS não cumpriu as promessas que fez em 2009. E no entanto, o PSD não consegue descolar.

Ajuda que o CDS-PP tenha, nas sondagens, números bastante razoáveis. Ajuda que José Sócrates saiba muito bem fazer campanha. Mas também ajuda não se conhecer qual é a alternativa que o PSD propõe, e o facto de Pedro Passos Coelho se ter colado à imagem que de José Sócrates de tal maneira, que muitos o vêem como uma versão PSD do que já temos agora.

Finalmente, aquilo que ajuda menos é o facto de todos os partidos serem responsáveis pela situação actual, não apenas o PS por estar no Governo. Todos os partidos actualmente representados no Parlamento partilham responsabilidade pelo que está a acontecer, mesmo os que nunca foram Governo. É que ser parte da Oposição também acarreta responsabilidades, e demasiadas vezes, a Oposição não as tem levado a sério.

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Um bom exemplo de como a Oposição não leva a sério as suas responsabilidades é a forma como o PCP, os Verdes e o BE se recusaram a encontrar-se com a «troika». Os eleitores, simpatizantes e mesmo militantes destes partidos não foram, portanto, representados nas negociações. E não foram representados por mera táctica política pura, por causa de uma narrativa destes partidos que se pretendem afirmar como «contra-poder» (ao mesmo tempo que falam em «Governos de Esquerda» e outras coisas do género).

Não seria capitulação nenhuma participar nas negociações. Seria, sim, cumprir o dever de representar quem se revê nas propostas daqueles partidos nas negociações com entidades das quais, diga-se de passagem, Portugal é membro. (Não colhem conversas de que «o FMI não tem soberania» e similares, que aliás de progressistas nada têm.)

Estes três partidos, ao tomarem esta atitude, desrespeitaram os cidadãos que neles se revêem, e deles esperam representação adequada e activa. Não levaram a voz desses cidadãos às mesas de negociações, como deveriam ter feito. Desresponsabilizaram-se. Lavaram dali as mãos. E agem como se o mero facto de não terem estado no Governo lhes retirasse toda e qualquer responsabilidade pela situação actual.

Esta desresponsabilização constante por parte destes partidos, e de todos os outros, em nada ajuda a nossa democracia. É tempo dos nossos políticos assumirem responsabilidades. Mas para que isso aconteça, temos que lhes exigir responsabilidades.

É por isso que o Cousas Liberaes apela ao voto em consciência nas próximas eleições, e na participação activa dos cidadãos na nossa democracia. Porque também nós não nos podemos desresponsabilizar.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Demissão do Primeiro Ministro

O resultado ontem foi o esperado, e José Sócrates demitiu-se.

Considero o resultado esperado porque desde que aquelas medidas (ou «princípios orientadores») não foram discutidos com ninguém, nem com o Presidente da República, com o Parlamento, e até mesmo, parece, com vários Ministros e membros do próprio Governo, e houve um simples telefonema ao PSD no dia anterior à noite, a credibilidade do Governo desceu até um nível inaceitavelmente baixo. O Governo esteve no Parlamento no dia anterior, e nada disse - chegámos a esse ponto. Foi isto que iniciou a crise política em que caímos. Foi esta forma de agir do Primeiro Ministro que levou inexoravelmente à sua demissão.

Claro que temos andado com a crise em lume brando desde 2009. Mas o ponto final foi este desrespeito institucional bastante grave. O Governo depois lá disse que as medidas não eram um novo PEC, mas sim «princípios orientadores». Depois disse que negociava os ditos. Depois disse que negociava tudo. O discurso alterava-se de dia para dia. Ao mesmo tempo, culpava a Oposição, dizia que a Oposição ia abrir uma crise política. Mas a crise, nessa altura, já estava aberta. A crise foi aberta com o anúncio daquilo a que o Governo chamou os seus «princípios orientadores» e o resto do país chamou o PEC IV.

O debate do PEC foi cansativo. Durou horas e horas. O Governo desprezou o debate. O Primeiro Ministro assistiu ao discurso do Ministro das Finanças, e depois foi-se embora. O Ministro das Finanças, depois do período de debate, por duas vezes ausentou-se da sala, sem explicações. Os discursos da Oposição foram os esperados, nada adiantaram de novo. O PSD não apresentou alternativas. No final, o resultado esperado. Depois, a demissão do Primeiro Ministro. E depois dessa demissão, o Primeiro Ministro demissionário culpou a Oposição pela sua queda. Foi essa a sua comunicação ao país, aliás alinhada com intervenções de Francisco Assis, Manuel Alegre, e do PS em geral.

