quinta-feira, 1 de março de 2012

Moralistas e Democracia

Enquanto uns se consideram mais puros que os outros por razões ideológicas, outros consideram-se mais puros por razões morais. Invocam a sua superioridade moral e estado de pureza cristalina para questionar as motivações das políticas com as quais não concordam, apresentando as suas ideias como algo de absoluto e objectivamente legitimado.

Esses moralismos tipicamente resvalam em discursos populistas que apresentam o outro lado do debate como a encarnação do Mal, como sendo a causa de todos os males ou como sendo movido por motivações torpes. Estas são sempre apresentadas como segredos mal escondidos, e como resultado de teias conspirativas que envolvem toda a gente e mais alguma com algum poder - mas nunca, claro, os moralistas que as denunciam, cuja pureza é à prova de bala.

As ideias dos moralistas são apresentadas como imperativos morais absolutos; as dos outros como meras «ideologias». Os outros são sempre egoístas, cujo único interesse na política é defender-se a si próprios ou aos seus amigos, enquanto os moralistas são altruístas e desinteressados na defesa das suas causas. Os moralistas alimentam-se da percepção da política como um jogo de interesses para se auto-proclamaram acima desse mesmo jogo - mesmo quando são políticos profissionais.

Em Portugal, onde o nível de confiança mútua e de confiança nas instituições é baixo, os moralistas aproveitam-se desta falta de confiança para propagar o seu discurso. Os seus apelos são demagógicos e destrutivos, ajudando a fomentar a desconfiança que os alimenta, mas não um debate público funcional. O resultado são histerias constantes e uma desvalorização ainda mais acentuada do prestígio da Política, sem que os problemas de base sejam resolvidos - antes pelo contrário.

Encontram-se moralistas à esquerda e à direita, tal como se encontra «puros» à esquerda e à direita. Fazem também parte de uma democracia liberal. Mas da mesma forma que proclamações de pureza ideológica não me seduzem, também não me vão convencer fazendo apelos a uma suposta superioridade moral, assente num conjunto de ataques às motivações da parte contrária. Prefiro aqueles que respeitam o pluralismo democrático e o facto de haver mais do que uma forma de pensar uma comunidade àqueles que passem a vida a tentar dar lições de moral a toda a gente.

1 comentário:

  1. Quando não há vontade suficiente (ou capacidade) para discutir propostas, argumentos, dados, perguntas, respostas, numa base minimamente lógica... é mais fácil, e porventura imediatamente gratificante passar para essa sinestesia moral/"real". Perdida entre o être e o devoir-être

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