domingo, 12 de agosto de 2012

Entrevista a Luís Humberto Teixeira - Parte 2

(Ir para a Parte 1.)

6. Uma crítica possível ao sistema que propões é que sedimenta o poder dos partidos e diminui ainda mais a ligação entre o cidadão eleitor e os deputados que são eleitos. Assim, os deputados teriam mais incentivos para agradar às respectivas direcções partidárias do que ao eleitorado. Como respondes a esta crítica?

Não me parece uma crítica preocupante. O poder dos partidos está sedimentado há muito em Portugal e esta proposta não o aumenta. Quanto à ligação entre eleitores e eleitos, dificilmente será menor do que já é...

Todavia, é possível conciliar a proposta avançada na Petição pela Reforma da Lei Eleitoral com medidas de aproximação entre eleitos e eleitores.

Em 2006, no âmbito de um call for papers da Loja de Ideias sobre a reforma do sistema eleitoral, esbocei a seguinte ideia: após serem eleitos, os deputados deviam fazer uma declaração pública dos temas e áreas geográficas a que se sentissem mais ligados. Assim, sempre que um eleitor quisesse enviar uma denúncia ou uma sugestão ao Parlamento, seria fácil saber qual ou quais os deputados mais sensíveis ao assunto.

Esta parece-me uma solução mais eficaz para estabelecer uma aproximação entre eleitos e eleitores do que os círculos uninominais, sobretudo porque não tem quaisquer contra-indicações ou efeitos secundários negativos para o pluralismo.

7. Outra questão relevante prende-se com a governabilidade e com o poder dos pequenos partidos. Em que medida é que o sistema que propões não dá demasiado poder aos pequenos partidos, um poder que vai para além da sua efectiva representatividade entre a população do país, tendo em atenção que os maiores partidos dependerão deles para conseguirem formar maiorias e governar (veja-se o caso de Israel)? E até que ponto é que o sistema não promove, desta forma, a instabilidade governativa?

Se houvesse o objectivo de dar aos pequenos partidos um poder superior àquele que lhes é devido, não se propunha a redução do número de deputados para 181.

Como é expectável que o círculo nacional aumente o pluralismo no Parlamento, a redução no número de deputados é um contrapeso, uma compensação pela menor governabilidade que um sistema mais representativo implicará.

Isto porque há quem defenda que mais pluralismo implica sempre menos governabilidade, logo mais instabilidade, uma relação de causa-efeito com a qual não concordo inteiramente, pois a instabilidade é mais fruto da incapacidade de diálogo do que da diversidade de opiniões.

Veja-se os governos de António Guterres: o primeiro não tinha maioria e governou uma legislatura inteira na base do diálogo; o segundo só aguentou meia legislatura, apesar de o PS ter metade do Parlamento e, como tal, uma maior base de governabilidade.

Em democracia, a política deve ser a arte da negociação – e para haver negociação é importante haver pluralismo. Já a imposição da vontade de alguns, comum em governos com maioria absoluta, é um tique autoritário.

Em suma, o sistema proposto não promove, de todo, a instabilidade governativa. Promove, sim, a negociação entre diferentes forças políticas, com vista ao estabelecimento de um “common ground”, de uma base de entendimento.

8. Porquê um sistema eleitoral proporcional e não um sistema eleitoral maioritário, ou seja, um sistema que tendencialmente garantisse uma maioria parlamentar ao vencedor das eleições, de forma a que este tivesse maior facilidade em formar Governo e implementar o seu programa?

Como ecologista, sou a favor da biodiversidade, tanto no ambiente natural como no ambiente humano. Como tal, não defendo a lógica “winner-takes-all” de um sistema maioritário ou de um sistema proporcional com bónus maioritário, como o grego. Além disso, como disse antes, acredito que a política é a arte da negociação e que é do diálogo entre os vários partidos que algo melhor pode surgir.

Quando se fala em alterar a lei eleitoral autárquica para favorecer a formação de executivos monocolores, não consigo deixar de pensar em como isso será nocivo para a qualidade da democracia local. Pode até ser melhor para quem governa, mas para quem é governado...

9. De onde surge a tua colaboração com o PAN?

No Verão de 2011 entrevistei o Paulo Borges porque decidi incluir o PAN no meu livro “Verdes Anos”, que é um upgrade da tese de mestrado em Política Comparada que defendi no ICS-UL. Após a entrevista, falámos sobre sistemas eleitorais e notámos que havia um interesse mútuo em aprofundar o tema e procurar soluções para o caso português. Meses depois, ele lançou-me este desafio e eu aceitei.

10. No teu livro “Verdes Anos. História do Ecologismo em Portugal (1947-2011)”, falas da ligação entre o ecologismo e ambientalismo com um programa reformista também a nível do sistema político. De que forma é que o teu ambientalismo influenciou o sistema que propuseste em 2003 e propões agora?

Foi estruturante. Não é só a questão da biodiversidade política, que referi anteriormente, que fomenta o debate de ideias e a expressão de pontos de vista minoritários ou alternativos. É também a diminuição do desperdício, através da defesa de um sistema mais eficiente – ignorar meio milhão de votos é faltar ao respeito a muita gente.

É dar mais poder às bases, permitindo que a multiplicidade de opções existente na sociedade esteja mais bem reflectida numa Assembleia que devia ser um espelho do país.

E fazer isto mantendo aquilo que o actual sistema tem de positivo, numa lógica de reutilização ou reciclagem – é o caso da manutenção dos 4 deputados para a emigração, mas num único círculo, em vez de em dois.
De forma muitas vezes discreta, medidas deste género têm sido propostas por ecologistas ao longo do tempo: foi o José Carlos Marques nos anos 80, o Viriato Soromenho-Marques nos 90... Sinto que estou a continuar esse trabalho, fazendo algumas coisas à minha maneira, é certo, mas mantendo os mesmos princípios.

(Ir para a Parte 3.)

Sem comentários:

Enviar um comentário