domingo, 5 de agosto de 2012

Perdidos na diversidade


Há uns largos meses um professor italiano perguntava-me se eu achava que a União sobreviveria à crise. Como bom aluno do Colégio da Europa que fui, respondi que sim: a História demonstrava que, até ao momento, todas as grandes crises na UE se tinham transformado, mais cedo ou mais tarde, em momentos de integração europeia. Naquela altura, acreditava genuinamente nisso. Só a Grécia e a Irlanda tinham sido “resgatadas”, ainda que Portugal estivesse a caminho. De Espanha e de Itália (ainda) ninguém falava.

Nos últimos meses, porém, a minha convicção foi abalada pela forma como toda a situação tem sido conduzida. Não julgo perceber que chegue de economia para conseguir dizer qual é a solução correcta, mas não creio que algumas das posições tomadas até agora tenham amenizado o problema, pelo menos do ponto de vista político. A postura da Alemanha é compreensível à luz do intergovernamentalismo liberal, teoria que defende, se não erro, que as realidades nacionais condicionam o discurso europeu de cada Estado Membro. Não o é, porém, para quem deseja uma União forte e retemperada. O discurso alemão tem sido excessivamente duro, mesmo que as acções depois não o sigam à letra: a rejeição veemente dos Eurobonds, a demarcação da França e da Itália no último Conselho, os comentários aos países do Sul da Europa. Percebe-se que Merkel tenha eleições para ganhar, mas talvez fosse boa ideia relembrar aos seus eleitores que estes têm muitíssimo a perder com a queda da moeda única. Mas o principal problema, a meu ver, é outro. 

Monti veio dizer que é importante estarmos atentos ao confronto Norte-Sul na Europa. Na semana passada, o Der Spiegel, publicação séria, publicou um artigo intitulado “Corruption andNepotism Haunt Southern Europe”. Como heading, a frase: “The Origins of the Crisis”. O artigo debruçava-se somente sobre a Sicília. É só um artigo, mas é mais um a ressalvar as “diferenças” entre o sul corrupto e mandrião e o norte trabalhador e eficiente, coisas que nem um, nem outro são na sua totalidade. O que é grave nesta abordagem, tal como na postura que alguns Estados Membros a “norte” adoptaram algumas vezes durante a crise, é que, mesmo que o Euro se salve, as feridas da profunda desunião e das tremendas divergências entre Estados Membros demorarão tempos infinitos a sarar. Perde, acima de tudo, a União Europeia. “Unidos na diversidade”?! “Perdidos” faria muito mais sentido. 

2 comentários:

  1. Caríssimo João,
    Parabéns pelo óptimo texto!
    A Crise do Euro tornou-se, uma crise da União Europeia.
    E de facto uma moeda sem políticas económicas, fiscais e orçamentais com alguma integração não vai a lado nenhum.
    Na minha opinião, está-se a pagar o fanatismo tecnocrático e não-democrático das instituições europeias.
    Quis-se fazer uma Federação à Soviética, em lugar de uma Confederação à Suiça.

    Sobre as Origens da Crise, está também o dedo colocado na ferida. Os nossos representantes democráticamente eleitos a nível nacional, têm-nos fornecido ma governança.
    Não se pode pedir a Berlim que corrija más decisões de Lisboa e Atenas.
    Abraço

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  2. Viva, Nelson.

    Obrigado. A questao e': que crise politica e' que nao se tornou uma crise da Uniao Europeia? Desde que estou em Bruxelas que todas as crises a que assisti levantam sempre as mesmas questoes relativamente a solidariedade entre Estados Membros e 'a questao da integracao europeia. Foi assim com os Roma, ha dois anos; foi assim com os barcos no Mediterraneo no ano passado; e tera sido assim noutros casos que nao sigo tao de perto (a minha area e' sobretudo Justica e Administracao Interna).

    Nao acho que seja possivel individualizar responsabilidades na questao do Euro. Aqueles que agora atiram pedras a Grecia e a Portugal foram os mesmos que (n)os deixaram aderir. Berlim (e os EM a norte, seja isso onde for) nao tem de corrijir mas decisoes de Lisboa, Atenas, Madrid e Roma, mas tem de se deixar de paternalismos. Temos todos a ganhar com o Euro, temos todos a perder sem ele. O problema parece ser que querem todos agradar a gregos e a troianos, mas isso esta a criar divisoes profundas entre EM. E nao estou a falar dos governos, estou a falar das pessoas, do ze povinho, gente que nao percebe economia (como eu nao percebo), que normalmente nao se interessa por estas questoes, mas que nao gosta dos rotulos que lhe colam, porque, nao estando por dentro das estrategias politicas, so apreende aquilo que verdadeiramente percebe. E o que percebe e' que ha' gente de outros paises com tiques de moralista a chamar-lhe preguicoso.

    Concordo plenamente quando dizes que o cariz nao-democratico da Uniao e' um problema, mas tambem, para te ser franco e com base em tudo aquilo que ouco normalmente do cidadao comum que nao liga muito a Bruxelas, nao creio que a Uniao tivesse grande hipotese, neste momento, de sobreviver se fosse mais democratica do que e'. Parece um paradoxo, mas, a meu ver, enquanto as pessoas, sobretudo as dos EM perifericos, nao forem aproximadas dos centros de decisao, nao creio que consigas uma verdadeira integracao.

    Abraco.

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