domingo, 12 de agosto de 2012

Entrevista a Luís Humberto Teixeira - Parte 1

O Luís Humberto Teixeira, de quem já aqui falei, é um dos responsáveis pela proposta de revisão do sistema eleitoral apresentada pelo PAN. O tema da reforma eleitoral preocupa-me e pensei que seria interessante enviar ao Luís um conjunto de questões que considerei relevantes sobre a proposta agora apresentada e publicá-las aqui no blogue. O Luís simpaticamente aceitou responder, e aqui está o resultado final, cuja leitura, naturalmente, sugiro! Na última parte, o leitor encontrará informação sobre como procurar mais informação sobre a proposta e como colaborar, no caso de ter interesse em fazê-lo.

Agradeço desde já ao Luís a simpatia de responder às minhas perguntas.

1. Luís, em 2003, escreveste uma carta aberta ao então Presidente da República, Jorge Sampaio. O resultado foi o texto “Reciclemos o Sistema Eleitoral!”, em que defendes um sistema eleitoral misto - círculo nacional eleito proporcionalmente e círculos uninominais a nível distrital. O que esteve por trás desta carta aberta? Porquê o Presidente da República e não o Presidente da Assembleia da República ou o primeiro-ministro?

Na altura, dirigi a carta aberta ao Presidente da República, Jorge Sampaio, porque reparei que, em várias notícias, ele – mais do que o Presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, ou o primeiro-ministro, Durão Barroso – demonstrava preocupação com os problemas que afectavam o nosso sistema eleitoral, problemas de que me comecei a aperceber enquanto jornalista quando cobria a campanha das Legislativas 2002. Foi o cabeça-de-lista do Partido da Terra pelo círculo de Setúbal, Luís Carloto Marques, quem instilou em mim o desejo de aprofundar estas questões quando, em resposta à pergunta “Porque se candidata?”, disse: “Para sensibilizar os eleitores para as ideias do MPT, pois a forma como o sistema eleitoral está construído nunca permitirá a minha eleição”. Foi desta sinceridade de quem estava consciente dos obstáculos que tinha pela frente que nasceu o meu interesse pelo sistema eleitoral.

2. Entretanto passaram quase 10 anos. Mantêm-se actuais os motivos que te levaram a escrever a Jorge Sampaio, e são eles que te levam agora a colaborar com o PAN numa nova proposta de reforma do sistema eleitoral?

Apesar de ter passado quase uma década, de ter sido criada (e extinta) a Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político, de muitos politólogos terem abordado o tema e de diversas propostas de alteração terem surgido e sido divulgadas publicamente, podemos dizer que, infelizmente, pouco ou nada mudou.

Os três maiores problemas que eram referidos em 2003 no “Reciclemos o Sistema Eleitoral!” – eleitores-fantasma, votos ignorados e desrespeito pelo princípio da igualdade de voto – permanecem actuais e foi por esse motivo que aceitei o convite do PAN para coordenar um grupo empenhado em propor melhorias ao sistema actual.

3. Antes de falarmos da proposta, e para enquadrar quem não conhece o tema, falemos do sistema actual. Como é que o sistema eleitoral actual funciona? Quais são os seus pontos fortes? Quais são os seus pontos fracos?

Comecemos pelo funcionamento do sistema.

Nas Legislativas são eleitos 230 deputados e, antes das eleições, o país é dividido em 22 círculos eleitorais. Por lei, os dois círculos da emigração – Europa e Fora da Europa – têm direito a dois mandatos cada. Os outros 226 mandatos são distribuídos pelos 20 círculos restantes de forma proporcional (método de Hondt), com base no número de inscritos nos cadernos eleitorais de cada círculo.

Após essa distribuição, as forças políticas concorrentes elaboram as suas listas e fazem campanha. Chegado o dia da eleição, cada eleitor deposita o voto na lista que mais lhe agrada (voto sincero) ou na que menos lhe desagrada (voto estratégico).

