Há quem viva num mundo em que uma minoria de iluminados se confronta com uma vasta maioria de gente ingénua, ignorante, corrupta ou maléfica que anda a destruir o mundo. Mas a minoria de iluminados, e existem de todas as estirpes, sabe o que fazer, tem a solução, e a solução deles está correcta, sempre correcta, aconteça o que acontecer.
O mundo está então dividido nesses dois grupos, mas os nomes dados aos maus da fita variam. Por exemplo, para uns, os maus da fita são os «neoliberais fascistas» (em Portugal, há também a versão «salazarentos»). Para outros, os maus são os «socialistas» ou «estatistas». Quem não pensar exactamente como aqueles que pensam que os supostos neoliberais fascistas são os maus, ou é parvo, ou está a soldo dos ditos maus. Quem não pensar exactamente como aqueles que pensam que os «socialistas» ou «estatistas» são maus é, naturalmente, «socialista» ou «estatista» (ou «soviético», de vez em quando, possivelmente para os mais nostálgicos).
Numa coisa ambos os grupos concordam: aqueles de que gostem menos são «nazis». Não têm de defender o extermínio de judeus ou o corporativismo defendido por Hitler. Isso é secundário. O ponto fulcral é que são «nazis», porque são maus, e porque sim. Porque apesar de não defenderem o nazismo, se se distorcer o que essas pessoas pensam o suficiente, chega-se ao nazismo.
Em vez de encararem todo o espectro ideológico que por aí há, essa malta divide o mundo em dois grupos necessariamente antagónicos. O objectivo nunca poderá ser o compromisso, mas sim a «conversão». Não existem debates, existem textos a dizer que os outros são «neoliberais fascistas» ou «socialistas/estatistas/soviéticos» ou nazis, acompanhados de uma distorção da posição contrária.
Esses textos recebem depois muitos aplausos da restante malta que pensa que o mundo está dividido em dois, e que se considera parte do grupo de iluminados. Em resposta, um texto é escrito a deturpar a posição de quem escreveu o texto original, e assim por diante. Pelo meio, os verdadeiros nazis, fascistas, estalinistas e demais fãs de regimes totalitários muitas vezes nem aparecem nesses debates, que pouco mais servem que para trivializar as diversas formas de totalitarismo.
«Argumenta-se» por categorização. Fulano é fascista, diz um, de punho erguido. Beltrano é estatista, diz outro, em tom acusador. Ambos, naturalmente, com o tom de quem se leva muito a sério, e tem uma muito boa opinião de si próprio e dos seus amigos. Os outros, esses, os que pensam de forma diferente, são «imorais», defendem «imoralidades», não conhecem a «natureza humana» e são a causa dos males do mundo. Se toda a gente pensasse da mesma forma, aí estaríamos todos felizes e contentes, num paraíso terrestre levado a existir pela força da aplicação dos verdadeiros princípios, aqueles que mais se adequam à detalhadamente definida «natureza humana», ou o que seja.
Estes discursos exacerbados, em linguagem panfletária, tornam-se quase caricaturais, não só das posições contrárias, mas também das posições que os autores se dispõem a defender.
Tudo isto deve ser falha minha, no entanto, que não consigo ver a grandeza das constantes comparações com Hitler e Estaline enquanto forma de «argumento» em debates sobre os temas mais variados, ou que não consigo ver a elevação de distorcer as posições contrárias para se rebater a distorção - claro que, por vezes, a crença pode ser tão arreigada que pode bem acontecer que a distorção não seja voluntária. Nesse caso, o diagnóstico parece-me demasiadas vezes tender a passar pela pura e simples arrogância.
O fardo que não deverão carregar estas pessoas, da Esquerda à Direita, que sabem ter a solução, que sabem a Verdade, e o desespero que não deve ser verem-se rodeadas de «neoliberais fascistas» ou de «socialistas estatistas» por todos os lados, mesmo entre pessoas que digam defender os valores que os iluminados defendem, mas que não passam de traidores, ou de falsos iluminados. O desespero que não deve ser saber como seria o mundo perfeito e viver num mundo imperfeito, em que o Paraíso terrestre vai ter de esperar.
Na mouche João!
ResponderEliminarA forma como se atacam pessoas só pra desviar o assunto é vergonhosa...
Um link antigo do insurgente fala sobre isto também
http://oinsurgente.org/2008/03/06/newspeak-newthink-e-liberalismo-fascista/
Aliás, um dos problemas que tenho tem a ver com uma palhaçada destas, em que se difamam pessoas só para desviar o assunto que não lhes convém...
A impunidade que o tempo e o custo da nossa Justiça faz acontecer é gritante.
Se calhar falarei sobre isto daqui a uns dias. Abraço
Acontece que O Insurgente tem um conjunto de autores que se entretém a fazer este género de coisas também.
EliminarÉ verdade, há bom e mau em todo o lado. Levar em conta o bom ignorar o mau.
EliminarAbraço