A culpa é de todos. É do Governo pela forma como lidou com esta situação. É da Oposição pela forma como forçou uma votação sobre este tema ontem, votação essa entendida, claro, como uma moção de censura. O clima de crispação política em que temos vivido foi criado por todos os partidos, que passaram mais tempo a degladiar-se do que verdadeiramente a tentar encontrar consensos e soluções de longo prazo. Os eventos de ontem são apenas uma evolução natural de tudo o que começou com a eleição de 2009. 

Ninguém fica bem na fotografia. Está na altura de surgirem alternativas.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Sócrates Rei

«Édipo – (...) E faço votos solenes para que o assassino, quer tenha sido um só, que passou despercebido, quer tenha tido cúmplices, consuma infeliz a sua vida no infortúnio e na desgraça. Desejo, também, se ele viesse habitar no meu palácio com meu conhecimento, sofrer eu mesmo os castigos que agora anunciei.», Sófocles, Rei Édipo, tradução de Maria do Céu Zambujo Fialho, 4ª ed., Lisboa, Edições 70, 1999, vv.246-251.

  Édipo, rei de Tebas, sabe que para expiar a sua cidade maculada pelo homicida de Laio, o anterior rei da cidade e primeiro marido da rainha Jocasta, agora sua mulher, o deverá encontrar e forçar ao exílio. Mas ainda não sabe que o procurado é ele próprio. As personagens da trama do destino, Laio, Jocasta e Édipo, têm dele um conhecimento parcial, e pelo desenrolar da peça, descobrimos que sempre actuaram em sua função para o evitar. Porém todas as tentativas de o fazer concretizaram os mesmos desígnios que procuraram desviar. Não demorará muito tempo, o detective descobrirá ser ele mesmo o criminoso. Resta-lhe cumprir a palavra e se exilar.
  Em que se relaciona esta peça com o nosso primeiro-ministro? Agora que acabaram as presidenciais e a nossa política nacional normaliza, olhemos de novo para ele, para a face da crise, da incompetência, da pobreza da actividade política. Repetidamente ouvimos dizer que estão a fazer tudo, que o governo procura fazer tudo o necessário para retirar o país da situação. Reformas, que seriam “estruturais”. Estímulos à economia. Liberalização das leis laborais, dos despedimentos... It's bullshit and you know it. E ainda é mais insultuoso tendo em conta a maioria absoluta que de reformas necessárias nada, e de complicar toda a situação muito.
  Assim declaro uma premissa: ou o governo e o primeiro ministro ou são necessariamente mal-intencionados (e portanto tiveram interesse em não mudar a situação) ou são simplesmente uns incompetentes (foram honestos em achar que as suas medidas eram o certo a fazer, dado o conhecimento parcial do destino nacional), e por isso trágicos. De qualquer forma, se procuram agora expiar o país do mal, terão de se exilar?
  Tomemos por exemplo as posições sucessivas com a “crise”: 1- Não existia, uma vez que não chegará (porque Portugal é um oásis) e que o governo vencera a crise anterior (e portanto toca a baixar impostos); 2- Existe, mas não chegará (porque Portugal está preparado); 3- Chegou a crise, mas Portugal resistirá (porque o estado social “funciona”); 4-Chegou, o estado social falhou, mas toca a fazer medidas duvidosas de estímulo à economia (porque temos as contas públicas em ordem); 5-Afinal não temos as contas públicas em ordem, mas este esforço chegará; 6-Afinal este primeiro esforço não chega e são necessárias novas medidas e temos de por as contas públicas em ordem (porque esse malvados mercados recusam-se a emprestar dinheiro a um governo tão honesto como nós). Esta é claramente uma situação em que o governo ou é incompetente ou tem simplesmente interesse em que tudo falhe.
  Eu sou dos que acha que o governo não é “malvado”, mas sim trágico. A incompetência é de tal maneira grave, de tal maneira constante, de erros em todas as áreas, que não pode ser maldade. O ministério da administração interna é um bom exemplo. No caso dos blindados que não chegaram, de dúbia necessidade, e que podem levar os contribuintes em tempo de crise fiscal a pagar uma indemnização muito maior que o preço de compra se rejeitar a transacção, conforme o contracto que assinaram, e que se assim for, nem leram. Nas eleições domingo passado, puseram em causa o direito de voto de muitos portugueses. É que este governo nem eleições é capaz de organizar. (o mínimo necessário?)
  Apesar de também existirem exemplos que sustentam a tese da maldade do governo, como as mentiras à assembleia no caso da PT e nos voos da CIA ou as revisões do código de processo penal a meio do processo casa pia e o seu resultado prático, sou um adepto da tese do governo trágico. De um bando de incompetentes, que não sabem o que fazem, que procuram o poder, e que são os culpados da situação que o país espera que eles mesmos solucionem. Ou seja, o governo-Édipo, eleito para limpar combater essa direita-esfinge de Santana Lopes e Paulo Portas, acabou por trazer a mácula à lusa Tebas, que agora suplicantes, esperamos que Sócrates Rei resolva. Estará ele consciente que poderá ele mesmo ser a crise política que tanto se diz procurar evitar? Que enquanto ele lá estiver falar-se-á da capacidade do governo em gerir a crise que ele provocou, não impediu, negou, mentiu?
  E nós, devemos ter pena destes pobres coitados, que estavam mesmo convencidos que não havia crise? Coitados dos pobres ministros que acham que o país das autoestradas para nenhures necessita de um TGV para todo o lado. Sócrates pode não ser o responsável por tudo o que o seu governo fez de mal, mas como ele se tornou na caricatura de toda a comicidade deste governo, de tudo o que está mal no país e na política, e que acima de tudo se chama... Sócrates, não há apologia que o salve. Mas por outro lado como podíamos esperar uma verdadeira reforma na educação de um homem que não teve de estudar para tirar um curso, ou uma verdadeira preocupação com o desemprego de alguém que de carreira foi tacho e tacho dentro do partido? A própria mitologia do primeiro ministro joga contra ele.
  Pois será que vez alguma mito de primeiro ministro, ouvindo os avisos de inúmeras personalidades políticas e da sociedade civil sobre o mau caminho que guiava o país, ignorou e criticou tais vozes porque ele é o Rei e os outros dizem mentiras, são loucos, querem tomar o poder e dizem e conspiram seja o que for para o conseguir? Estará cego? E mais importante: devemos aceitar um primeiro ministro que erra porque não sabe o que faz, e tolerar o homem exactamente porque não sabe o que faz e é desinteressado no erro?

