segunda-feira, 26 de março de 2012

Zélia Afonso

A viúva de Zeca Afonso indignou-se com o uso pelo PSD de versos do autor, visto que este estaria, caso estivesse vivo, contra as políticas do governo. Sim sem dúvida que estaria contra estas políticas, mas estaria contra o uso das suas músicas e textos? Porventura as suas produções só podem inspirar aqueles com quem ele concordaria?

Inúteis eram as vozes e as palavras
O cativeiro represo dos sentidos
Abre-se uma comporta e nada altera
A matéria dura de que é feita a vida
Ferros, pedaços, brancura nunca vista
E um rio que não para nem descansa
Que perfeita modorra não se esconde
Nesta vasa indecisa e aos ouvidos 
Chegam silvos constantes, gargalhadas
E tudo doí como se fora treva
Como se fora vinho nesta névoa

(escrito na prisão de caxias)

José Afonso, "Inúteis eram as vozes e as palavras", Textos e Canções. Lisboa, Assírio e Alvim, 1983, p.317.

Leio e oiço Zeca desde puto. Sou liberal. Jamais alguém me disse que teria de construir uma equivalência naquilo que acredito e aquilo que aprecio. E ninguém me impede de encontrar inspiração onde quer que queira. Nasci muito depois do 25 de Abril e da morte de Zeca. Mas ambos fazem parte da mitologia da nossa democracia, na qual assenta a minha consciência cívica.

Mas eu já nasci em liberdade.

1 comentário:

  1. Meu Caro, esqueces que aqui no burgo há alguns que são donos de uma certa herança cultural.
    Dou um exemplo ai de quem cite Saramago sem ser Esquerdista, senão cai o Carmo e a Trindade.
    É o totalitarismo do politicamente correcto.
    Continua a ser "a formiga no carreiro andava em sentido diferente":)

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