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16. Escolheste manter o círculo da emigração. Consideraste a hipótese de o eliminar, pura e simplesmente? Porque afastaste esta hipótese? Consideraste também a hipótese de retirar o voto aos emigrantes? Não que eu defenda esta posição, mas uma questão que se poderia colocar é a seguinte: Porque devem os emigrantes ter o direito de voto em eleições legislativas se não vivem no país e não é cá que tendencialmente pagam impostos?
Os emigrantes têm direito de voto porque são portugueses, apenas foram procurar melhores condições de vida noutro ponto do mundo. Muitas vezes, não sabem se a sua situação é temporária ou não. Por isso, não faz sentido retirar-lhes o direito de voto por estarem ausentes do território, seja por muito ou por pouco tempo. Não é cá que tendencialmente pagam impostos? Talvez, mas muitos enviam para cá as suas poupanças. Além disso, o dinheiro não é tudo na vida. Os afectos também são muito importantes. E a maior parte dos nossos emigrantes sente afecto por Portugal. Por isso nunca defenderia a eliminação, pura e simples, da possibilidade de voto dos emigrantes.
17. Um dos argumentos que invocas para defender o sistema que propões é que aproveita melhor os votos válidos. Em 2003 já falavas deste tema, bem como do tema dos "eleitores fantasma". Sinto que são dois temas que de facto te preocupam bastante, e sinto também que influenciaram bastante a proposta que agora fazes. É assim? Que melhorias tem havido no campo da remoção de "eleitores fantasmas" dos cadernos eleitorais, reduzindo desta forma o enviesamento por eles causado?
São dois temas interligados e que me preocupam bastante, de facto. Foi por isso que elaborei vários estudos sobre eleitores-fantasma, a título individual ou em co-autoria com o José António Bourdain, meu colega de mestrado. Aliás, em breve deverá sair mais um.
Porém, antes de nós, já autores como Paulo Morais e José António Monteiro diziam, no estudo “Actualização dos cadernos eleitorais e suas consequências nos círculos de apuramento”, que a “geografia eleitoral é afectada negativamente pela existência de cadernos eleitorais desactualizados, obsoletos”.
Não se pense, porém, que tal se deve a incúria dos serviços. Pelo que sei, o trabalho desenvolvido por Jorge Miguéis e pela sua equipa na Direcção Geral da Administração Eleitoral tem sido o melhor possível. Muitíssimos “fantasmas” foram já detectados e eliminados. Outros estão em espera, a aguardar pelas inúmeras confirmações necessárias até serem, por fim, removidos do sistema.
Ou seja, tecnicamente até podemos usar as melhores soluções para lidar com o problema, mas é impossível acabar de vez com ele, pelo menos enquanto não for proibido morrer no período entre o fecho dos cadernos e o dia das eleições.
Por isso, a solução não é técnica, é política. A existência de eleitores-fantasma só é relevante porque continuamos a depender dos cadernos eleitorais para distribuir, a priori, os mandatos por vários círculos. Se sabemos que, por norma, quanto menos círculos, menor a influência dos “fantasmas”, porque não adoptar o mínimo de círculos possível – um ou dois – e fixar legalmente o número de deputados a eleger por cada círculo? Se o fizermos, os fantasmas passam a não assustar ninguém.
18. Invocas o argumento de um potencial aumento da participação eleitoral para apoiar a mudança que defendes. Em que dados te baseias para fazer esta afirmação? Estudaste os países em que este sistema existe e comparaste o seu nível de participação com o nível de participação portuguesa?
Poderia tê-lo feito, mas não o fiz porque a participação eleitoral depende de muitos outros factores (cultura cívica, oferta partidária, expectativas, etc.).
A razão pela qual invoco o argumento do potencial aumento da participação prende-se com o facto de um círculo nacional de grande dimensão incentivar o “voto sincero”. Além disso, havendo um maior aproveitamento dos votos válidos na conversão dos mesmos em mandatos, os eleitores passariam a sentir que o seu voto valia mais e talvez se sentissem menos tentados pela abstenção ou por formas de protesto politicamente ineficazes, como o voto nulo ou o voto em branco.
19. Até que ponto é que a população portuguesa está preparada para debates sobre estes temas? As pessoas conhecem o sistema político português e estão preparadas para o debater? O que fazer para melhorar essa preparação?
Estes temas são complexos, mas não demasiado, pelo que acredito que as pessoas podem facilmente compreender o que está em causa. Contudo, é preciso que partam para sessões de debate sobre o sistema eleitoral com conhecimentos mínimos sobre aquilo de que se está a falar ou, pelo menos, com abertura para aprender aquilo que não sabem ou que aprenderam de forma errada.
O que fazer para melhorar? Talvez criar disciplinas de Cidadania no ensino secundário, que expliquem de forma clara o funcionamento da democracia, ou fazer esse tipo de sensibilização/educação através de formações informais abertas a todos os interessados.
Espero que o Manual de Democracia Participativa que o PAN está a preparar também ajude a alcançar mais rapidamente o objectivo de ter cidadãos preparados para debater questões políticas de forma fundamentada.
20. Voltemos a falar das tuas ideias pessoais. Tu és liberal e ambientalista ao mesmo tempo. Há quem defenda que uma coisa exclui a outra. Que não se pode ser liberal e ao mesmo tempo ambientalista, porque o ambientalismo pressupõe demasiados princípios que estão em confronto directo com a liberdade individual, com o livre funcionamento dos mercados e até com o comércio livre. Tu não concordarás com esta visão. Como concilias, então, o teu Liberalismo com o teu Ambientalismo?
É tudo uma questão de medida. Ser livre não é sinónimo de não ter limites, bem pelo contrário. A liberdade implica responsabilidade, e o que é o ecologismo senão uma tomada de consciência de que temos de ser responsáveis para com o planeta e todos os seres que nele habitam? Isto, claro, se quisermos manter um planeta em que nos seja possível viver.
No entanto, é sempre bom estarmos conscientes de que aquilo a que chamamos o perigo de destruição do planeta não é outra coisa senão o perigo de destruição das condições necessárias para a vida humana, porque somos uma espécie extremamente autocentrada, como nos recorda o humorista anarquista George Carlin no excelente momento de stand-up “The planet is fine. The people are fucked!”.
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Antes de mais devo dizer que me preocupo bastante (perco horas a pensar nisso) com a conservação do planeta bem como dos seres que nele habitam. Acho, no entanto, que esta questão ultrapassa a questão de nos ser possível ou não, a nós humanos, sermos capazes de habitar o planeta, uma vez que a extinção por exemplo de algumas espécies em específico em nada compromete essa nossa capacidade.
ResponderEliminarPenso que o grande desafio neste momento é dotar outras espécies de liberdade e levar o ditado "A tua liberdade termina quando começa a do próximo" um pouco mais longe. Abordar o Espécismo com tanta seriedade como se aborda o Racismo, no fundo.
De qualquer forma gostava de ver o tema Ambientalismo + Liberalismo mais explorado neste espaço.
Entretanto um "half off topic", o meu documentário favorito de sempre:
http://www.bbc.co.uk/programmes/b00mfl7n