Depois de contados os votos, os mandatos são atribuídos, utilizando novamente o método de Hondt.
É comum dizer-se que o método de Hondt é o menos proporcional dos vários métodos matemáticos proporcionais usados em eleições, mas nem o vou incluir aqui entre os pontos fracos do sistema, pois há aspectos bem mais graves.

Um é o facto de a distribuição dos mandatos ser feita a priori com base em cadernos eleitorais que contêm, ainda, muitos eleitores-fantasma. Isto desvirtua o sistema logo desde a base.

Outro é a divisão do país em muitos círculos. Na prática, temos 20 eleições a decorrer em território nacional, e não uma. Isso desrespeita o princípio da igualdade de voto entre todos os cidadãos. O exemplo que costumo dar é o das Legislativas de 2005, nas quais 16 mil votos elegeram um deputado do CDS por Viana do Castelo, mas 22 mil votos em Braga foram insuficientes para eleger o cabeça-de-lista do Bloco de Esquerda por aquele círculo.

Depois temos a dimensão dos círculos. Em 2011, metade dos 20 círculos do território nacional tinham pequena dimensão (2 a 6 mandatos), oito possuíam tamanho médio (9 a 19 mandatos) e dois eram grandes (39 e 47 mandatos). Ora, sabendo que, quanto menor o número de mandatos por círculo, menor o aproveitamento dos votos e menor o pluralismo, deparamo-nos com uma nova fraqueza: o da quantidade de votos válidos ignorados pelo sistema. Só nas últimas eleições foram mais de meio milhão! E atingiram de forma esmagadora a representação dos partidos médios e pequenos.

Quanto a pontos fortes, pode dizer-se que o actual sistema tem permitido a chamada alternância democrática, bem como a criação de governos minoritários, governos de coligação e governos de maioria de um só partido, além de ser relativamente plural (apesar dos obstáculos consideráveis que coloca à entrada de novos partidos).

Em suma, tem sido bastante flexível, mas ainda tem muita margem de manobra para melhorias.

4. Em 2003, propunhas um sistema eleitoral misto. Sucintamente, defendias que o sistema misto permitiria valorizar o voto de cada um de nós e ao mesmo tempo fortalecer a ligação entre eleitor e eleito. Manténs essa opinião?

Apesar das vantagens do sistema misto que então defendia, a passagem pelo mestrado em Política Comparada no ICS-UL permitiu-me contactar com estudos que desmontam a ideia generalizada de que os círculos uninominais aproximam eleitores e eleitos. E isso fez-me mudar de opinião relativamente a esses círculos. É que os círculos uninominais são bons para bipolarizar os sistemas, e isso é algo que considero limitador da representatividade e do pluralismo.

5. Agora propões um sistema diferente. Dois círculos eleitorais - nacional e emigração - e nenhum círculo uninominal. Porquê um sistema diferente daquele que propuseste em 2003?

Esta proposta é fruto de um grupo de trabalho, não é inteiramente minha, o que justifica parcialmente a diferença. Mas subscrevo-a totalmente porque é mais consistente e fundamentada do que a que avancei há quase dez anos.

(Ir para a Parte 2.)

2 comentários:

  1. Saúdo mais um movimento pela reforma do sistema eleitoral e as motivações que estão na base desse desejo de reforma, embora discorde da proposta concreta apresentada, por razões que aqui é dificil de expor. O que me parece importante é implementar uma metodologia diferente para a abordar. Primeiro, era necessário que as pessoas que partilham a convicção da absoluta necessidade de reformular o sistema se encontrassem e discutissem duas coisas: os aspectos negativos do sistema e acordassem nos PRINCÍPIOS gerais de reforma. Segundo, que debatessem as várias propostas compagináveis com esses princípios e acordassem entre si a selecção de uma proposta concreta após deliberação profunda e aberta. Terceiro, que analisassem e implementassem diferentes formas de lóbi para a reforma do sistema.

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