domingo, 16 de dezembro de 2012

A nova hipótese do Tribunal Constitucional e do Governo

O Presidente da República vai enviar o Orçamento do Estado para 2013 para o Tribunal Constitucional para fiscalização sucessiva, depois de o promulgar.

A promulgação, neste caso, claramente não está ligada a um julgamento sobre os méritos constitucionais do Orçamento, mas sim com considerações práticas, em particular ligadas a, ao que percebo, questões jurídicas que tornariam de difícil aplicação o OE 2012, por duodécimos, em 2013 - questões que eu não vi explicadas, mas que vi que foram levantadas pela Presidência da República. Parece-me também ligada à noção de que precisamos de ter um Orçamento em vigor.

O envio para o TC tornou-se difícil de evitar depois de todas as «dúvidas» que se levantaram sobre o tema, e cujo levantamento foi fortemente ventilado na imprensa (raramente as dúvidas em si, ou alguma explicação decente do que estava em causa - digo «raramente» por simpatia, dado que não vi nenhuma notícia em que isso fosse feito). O Presidente acabou por resolver a questão promulgando o Orçamento mas enviando-o para fiscalização sucessiva da constitucionalidade.

Esta forma de actuação do Presidente não satisfez, naturalmente, quem mais à Esquerda pedia a revisão de constitucionalidade do OE 2013. A questão da aplicabilidade do OE 2012 por duodécimos nem sequer foi esmiuçada. Cavaco Silva foi acusado de ser cobarde e a legitimidade da sua continuação no cargo chegou a ser posta em causa - afinal, a demissão de Cavaco Silva também serviria para criar uma crise política.

Tendo em conta que de todos os lados choviam pedidos que o OE fosse para o TC, Cavaco Silva enviá-lo mais cedo do que mais tarde nem é mau, levando a que o Tribunal se pronuncie mais cedo do que mais tarde sobre a questão, e portanto, também, que este a resolva mais cedo do que mais tarde. O TC tem assim uma nova hipótese de demonstrar que sabe o que está a fazer, e tem uma hipótese para se redimir do seu acórdão parcamente fundamentado sobre os cortes na função pública (que teve o impacto no IRS que conhecemos, dado o enorme atraso no debate sobre a reforma do Estado).

Cavaco Silva podia ter decidido não remeter o OE para ser apreciado mas, se tinha de facto dúvidas sobre a inconstitucionalidade possível de certas normas, então era seu dever remeter o OE para apreciação por parte dos juízes do Tribunal Constitucional. Foi o que fez. A escolha de o promulgar primeiro prende-se com razões que, à primeira vista, se afiguram razoáveis - embora fosse simpático que as notícias sobre o tema as explicitassem melhor. Claro que para quem queira causar confusão, tentar aplicar por duodécimos normas do OE 2012 que não se prestam a isso seria uma forma de o conseguir. E Cavaco Silva, embora por vezes, quando diz muito daquilo que tem dito, não pareça, não tem esse objectivo (contrariamente a gente que quer que o Governo caia e que possivelmente veria com bons olhos confrontar o Governo com estas dificuldades acrescidas de aplicar por duodécimos normas que não se prestem a isso - que se dane, claro, que todos nós sofrêssemos também com isso).

Veremos o que diz o TC. Não dá para adivinhar o que vai dizer, nem como vai fundamentar a sua decisão, porque a última que teve não tinha fundamentação que se visse, e porque os temas abordados poderão até ser diferentes desta vez. Entretanto, o Governo tem de se preparar para lidar com eventuais decisões de inconstitucionalidade, e essa preparação não pode, de novo, ter por base aumentos de impostos. Chegou o momento de vermos um programa decente de corte de despesa, cimentado num programa de reforma constitucional (se necessário) e do Estado.

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