(Resposta ao que o Martim Horta escreveu aqui.)
Pense-se na DECO . A DECO faz testes a vários produtos, neste caso produtos físicos, como electrodomésticos, e depois apresenta a informação que recolheu aos consumidores. Esta informação ajuda os consumidores a escolher os produtos que querem comprar, dado que têm ali uma avaliação em princípio isenta/imparcial/objectiva dos produtos, tendo em atenção diversas características, o que os ajuda a comparar os produtos sem terem de os testar por si próprios.
O propósito base das agências de «rating» é o de avaliar produtos e apresentar essa avaliação ao mercado, disseminando informação pertinente sobre os ditos produtos, ajudando os investidores a escolher em que produtos investir. O propósito base é o mesmo da DECO.
Eu falei no meu último artigo, como o Martim refere, no cariz «quase-regulatório» das agências. E expliquei que falava disso no sentido de haver investidores institucionais que utilizavam a informação que as agências forneciam para fazer as suas escolhas sobre onde investir, e que se encontravam limitados, até estatutariamente, a escolher produtos com avaliações boas.
Isto não significa que as agências de «rating» regulam o mercado da forma que uma entidade pública o faz, criando regras relativas ao sistema financeiro que têm obrigatoriamente de ser cumpridas. Exemplos são banir certas formas de transacção financeira (na Alemanha, baniu-se o «naked short-selling»), as regras de capital mínimo para os bancos, ou outras. De notar que a entidade pública não vai avaliar a qualidade do produto e dizer ao mercado qual o risco de crédito daquele produto*, de acordo com uma série de critérios, que é aquilo que as agências fazem.
Deverá ser uma entidade pública a avaliar produtos financeiros? Em geral, deve ser uma entidade pública a avaliar os produtos e dizer aos consumidores o que consumir - deveríamos, no limite, nacionalizar a DECO?
Quando eu falei em cariz «quase-regulatório», referia-me ao facto de haver investidores institucionais que estatutariamente apenas podem investir em produtos financeiros que tenham boas classificações. Mas o «quase» é importante. As agências disseminam informação, informação essa que tem impacto no mercado financeiro, mas não o «regulam» da forma que as entidades públicas o fazem.
Em vez de criar uma entidade pública para avaliar produtos financeiros, parece-me que devemos, de facto, regular convenientemente as agências de «rating», no sentido, principalmente, de lidar com conflitos de interesses e com o poder de mercado que as agências detêm, por força do poder de mercado que detêm por serem poucas.
Mais uma vez, não me convencem os que dizem que o que faz falta é uma «agência de rating europeia». Basta ver que a Standard & Poor's acabou de, pela primeira vez, dizer que tem uma perspectiva negativa sobre os EUA, o que significa que até a dívida dos EUA pode deixar de ter «nota máxima». Aliás, os EUA têm sido entusiastas do euro desde a Administração Clinton, e não têm interesse em vê-lo a ir abaixo. A interdependência decorrente da globalização leva que uma crise dessa magnitude teria efeitos sistémicos e, portanto, afectaria também os EUA. Finalmente, uma «agência de rating europeia» não seria maravilhosa simplesmente por ser europeia, padeceria dos mesmos vícios de todas as outras.
P.S. Não é por acaso, já agora, que a perspectiva passou a negativa. Os EUA têm um problema de dívida pública completamente alucinante, de tal forma alucinante que já nem terem o dólar, que é a moeda de reserva global por excelência, começa a ser suficiente para poderem ignorar esse problema, como têm feito até agora.
* No original, dizia ali «bom investimento». Como o primeiro comentário ao artigo refere, e bem, isso não estava certo, e eu não fui preciso. Mas aqui, convinha ser preciso. Por isso, corrigi o artigo, e agradeço o comentário com a chamada de atenção!
"De notar que a entidade pública não vai avaliar a qualidade do produto e dizer ao mercado se aquilo é um bom investimento ou não, de acordo com uma série de critérios, que é aquilo que as agências fazem."
ResponderEliminarIsto não é verdade. As agências não avaliam se é um bom investimento, pois não tomam em conta o retorno do produto (por exemplo a taxa de juro de obrigações/dívida)
As agências avaliam a capacidade de pagamento das entidades que garantem o produto vendido, ou seja, avaliam se alguém tem muitos ou poucos empréstimos, e o risco associado a emprestar dinheiro a essa entidade.
Uma entidade por ter um excelente rating (por ter poucas dívidas) e ser um mau investimento, por pagar pouco...
Sim, não fui preciso. No outro artigo falo na avaliação do risco de crédito mas já vi que neste não falei disso e em vez disso falei em 'bom investimento'.
ResponderEliminarMea culpa! Vou alterar.