terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Entrevista a André Escórcio Soares

André Escórcio Soares, ainda na lista de autores deste blogue, mas com uma intervenção muito pouco regular, teve a simpatia de aceitar responder a umas perguntas sobre a Psicologia, a Psicologia Social, a Psicologia Positiva e, finalmente, sobre a «Pegada Positiva», um interessante projecto que tem dinamizado com mais gente, e que até programa de rádio já tem, na Rádio Hertz, em Tomar. 

Sem mais demoras, passemos à entrevista... 

André, tu és psicólogo social. De onde surgiu o interesse pela psicologia, e porquê a psicologia social?

Bom dia, antes de mais obrigado pelo convite para esta entrevista, tenho um enorme prazer em conversar contigo sobre estes temas. Seria muito romântico dizer que sempre quis ser psicólogo, que era um sonho de criança, no entanto este meu interesse (consciente) por esta área só despertou no final do secundário. Durante todo o ensino secundário estive mais ligado à área de desporto, no entanto no último ano começou a fascinar-me a psicologia. Não sei ao certo de onde surgiu esse interessa, na altura simplesmente imaginava-me num consultório a dar consultas de psicologia clínica.

É engraçado que quando entrei na Licenciatura afirmava com toda a convicção que queria ser psicólogo clínico. No entanto, no terceiro ano comecei a mudar a minha opinião. No final desse ano teria que escolher uma área, e comecei a interessar-me pela psicologia organizacional, começou a fascinar-me o trabalho do psicólogo nas empresas, pelo que segui para  a área de Psicologia Social e das Organizações.

Qual a tua experiência até este momento na área da Psicologia Social?

Nos últimos anos, a maioria do meu trabalho tem sido maioritariamente desenvolvido mais na área da Psicologia Organizacional do que em Psicologia Social (pelo menos na sua concepção mais tradicional). Sou professor de ensino superior, dando aulas em áreas como a Gestão de Recursos Humanos, Liderança, Gestão de Equipas, Gestão de Conflitos, Comportamento Organizacional e Metodologias de Formação, entre outras. Faço ainda investigação, sendo que nos últimos tempos me tenho debruçado sobre a análise de redes sociais e a segurança psicológica. Em Psicologia já trabalhei na área da Psicologia do Ambiente, Qualidade de Vida e Desenvolvimento Regional e Formação. Outra área que também me tem interessado é a Psicologia Positiva.

Já agora, para quem esteja a ler e possa não saber, podes explicar sucintamente o que é a Psicologia Social?

A Psicologia Social, de uma forma muito resumida, pretende estudar o comportamento do indivíduo em contexto social. Pretende por isso estudar a relação entre indivíduos, a relação entre os indivíduos e os grupos e a relação entre grupos. De qualquer forma, para mim cada vez é mais complicado estabelecer as fronteiras entre as diferentes “psicologias”. Hoje em dia temos uma híper especialização sendo que isso se reflecte também na psicologia, temos por exemplo a psicologia económica, psicologia do ambiente, psicologia aeronáutica, etc. Eu prefiro dizer que sou psicólogo em vez de dizer que sou psicólogo social, apesar de existirem áreas em que não estou claramente à vontade como por exemplo na área da psicologia clínica.

Dentro da Psicologia, sei que interessas pelo estudo da Felicidade. Porquê?

Durante décadas a preocupação do ser humano foi em atenuar a dor, quer ela seja física ou psicológica. Na medicina, os médicos tentam eliminar ou controlar as doenças, na psicologia tentava-se diminuir o sofrimento psicológico. No entanto, a ausência de dor não é necessariamente a presença de bem-estar, ou seja, as pessoas ambicionam bem mais do que estarem bem de saúde, as pessoas ambicionam ser felizes. Neste sentido, na última década existem cada vez mais investigadores e profissionais a dedicarem-se ao estudo da psicologia positiva e felicidade. Acredito que a evolução da humanidade passará necessariamente por aqui e é para mim uma honra fazer parte disso.

É possível dar uma definição objectiva à Felicidade?

