domingo, 12 de agosto de 2012

Entrevista a Luís Humberto Teixeira - Parte 3

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11. Tendo em atenção que um sistema mais proporcional favorece a entrada de pequenos partidos no Parlamento, surge habitualmente a crítica de que esses pequenos partidos apenas defendem esse tipo de reforma de modo a chegarem ao poder, e não necessariamente por qualquer noção de interesse público. Como reages a esta possível acusação?

Se nas próximas eleições o PSD ou o PS tivessem uma quebra de votação similar à que a UCD teve em Espanha em 1982 – quando passou de partido do governo, com 168 deputados (num universo de 350), a força residual da oposição, com 11 deputados – deixariam de ser vistos como grandes partidos. Já tivemos o caso do PRD, que em 1985 elegeu 45 deputados, em 1987 só tinha 7, e em 1991 nem 1% dos votos obteve.

Ou seja, o que torna um partido grande ou pequeno? O número de votos que recebe. Por isso, um pequeno partido agora pode ser um grande partido dentro de algumas décadas e vice-versa.

A esse nível, as alterações propostas na Petição pela Reforma da Lei Eleitoral têm como único efeito tornar a composição do Parlamento num reflexo mais fiel da vontade popular. Se isso favorece os partidos pequenos e médios? Sim, favorece, mas só porque são esses os maiores prejudicados pelo sistema actual, que em 2011 ignorou os votos de mais de meio milhão de eleitores, 99,4% dos quais recaíram sobre partidos médios e pequenos.

Ora, olhando para a questão do ponto de vista do eleitor, será justo que as 51 mil pessoas que, em 2011, votaram no PS em Leiria tenham eleito três deputados quando as 62 mil que votaram no MRPP em todo o país não elegeram ninguém?

12. Voltemos às tuas posições políticas pessoais e à sua influência nas tuas propostas. De que forma é que a tua proposta actual é mais ou menos consentânea com o Liberalismo que também sei que defendes? E que Liberalismo é esse? Como o definirias?

Para mim, a melhor definição de liberalismo está na contracapa do livro “A Tradição da Liberdade”, do politólogo belga Corentin de Salle: o liberalismo não é uma ideologia, é uma doutrina empírica, fundamentada, aberta e evolutiva. Ora, não sendo adepto de sistemas desligados da realidade, dogmáticos, fechados e imóveis, serei liberal.

Como tal, pertenço ao Movimento Liberal Social (MLS) e, de acordo com um teste de bússola política que fiz há uns anos, sou um dos que está mais à esquerda a nível político dentro da associação. Defino-me, por isso, como um ecologista, liberal, de esquerda, e com grande simpatia por algumas ideias libertárias.
Se esta proposta de reforma é consentânea com o liberalismo que defendo? Sem dúvida. Ela pretende resolver problemas reais de forma fundamentada, promover a abertura do sistema a novas forças, aumentar a diversidade de opiniões no Parlamento e torná-lo mais flexível.

13. Uma crítica potencialmente apontada a propostas como as que fazes agora é a seguinte: em tempos de crise económica e financeira, o país deve ter outras prioridades. Agora não seria o tempo de discutir reformas do sistema político, mas sim o tempo de discutir como combater o desemprego, promover o crescimento económico ou resolver a crise do euro. Em suma, debates institucionais seriam luxos durante tempos de crise. Devemos mesmo estar discutir a reforma do sistema eleitoral?

Sim, devemos. Crises como esta são sempre usadas como desculpa para três coisas: adiar a discussão de temas importantes, cortar na cultura e negligenciar a protecção do ambiente. Tudo isto me aborrece. Sobretudo porque o sistema eleitoral é parte da razão pela qual chegámos ao estado actual. Um sistema que promova a entrada de mais partidos no Parlamento é, tendencialmente, um sistema mais vigilante perante a má gestão da coisa pública.