«Creonte – Será que não compreendes?
Édipo – Governar é o que devo!
Creonte – Não decerto governar no erro!», Idem, ibidem, vv.628-629

  A nossa democracia, o nosso sistema, Portugal-Tebas como nação cívico-política está doente. Mas esse diagnostico não é apenas consequência da elevada abstenção e suas intermináveis análises. Não é apenas porque temos a percepção que os competentes fogem e são afastados da política para darem lugares a talking heads e seus capangas. Não é apenas porque a consciência democrática e ética republicana estão totalmente ausentes dos nossos valores. Em parte, o nosso sistema também criou mecanismos e protocolos, formais e informais, que esconde atrás da retórica da estabilidade uma tolerância e uma incapacidade de lidar com corruptos, incompetentes e mentirosos no poder. E enquanto isto acontecer, o voto será desvalorizado, os bons encontrarão anticorpos no sistema contra eles, e a ética em que o regime se sustenta torna-se anacrónica perante a praxis que a perverte e claramente não a partilha. Uma democracia disfuncional que é clemente com o erro, trágico ou cómico perde a sua própria legitimidade.
  Deve então um Presidente da República demitir Édipo? A esta questão, que esteve (e bem) numa parte da campanha, a resposta desses recém-descobertos apologistas da estabilidade é negativa. O absurdo desta resposta é simples: o Presidente da Républica é o garante da estabilidade exactamente porque ele pode demitir o governo que erra constantemente, uma vez que desse modo existe um novo governo e o poder não cai num vazio, e não pela ideia absurda que a estabilidade é conseguida exactamente por ter um poder e propositadamente não o usar para impedir a incompetência, a mentira e a corrupção. Não faz sentido algum o não exercer o poder da estabilidade ser de momento "estabilidade". Senhor Silva, acha que colaborar com a incompetência é o garante da estabilidade?
  Sócrates esteve em estado de graça e caiu. E o seu estado levou-nos com ele. Da justiça à educação, finanças à saúde, tudo falhou. Tivemos uma péssima campanha eleitoral, mas não, o governo não admitiu que toda a incompetência fosse hegemonia dos candidatos. Aparentemente não foi possível serem políticos a sério por um só dia. É mais forte que eles! Férreo destino. Foi necessário provar que eles também não sabem governar Tebas, e que o seu plano tecnológico pôs em causa um direito fundamental. "Estabilidade". Bravo.

«Tirésias - De verdade? Exorto-te a que mantenhas a proclamação que anunciaste e que a partir deste dia não dirijas a palavra nem a estes anciãos nem a mim, pois desta terra tu foste a poluição sacrílega», Idem, ibidem, vv.350-353.