Essa é uma pergunta bastante pertinente. Normalmente as principais críticas à psicologia positiva e estudos da felicidade prendem-se com o facto do conceito de Felicidade depender de pessoa para pessoa. Afirmam esses críticos que os investigadores desta área tentam impor um conceito de felicidade, o que não faz sentido de todo. Qualquer investigador reconhece que a felicidade é definida de forma puramente idiossincrática e que aquilo que faz feliz uma pessoa não faz necessariamente outra. No entanto, o que os estudos nestas áreas nos têm mostrado é que existem algumas características que as pessoas que reportam maiores níveis de felicidade partilham. Por exemplo, as relações pessoais têm-se mostrado extremamente importantes para as pessoas que se manifestam como mais felizes. Por outro lado existem aspectos comuns a todos os seres humanos, por exemplo ninguém é feliz se passar fome, tal como ninguém é feliz se não tiver um ambiente que lhe ofereça alguma segurança.

Tu consideras-te um Liberal. O que é para ti o Liberalismo?

Na verdade não sou eu que me considero liberal, são alguns dos meus valores que são atribuídos muitas vezes aos liberais. Por outro lado, apesar de poder ser considerado liberal, sou também um grande crítico do liberalismo. Por exemplo, os liberais ainda estão muito agarrados a conceitos económicos tradicionais como por exemplo o PIB. No entanto, já percebemos que estas medidas meramente económicas são claramente insuficientes para avaliar o bem-estar e saúde das nações. No futuro, vejo o liberalismo ligado à psicologia positiva e estudos da felicidade. O papel do estado deve ser o garantir um contexto ideal para que os indivíduos possam procurar a sua felicidade. Deve ter por isso a preocupação de que toda a gente tem alimentação, saúde, educação e segurança, mas não deve impor estilos de vida. Neste sentido, hoje sou Liberal, mas amanhã logo se vê, vai depender da evolução do liberalismo.

Em que medida é que dar uma definição objectiva à Felicidade não pode criar tensões com a noção liberal da liberdade individual, na medida em que, tendo uma noção que se apresenta como objectiva de Felicidade, nos sintamos tentados a tentar dizer às pessoas como devem ser felizes?

Como disse anteriormente, nenhum investigador ou profissional ligado à Psicologia Positiva e Estudos da Felicidade defende uma “receita” para a Felicidade. Apesar de existirem componentes que contribuem de uma forma geral para a Felicidade (ex. fazer o bem aos outros, relações interpessoais, etc.), cada pessoa realiza-se de forma diferente. Desta forma, o liberalismo pode dar um contributo fundamental, ao defender a liberdade dos indivíduos em procurar a sua felicidade.

O que é a Psicologia Positiva e como se relaciona com o estudo da Felicidade?

A Psicologia Positiva surgiu com Martin Seligman. Este psicólogo Americano foi presidente da APA (American Pscyhology Association) no início do séc XXI. Na altura a Psicologia preocupava-se essencialmente com a componente negativa do ser humano, os comportamentos disfuncionais, a doença, etc. Seligman, apresentou como desígnio da sua presidência o foco na componente positiva dos seres humanos. Neste sentido, a PP incide sobre as forças das pessoas e não as fraquezas. Surgiram estudos relacionados com esperança, optimismo, paixão, riso, e, claro Felicidade e bem-estar. A Felicidade é uma dos conceitos estudados pela psicologia positiva, é de certa forma aquele que acaba por abranger todos os outros. Eu prefiro o termo Estudos Positivos ou Estudos da Felicidade para designar esta área de investigação e intervenção, há muito que estes temas transbordaram da Psicologia inundando outras áreas, como por exemplo a Economia.

Quais as principais preocupações da Psicologia Positiva e quais as suas principais conclusões?

A Psicologia Positiva é em primeira mão uma área científica dentro da Psicologia, como tal o seu papel prende-se com o desenvolvimento do conhecimento acerca do lado positivo do ser Humano. Em termos práticos, a ideia é desenvolver uma intervenção nas mais diversas áreas desde a Economia até à Ciência Política ou Saúde, que permita melhorar a Felicidade e Bem Estar de indivíduos e comunidades, permitindo também que os indivíduos se realizem. 

Após este enquadramento, penso que já podemos falar concretamente da Pegada Positiva. De onde surgiu a ideia de formar uma ONGD (Organização Não-Governamental para o Desenvolvimento)? 

A Pegada Positiva - Educação e Cooperação para o Desenvolvimento, é uma associação, que surgiu da detecção de uma área pouco explorada e que se prende com a intercepção entre a psicologia positiva e estudos da felicidade e a educação e cooperação para o desenvolvimento.

