A análise da crise europeia não pode passar ao lado da forma como os problemas de um Estado Membro afectam os outros Estados Membros e como as decisões a nível europeu têm impacto nos Estados Membros. Uma afirmação à primeira vista trivial mas que tem consequências relevantes, principalmente ao nível da «soberania nacional» e ao nível da escala do problema que enfrentamos. Resumindo, temos um problema português para resolver, de falta de competitividade, mas também temos um problema europeu para resolver. E os dois problemas estão interligados.
Os Estados Membros não existem num vazio. As decisões que tomam enquanto Estados afectam os outros Estados Membros e as decisões (ou falta delas) a nível europeu afectam a situação interna dos Estados. A interdependência actualmente existente é uma evidência e a forma como tem estado a afectar a crise também. A forma como lidamos com esta interdependência no futuro é a chave para sairmos desta crise específica (não, claro, para eliminar toda e qualquer crise) que é também uma crise institucional europeia.
Uma forma de lidar com a interdependência existente consiste em manter uma UE de Estados, em que a legitimidade da UE venha do facto de nos encontrarmos perante Estados Membros com democracias, além do Parlamento Europeu. Esta fórmula manteria a soberania dos Estados, mesmo que tendencialmente cada vez mais de forma meramente simbólica, admitindo a soberania nacional como um valor a respeitar e bom por si só, que não pode pura e simplesmente ser abandonado.
Não me parece, no entanto, que manter este sistema resolvesse os problemas que pretendemos resolver, como já tenho tido oportunidade de discutir aqui no blogue. Será relevante, ainda assim, que o princípio da subsidiaridade seja escrupulosamente cumprido. Isto porque, apesar de haver, neste momento, problemas que, a terem solução, a têm à escala europeia, continuam a existir questões para as quais a solução deve manter-se nos Estados Membros. As competências da federação europeia devem ser definidas tendo sempre em atenção este importante principio.
Deste modo, Portugal continuaria a ter de resolver o seu problema de competitividade, mas fá-lo-ia dentro de uma federação europeia, mantendo um nível de autonomia razoável para resolver questões nas quais não seria necessário a União Europeia intervir. A União Europeia, por sua vez, seria dotada de meios para resolver os problemas europeus de forma eficiente, prestando contas directamente aos cidadãos europeus. Os problemas passariam a ser resolvidos à escala apropriada e com um sistema de tomada de decisão mais eficiente.
Numa altura em que há mudanças tectónicas relevantes na geopolítica, com a mudança do «eixo» das relações internacionais para o Pacífico, e tendo em atenção os diversos problemas globais com os quais nos deparamos, para os quais haverá que encontrar soluções, é importante que a União Europeia saiba actuar à escala correcta para que a sua voz não se torne progressivamente irrelevante no contexto global.
Não é apenas o modelo de governação da UE que está a ser debatido, afinal. Também o modelo de governação a nível global o está a ser. Se os Estados europeus quiserem contar nesse debate público a nível global não podem, em primeiro lugar, deixar de se unir e, em segundo, não podem ceder a tentações anti-EUA ou mesmo anti-China primárias. Porque não nos podemos esquecer que a escala europeia não é o limite: hoje em dia, funcionamos também à escala global.
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