Há debates que se ganham ou perdem por exasperação e cansaço. Por pura e simples desistência após horas, ou por vezes apenas parecem horas, em que ou nós não sabemos falar, ou a pessoa à nossa frente pura e simplesmente não quer ouvir/ler. Ou nós temos problemas graves em passar uma mensagem, ou a pessoa à nossa frente tem problemas graves de compreensão/leitura.
Por vezes, a exasperação e o cansaço provêm da repetição de um mesmo debate uma, e outra, e outra, e ainda uma outra vez, sempre com os mesmos argumentos, sempre com as mesmas incompreensões, sempre com o mesmo resvalar para o «ad hominem», sempre com o mesmo desespero perante uma total incapacidade (desinteresse?) em debater ideias, em vez de simplesmente fazer monólogos à vez.
Em outros casos, estamos perante alguém que, claramente, lê jornais. Claramente porque tudo o que diz tem, também claramente, essa mesma fonte. E todas as imprecisões jornalísticas são reproduzidas. Tentar rebater as posições vindas no jornal é complicado. Um problema comum a todos estes tipos de debates é o de sistematicamente, para explicar a posição contrária, ser preciso começar mesmo pelo início, pelos fundamentos mais básicos, e raramente haver tempo (ou interesse) para isso acontecer.
Exasperação e cansaço. Perdem-se debates por desistência porque esses debates deixam de o ser rapidamente, ou então rapidamente se percebe que nunca o serão. Para haver confronto de ideias tem de haver ideias para confrontar, e essas ideias têm de ter alguma sustentação na cabeça de quem as defende. Ideias repetidas sem grande crivo crítico não são um bom ponto de partida. Nos casos mais curiosos, pode acontecer que o debate deixe de ser um debate para passar a ser uma explicação da posição contrária a quem supostamente a defende, além da nossa.
É também difícil debater contra pensamentos desestruturados, em que ideias-crenças sem fio condutor vão sendo atiradas para o ar. Aí, além de explicar a nossa posição, tem de se tentar perceber a posição contrária, sendo que o lado contrário pode nem perceber a sua própria posição. Já aqui escrevi sobre todos termos uma ideologia, no sentido de todos termos uma concepção sobre como a comunidade deve estar organizada. Acontece que essa concepção pode estar desfocada e desestruturada. Um debate entre uma posição estruturada e uma posição desestruturada não resulta - um debate entre duas posições desestruturadas ainda menos.
É difícil chamar «ideologia» ao pensamento desestruturado. No entanto, através de um exercício de perguntas e respostas, será tendencialmente possível revelar com maior nitidez a hierarquia de valores, de princípios, de ideias que as pessoas têm, «focando» assim a ideologia das pessoas. Claro que esse tipo de exercício é também um processo que demora tempo, tempo que raramente existe, e que exige paciência e/ou interesse, que também poderão não existir. Resultado: reina a confusão e é quase impossível debater ideias de forma profícua e proveitosa.
Muito geralmente, a exasperação e o cansaço são questões físicas, principalmente quando já é tarde, ou quando o debate surge após tarefas particularmente cansativas. Estar a tentar explicar o princípio da igualdade na Constituição portuguesa às duas da manhã, ou ser desafiado a explicar um tema qualquer complexo após um debate de duas horas, não é fácil. É preciso um nível de «stamina» bastante elevado, além de uma preparação muito sólida - os desafios para dar uma opinião sobre os temas mais incríveis podem surgir nas alturas e nos locais mais insólitos.
E, finalmente, há a exasperação e o cansaço que podem bem ser fruto da arrogância. Talvez, de facto, não tenhamos sido nós a explicar-nos bem, mas não queremos admitir. Talvez, de facto, tenhamos ficado exasperados simplesmente porque não conseguimos responder a um bom argumento do lado contrário e, em vez de usar esse momento para explorar o tema, preferimos entrincheirar-nos. A exasperação e o cansaço assentes na arrogância própria são muito perniciosos, tal como o é a própria arrogância. Um debate entre arrogantes dá em muito nariz ou sobranceria, mas não necessariamente em algo de produtivo. É fundamental partir para os debates com a humildade necessária para admitir erros, ao mesmo tempo que se tem a força argumentativa necessária para rebater falácias ou contra-argumentar.
Debater, constantemente, pode tornar-se frustrante. Por outro lado, um bom debate permite aprender, permite pensar, permite melhorar. Debater pode dar em exasperação e cansaço mais vezes do que gostaríamos, mas ao mesmo tempo também dá um gozo bestial. A adrenalina de apresentar um argumento enquanto se procura desmontar o argumento contrário, apontar falácias, ser confrontado com ideias novas, tudo isto é fantástico e belíssimo desafio. Por muito exasperante ou cansativo que, por vezes, se torne.
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