Neste sentido, e tendo por base os princípios da Psicologia Positiva, a nossa missão é contribuir para o desenvolvimento de pessoas felizes que contagiem o mundo e impulsionem a mudança social, através do seu envolvimento em projectos de voluntariado inovadores de desenvolvimento local, regional e nacional, em Portugal e no Mundo. 

Para tal, a nossa actuação passa, por um lado formar e desenvolver voluntários e cidadãos mais conscientes, e por outro pelo desenvolvimento de projectos de desenvolvimento em Portugal e em países de baixa renda, tendo por base a Psicologia Positiva e estudos da Felicidade.

O nosso principal projecto, "Trilho", consiste na formação de jovens voluntários (entre os 18 e os 35 anos) ao longo de cerca de 8 meses e que culmina na realização de uma missão num país de baixa renda (neste momento estamos a efectuar contacto com países Africanos).

É ainda de referir que ainda não obtivemos o estatuto de ONGD mas que contamos em fazê-lo brevemente.
           
Na Pegada Positiva, falam da importância do Compromisso, do Optimismo, da Aceitação, da Criatividade, da Inovação e da Equipa. Queres explicar o que isto significa?

Esses são os valores da Pegada Positiva. Os nossos valores são bastante importantes para nós uma vez que são eles que nos guiam no nosso dia a dia. Por vezes, por estarmos perante trabalho voluntário parte-se do principio que não se pode pedir às pessoas que se dediquem, que devem participar quando lhes apetece. Nós rejeitamos essa visão, para nós ingressar numa organização que funciona com trabalho voluntário é um compromisso importante, existem pessoas e comunidades que estão a contar com o nosso trabalho e que dependem dele.

Por outro lado, acreditamos que através da nossa actuação é possível contribuirmos para um mundo melhor, é nesse sentido que o optimismo é tão importante para nós.

Ao nível da Inovação e Criatividade, julgamos que são extremamente importantes para dar resposta aos desafios que se vão colocando. Hoje já se fala muito em inovação social, e para nós é claro que temos de ter abordagens inovadoras e criativas aos desafios com que nos vamos deparando.

Um outro aspecto fundamental para nós é a aceitação. Este valor é especialmente importante na nossa actuação com as comunidades de outros países (e até do nosso). Temos de compreender muito bem as necessidades dessas comunidades e aceitar os seus modos de vida. Por exemplo, se eu estiver numa missão em Angola, devo compreender e aceitar o facto de as mulheres casarem (em média) mais cedo e terem também mais filhos do que em Portugal.

Por fim, mas não menos importante, cultivamos um espírito de amizade e equipa dentro da Pegada Positiva, é fundamental estarmos todos orientados para os mesmos objectivos e nos articularmos para os alcançar. A equipa vai servir de base não só à actuação dos nossos voluntários como também ao seu desenvolvimento pessoal.

Que projectos tem a Pegada Positiva já a decorrer?

Neste momento estamos na fase de lançamento daquele que será o nosso projecto principal, o Trilho. O Trilho é um projecto de desenvolvimento pessoal e de voluntariado, que culminará numa missão internacional de curta duração (cerca de 1 mês) num país Africano.

Temos também já a decorrer um projecto de voluntariado no Projecto Tomar o Rumo Certo, que é um projecto financiado pelo Programa Escolhas e promovido pelo CIRE que é uma instituição de Tomar. Este projecto incide, sobretudo, no trabalho com crianças e jovens em risco de exclusão social, com especial enfoque no trabalho com minorias étnicas.

Temos ainda um programa quinzenal na Rádio Hertz, o Happy Hour, em que normalmente conversamos com convidados sobre temas relacionados com Felicidade, Bem Estar, Desenvolvimento, etc. Este programa é transmitido via FM para a região de Tomar e para todo o mundo via internet.

Como se financia a Pegada Positiva?

O nosso principal financiamento actual resulta de donativos, realização de eventos de angariação de fundos, venda de materiais e do nosso programa Amigo Positivo através do qual as pessoas se podem inscrever e contribuir com o mínimo de 25€/ano ficando assim ligados à Pegada Positiva. 

Finalmente, que tal tem sido a experiência até agora?

Fantástica!!!

Agradeço ao André a disponibilidade para responder às minhas perguntas. Para quem esteja interessado em saber mais sobre a Pegada Positiva, pode encontrar mais informação na página Facebook da organização (aqui).

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