Escrevi três artigos sobre razões internas para os mercados não acalmarem (aqui, aqui e aqui). Fi-lo porque considero que não nos podemos esquecer delas, e que falar apenas das agências de notação financeira e dos seus problemas facilita a vida a quem quer que fique tudo na mesma e as usa simplesmente como bode expiatório.
Isto não implica que as agências de notação financeira sejam perfeitas. Longe disso. Há imensos problemas com essas entidades, que é importante debater. São problemas complexos, que precisam de resolução a nível global, e que não se resolvem em cima do joelho.
Alguns pontos em destaque, sem qualquer ordem específica:
- As agências são entidades privadas, cujo capital é detido por outras entidades, que podem ter interesses no que toca aos produtos que são avaliados pelas agências;
- As agências prestavam serviços de consultoria, além de fazerem notações, o que gerava outro conflito de interesses;
- As agências são pagas pelas entidades cujos produtos são avaliados, e não pelos compradores desses produtos, o que pode gerar conflito de interesses - ao mesmo tempo, e apesar de apreciarem que haja avaliações, é pouco credível que os compradores estejam dispostos a pagar por elas;
- As notações das agências têm cariz quase regulatório, porque as avaliações que fazem têm impacto directo no tipo de produtos que são ou não comprados por certo tipo de investidores (ex. há investidores institucionais que só podem, estatutariamente, comprar títulos com a notação máxima);
- As agências falharam em toda a linha durante a crise financeira porque não conseguiram ter em devida conta o risco de mercado na avaliação do risco de crédito - ora, as notações que elas fazem são usadas pelas entidades para definir não apenas em que investir, mas como investir, o que significa o tipo de garantias que procuram obter e como se protegem (trocado por miúdos: durante a crise, havia títulos bem classificados e que levaram várias entidades a comprá-los sem se protegerem devidamente, o que causou problemas de monta quando os títulos se revelaram lixo);
- Não há regulação pública eficaz das agências;
- Se as agências fossem entidades públicas, o problema de conflito de interesses poderia ser colocado ao nível da entidade pública que as financiasse;
- Há muito poucas agências com credibilidade global, o que dá a cada agência uma enorme quantidade de poder sobre o mercado, poder esse que fica sujeito a abusos;
- Há quem fale muito das agências serem americanas, e fale de se criar uma 'agência europeia', mas eu considero que o problema é mesmo estrutural, e que uma 'agência europeia' teria exactamente os mesmos problemas de uma 'agência americana' - e nasceria sempre com um ónus de credibilidade em relação às suas avaliações de produtos europeus, que poderiam ser considerados demasiado simpáticos (o que poderia ter problemas ao nível da agência poder querer 'compensar' isso).
Tudo isto tem de ser debatido convenientemente e têm de se encontrar possíveis soluções. As agências têm um papel importante no sistema financeiro, falharam durante a crise, e desde anúncios às tantas da noite, a previsões de crescimento potencial para este ano superiores às do Governo (com ameaça de downgrade caso não se crescesse aquilo), já se viu de tudo um pouco no que toca à sua relação com Portugal. Mas de novo tenho de referir que isto não implica que não tenhamos de assumir as nossas responsabilidades na crise que nos assola. A nossa crise vai para além da crise financeira. É uma crise económica e social e já vem de antes de 2007-8. É preciso que não nos esqueçamos disso. Só assim é possível mudar.
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