Além disso, temos de aproveitar estes momentos de incerteza face ao futuro para repensar a organização da sociedade a todos os níveis, incluindo o político, até porque deste irão depender muitas decisões futuras.
Por isso, não sou adepto do discurso anti-política e anti-partidos que tanto se ouve em alturas de crise. Se as crises servem para algo é para reconciliar os cidadãos com a democracia. Se isso não acontecer, corremos o risco de regressar a tempos mais negros.

14. No "site", fala-se no corte do número de deputados que é proposto enquadrado no contexto de austeridade em que vivemos. Ou seja, é apresentado como um corte de despesa que, apesar do seu valor diminuto, se poderia considerar como simbolicamente relevante. Mas não será isto desconsiderar o valor dos deputados enquanto tal, enquanto representantes do povo na Assembleia? Este argumento não é, na verdade, apenas uma forma demagógica de apelar ao sentimento anti-política e anti-partidos?

Muita gente poderá entendê-lo dessa forma, mas isso só acontece porque esse sentimento anti-política e anti-partidos está instalado na sociedade portuguesa e, se a observação não me falha, em franco crescimento.

Além de representar uma redução simbólica da despesa, útil enquanto exemplo para a sociedade, a diminuição do número de deputados tem por objectivo compensar a governabilidade, embora esta dependa, acima de tudo, da capacidade de diálogo de cada governo. Isto porque governar não é impor, é reflectir, é negociar e é escolher a solução que se revele mais adequada para o maior número de pessoas.
Como tal, propor uma redução no número de deputados não é desconsiderar o seu valor enquanto representantes do povo na Assembleia. É até o inverso: valorizar aqueles que serão eleitos, pois terão maiores responsabilidades perante o colectivo que representam.

De certo modo, é uma aplicação da lei da oferta e da procura: quanto menos há, mais valor tem.

15. Defendes que devem existir 181 deputados, também com o argumento de que aumentaria a governabilidade, tendo em atenção as características do novo sistema, como aliás já referiste. O mínimo previsto pela CRP é de 180. Presumo que o 181 tenha sido escolhido por ser número ímpar. Mas foi só esse o critério? Se pudesses alterar a Constituição, qual seria o número de deputados que proporias, e porquê?

O facto de ser ímpar foi o critério, para evitar empates técnicos, como o de 1999, entre governo e oposição. Quanto ao número de deputados, recentemente, numa conversa com o João Vasco, do Esquerda Republicana, fui alertado para o facto de o número actual – 230 – ser aquele que está mais próximo da “linha de guia” das câmaras baixas europeias. O autor do gráfico que o João me indicou foi o Pedro Magalhães, pelo que não tenho razões para duvidar da seriedade do estudo.

Lembro-me que, em 2006, fiz uma experiência parecida, só com os países que pertenciam à União Europeia e o valor que encontrei como ideal para Portugal foi 221. Por isso, se a alteração que o nosso grupo de trabalho propôs fosse modificada no que respeita ao número de deputados, não veria grandes inconvenientes. Mas terei sempre muitas reservas em aceitar um aumento do número de círculos.

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1 comentário:

  1. A questão da redução do numero de deputados e do numero óptimo, não pode ser tratada como uma simples questão académica, e a comparação com outros países, cuja realidade politica, social e económica é diversa da nossa, não é a na minha humilde opinião uma linha de argumento razoável.

    Para que o fosse teríamos de ter dados relevantes acerca do volume e intensidade de corrupção parlamento a parlamento.

    Se o parlamento quer reganhar credibilidade terá de reduzir o numero de deputados como exige a maioria dos cidadãos caso contrário, todas as reformas estarão comprometidas inclusivamente as reformas do sistema eleitoral. Esta opinião é partilhada por um numero alargado de cidadãos não exclusivamente ligados aos meios académicos e/ou políticos.

    Façam sondagens e sintam o pulso ás pessoas, não se limitem aos exercícios académicos de avaliação da realidade ou à troca de opinião em circuitos fechados, como era apanágio do Estado Novo.

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