domingo, 4 de dezembro de 2011

Uma questão de escala (I)

As comunidades consistem em indivíduos que estabelecem relações uns com os outros, criando uma rede relacional mais ou menos apertada que evolui através da interacção desses mesmos indivíduos. A escala a que estas relações se podem estabelecer é ditada pela tecnologia de comunicação e transporte a que os vários indivíduos têm acesso. A escala será maior ou menor consoante a capacidade que estes tenham de utilizar tecnologia que lhes permita realizar esse mesmo intercâmbio.

O acesso à Internet permite aos indivíduos terem acesso a uma quantidade fenomenal de informação e, também, manterem relações virtuais com outros indivíduos espalhados um pouco por todo o mundo. Por outro lado, a existência de aviões, navios, comboios e automóveis com a capacidade de se descolarem a velocidades cada vez mais elevadas de forma segura significa uma cada vez maior capacidade de nos encontrarmos, presencialmente, em espaços físicos cada vez mais longínquos daqueles em que nascemos.

Mas mais: a própria existência de telemóveis veio fortalecer a capacidade que temos de interagir mesmo com aqueles que nos são mais próximos. Estamos sempre contactáveis, sempre com capacidade de contactar alguém, quer esse alguém esteja próximo ou do outro lado do mundo. Caso seja necessário, podemos usar um meio de transporte adequado para chegarmos, fisicamente, a essa pessoa. E como se isso não bastasse, temos cada vez mais acesso a informação imediata e no preciso instante em que a queiramos.

O acesso a estas tecnologias e a sua efectiva utilização tem um impacto importante na forma de pensar e de agir dos indivíduos. Um indivíduo que tenha acesso a toda esta tecnologia viverá num mundo diferente de um indivíduo que não tenha acesso a esta tecnologia. O primeiro tem o intercâmbio cultural potenciado pelas tecnologias a que tem acesso, tendo ainda a hipótese de pertencer a uma quantidade incrível de comunidades, mais ou menos virtuais, consoante as suas preferências. O segundo, pelo contrário, terá mais tendência a conhecer a comunidade em que nasceu e, no limite, pouco mais.

De qualquer forma, o facto de existirem estas tecnologias e haver quem lhes tenha acesso significa que as tais comunidades, mais ou menos virtuais, que vão de fóruns na Internet ao «World of Warcraft» ou ao «Second Life», vão surgindo e criando as suas próprias instituições formais e formais. E, de novo, cada indivíduo terá acesso às comunidades que desejar, limitado apenas por si próprio e pelas suas preferências. Terá também acesso a mais informação sobre outras comunidades, potenciando todos os tipos de intercâmbio, que vão do intercâmbio cultural e de ideias ao intercâmbio comercial.

As novas comunidades que vão surgindo são, claro, influenciadas decisivamente pelas preferências de quem as vai formando, o que inclui toda a «bagagem» cultural das comunidades de que esses indivíduos provêm e, principalmente, todas as suas idiossincrasias pessoais. Vão ser mais ou menos homogéneas. Vão ser mais ou menos centralizadas na sua gestão. Mas vão agregar pessoas que, geograficamente, provêm de um pouco por todo o mundo. E a rede dessas comunidades vai juntar-se à rede já existente.

A forma cosmopolita de lidar com este fenómeno é a aceitação e promoção do mesmo. Fomentar o relacionamento pacífico entre indivíduos de todo o mundo é uma forma importante de fomentar a paz e de enfraquecer a distinção nacionalista entre «nós» e os «outros». Não que seja uma panaceia que acaba pura e simplesmente com o conflito, claro, mas que facilitar a compreensão mútua e diminuir o desconhecimento mútuo (factor importante no fomento do medo do «outro») ajuda a diminuir tensões acho que ninguém duvida muito.

Por outro lado, este fenómeno pode gerar sentimentos de revolta e de entrincheiramento. A globalização e o poder que dá ao indivíduo para escolher os seus próprios valores serão vistos como um atentado à importância das tradições culturais ancestrais ou à organização comunitária a um nível mais local, o que levaria a uma forte resistência à mudança e à globalização e à criação de mais e mais barreiras para tentar impedir que a escala a que as coisas funcionam fique fora do nosso alcance, do nosso controlo e da nossa compreensão.

Parece-me, no entanto, que ou temos retrocesso tecnológico, ou teremos de aceitar, de facto, que a escala a que operamos deixou de ser a escala do séc. XVIII ou do séc. XIX. O mundo em que hoje vivemos está globalizado e a evolução tecnológica terá como efeito torná-lo mais globalizado e não menos. Não acredito, também, que a melhor forma de defender uma cultura que prezemos seja cortar-lhe o acesso a outras culturas. Penso exactamente o contrário: devemos dar a essa cultura a possibilidade de contribuir para o diálogo intercultural a nível global.

Finalmente, não devemos ter medo da complexidade. A evolução das comunidades humanas sempre foi um fenómeno bem complexo em que a interacção entre o indivíduo e os outros indivíduos que formam a comunidade e a interacção das instituições formais e informais de certa comunidade com o indivíduo são complicadas de definir e de explicar com rigor matemático. O facto de vivermos num mundo global deve ser encarado como uma oportunidade a aproveitar, não como algo a temer.

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