domingo, 16 de dezembro de 2012

Os fãs das crises políticas

Já temos uma crise económica e uma crise financeira. O que menos precisamos agora é de uma crise política. Por muito que isso custe a algumas pessoas, o actual Governo tem uma maioria que o apoia no Parlamento e os mandatos são de quatro anos. A fixação em deitar o Governo abaixo com base em cartas abertas, ou de haver manifestações, ou de haver contestação a medidas impopulares, esquece que enquanto o Governo tiver apoio de uma maioria parlamentar e não passar uma moção de censura, ou for perdida uma moção de confiança, o Governo continua a governar. (Não vejo o Presidente actual a demitir o Governo. Outras coisas fará de errado, mas não isso.)

A fixação em deitar o Governo abaixo esquece que uma crise política serviria para agravar os nossos problemas. É certo que ainda há quem pareça acreditar em soluções mágicas, ou que os «slogans» sobre súbitos surtos de crescimento são mais do que isso, ou que na realidade podemos continuar como estávamos, mas o que me parece é que, caindo o Governo, o que teríamos seria um choque ainda maior com a realidade. A crise económica e financeira agravar-se-ia ainda mais, quaisquer melhorias conseguidas até este momento provavelmente seriam postas em causa, e o Governo seguinte ou continuaria com medidas impopulares (e sofreria o mesmo tipo de contestação), ou veria que certas medidas apresentadas como balas de prata são mais fáceis de proclamar do que implementar, e que mesmo implementadas poderão ter efeitos nefastos não anunciados.

Este Governo é impopular porque está a aplicar medidas impopulares. O principal partido da Oposição, no PS, que lidera as sondagens, não tem propostas alternativas ao Governo em funções, por muita retórica que seja gasta a fingir que sim. O CDS-PP fala muito sobre ser o «partido dos contribuintes», mas mais vejo o CDS-PP a defender coisas como a manutenção da RTP do que a propor cortes na despesa ou uma reforma do Estado. O BE e o PCP propõem um cabaz de medidas em que os supostos efeitos benéficos são proclamados aos sete ventos, os efeitos negativos nunca são explorados, e que teriam de qualquer forma dificuldade em implementar, dado que não têm apoio suficiente para formar Governo - e não se entendem com o PS, por motivos diferentes.

Este Governo está longe de ser perfeito, tem tomado medidas com as quais eu não concordo e tem atrasado medidas que eu considero fundamentais. Acontece que o Governo tem maioria no Parlamento, está perante uma missão quase impossível, num contexto em que tudo o que acontece é passível de causar uma histeria colectiva momentânea (com o resultado de não se dar ênfase a discussões importantes, como o debate sobre a reforma do Estado ou o grande debate europeu), e eu acho que nós de facto temos de fazer consolidação orçamental e reformar o Estado - e não vejo partidos fora da coligação com grandes alternativas ao que está a acontecer. E o Governo que viesse a seguir teria de implementar medidas com a agravante de uma crise política desnecessária, que teria deitado abaixo um Governo com maioria parlamentar por estar a implementar exactamente o mesmo tipo de medidas impopulares.

Além disso, demasiadas vezes tenho notado que as medidas que o Governo tem tomado ou anunciado não são sequer conhecidas na sua plenitude, ou que há pelo menos «esquecimentos», nas críticas que lhe são apontadas. A actuação do Governo, incluindo pontos com os quais eu não concordo, é frequentemente descaracterizada (isto não acontece só ao Governo, naturalmente, mas aqui estamos a falar do Governo), aspectos que não encaixam na narrativa são ignorados, e tudo é tratado como uma potencial fonte de escândalo e histeria, em vez de debatido - isto sem pôr em causa a existência de potenciais escândalos, demasiadas vezes enterrados sob uma grande dose de gritarias estridentes sobre assuntos secundários ou de frases tiradas do contexto.

O Governo não se ajuda a si próprio quando claramente não sabe falar em público, e demasiadas vezes parece funcionar de forma demasiado atomizada, não sendo claro que exista uma integração entre as políticas seguidas e implementadas pelos vários Ministros. Notícias como esta são potenciadas pelo que me parece ser uma falta de coordenação a nível ministerial, mas também pelo que me parece ser a ausência de um programa verdadeiramente integrado para o país, em que as políticas dos vários Ministérios estivessem de acordo com uma matriz comum a todas subjacente. (Claro que quando vejo notícias na imprensa sobre supostos confrontos entre o Ministro das Finanças e o o Ministro da Economia e Emprego, dou sempre desconto de sensacionalismo jornalístico, com em várias outras notícias que vou lendo.)

Este Governo tem tomado decisões altamente criticáveis, como o atraso na preparação de uma verdadeira reestruturação do Estado, que devia ter sido o cerne da sua actuação desde o momento em que tomou posse. Tem proposto, para o futuro próximo, a implementação de medidas que me parecem extremamente negativas (p.ex., a criação de um imposto sobre transacções financeiras português). Só que muitas dessas medidas que eu considero negativas até serão das medidas mais populares que o Governo tomará (o referido imposto sobre as transacções financeiras ou o banco de fomento, por exemplo). Noutros casos, as medidas negativas eram apoiadas até ao momento em que o Governo efectivamente as aplicou, altura em que subitamente um coro de críticas apontou todos os aspectos negativos sistematicamente esquecidos anteriormente (lembro-me sempre da forma como se apoiava o aumento dos impostos sobre os rendimentos do capital, enquanto agora toda a gente se parece ter lembrado da forma como isso afecta a poupança).

Os fãs das crises políticas têm muitas histórias para nos contar, em que a crise política seria seguida de um Governo de gente competente que, com dinamismo e vontade, resolveria todos os nossos problemas, ou seria pelo menos melhor que o Governo actual por, habitualmente, um conjunto de chavões (seria «mais sensível», «menos frio», etc.) que cairiam no imediato segundo em que esse novo Governo pretendesse aplicar medidas impopulares - momento em que sobre esse Governo seria rogadas todas as pragas rogadas sobre este, sobre o anterior, sobre o antes desse, etc. Porque no momento em que o Governo ideal passasse a Governo real, a ilusão de perfeição seria desfeita, e todas as impurezas da realidade tombariam sobre ele como uma gigantesca bigorna. As manifestações continuariam, os ataques continuariam, as acusações continuariam, as tentativas de retirar a legitimidade democrática do Governo do dia por não seguir as políticas «certas» continuariam, e assim por diante.

Os nossos problemas, esses, continuariam, e poderiam até piorar. Mas que importará isso quando a política é tratada como mero jogo táctico entre políticos, em que o que importa é o movimento táctico seguinte para chegar ao poder, e não apresentar uma verdadeira estratégia política e económica para o país (e para a UE)?

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