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sexta-feira, 15 de março de 2013

Hungria, Voting Rights Act e a reforma da UE


   Gostaria de sublinhar dois acontecimentos em dois continentes diferentes que, na minha opinião, são pertinentes para o debate alargado sobre o federalismo. O supremo tribunal norte-americano ouviu nas últimas semanas os argumentos sobre a constitucionalidade do Voting Rights Act de1965, discutindo-se, após uma eleição em que a prática recorrente dos estados alterarem para fins políticos os métodos e logísticas do processo mais uma vez me deixou boquiaberto como habitante do velho continente, até que ponto tem o estado federal direito a intervir na regulação desses mesmos problemas, pelo menos em estados com historial de repressão do voto das minorias, para garantir o direito fundamental ao voto.
   Na Hungria, a direita passou uma reforma constitucional sobre uma nova constituição que à pouco tempo entrara em vigor (e da parte destes mesmos suspeitos) que parece reverter o progresso que a pouco e pouco as democracias ocidentais procuram, e cristalizar os seus partidos e seus vícios no aparelho de estado, enquanto a contestação da União Europeia não se cristaliza de uma forma legal de forma a subverter as reformas "anti-democráticas" com base num princípio de garantia de direitos fundamentais a uma escala supranacional. Mas a direita húngara retorquirá que tais reformas garantem a estabilidade e a prosperidade.
   Deveria ter um estado membro da UE direito a passar democraticamente restrições a direitos fundamentais, ou leis que revertem o progresso dos direitos cívicos e cristalizam o nepotismo no aparelho de estado, indo contra não só os princípios de good governance da UE, os critérios de Copenhaga que a Hungria teve de cumprir para entrar na UE, e a carta fundamental dos direitos da UE, ou deveriam existir instituições federais ao nível da UE que subvertessem tais decisões estaduais caso elas neguem aos cidadãos húngaros direitos garantidos enquanto cidadãos europeus, como ocorre nos EUA?
   Mas outra angústia me leva a sublinhar esta questão. A imperatividade de "mais Europa" tem sido, pela força das circunstâncias, discutida no plano económico, mas não se deverá reduzir o debate a tais condições. Acredito fundamentalmente que a prosperidade dos europeus não depende única e simplesmente do bem-estar económico, e parece-me uma loucura reduzir a política europeia à necessidade de uma economia forte, embora necessária, visto que se nos convencermos que o o estado e as instituições estatais apenas se justificam para garantirem essa dimensão, facilmente nos esqueceremos que a coisa pública também serve para garantir as liberdades (que em parte sustentam essa mesma prosperidade económica).
   Se todo o debate se centrar na garantia de uma segurança económica e esquecer as liberdades, ou não passar por discutir como, pela Europa, podemos aumentar essa mesma segurança com aprofundamento e garantia das liberdades, não correremos o risco de aceitar perder essas mesmas garantias para alcançar uma prosperidade, então bastante perversa? E não será por isso ainda mais imperativo que a reforma passe por tais garantias ao nível federal, para que esses debates tenham sempre um limite constitucional ao que se pode abdicar pela prosperidade a nível estadual?

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Louçã não sabe o que é o federalismo europeu

Francisco Louçã escreveu um artigo extraordinariamente absurdo sobre federalismo europeu que importa rebater.

O federalismo europeu não é a defesa de um Estado unitário a nível europeu ao qual se encontram subordinados os Estados federados. O federalismo europeu é, sim, a defesa da criação de uma democracia europeia transnacional, assente nos cidadãos e nos seus representantes (num Parlamento Europeu que provavelmente teria duas câmaras, incluindo um Senado).

Francisco Louçã fala do «Estado Nação» como se os Estados na União Europeia de hoje em dia fossem exclusivamente Estados Nação - o que não é verdade. Francisco Louçã deveria ter falado de Estados federados no seio de uma federação europeia. Deveria ainda ter pensado que já existem federações e outros Estados na União Europeia que não são Estados Nação (ele que vá dizer a um escocês que é inglês, por exemplo).

No seu péssimo artigo, que termina em tom demagógico, vazio e panfletário, Francisco Louçã esquece-se que o federalismo europeu é defendido por pessoas tão díspares como Paulo Rangel ou Rui Tavares. Que o federalismo europeu é defendido por liberais, conservadores, socialistas ou ecologistas. Que o federalismo europeu é defendido à esquerda, à direita e ao centro, e não tem nada a ver com aquilo que Francisco Louçã diz ser defendido.

O discurso de Durão Barroso a defender o federalismo, enquanto Presidente da Comissão Europeia, devia ter sido acolhido por todos os que defendem uma democracia europeia transnacional como algo de muito encorajador. Como um incentivo a finalmente discutir seriamente e colocar em cima da mesa medidas tão importantes como dar poder de iniciativa legislativa ao Parlamento Europeu e alterar o seu sistema eleitoral, por exemplo.

Mas não. Francisco Louçã, coordenador cessante do Bloco de Esquerda, prefere escrever artigos em que demonstra a sua enorme pequenez, colando o «federalismo» à Direita (por definição maléfica) e às máfias e à destruição dos Estados Membros. O que está errado, como já disse acima - nada disto é federalismo, tudo isto é jogo político sujo (e ignorante) de Francisco Louçã.

Em vez de aproveitar para dizer que se Durão Barroso defende federalismo, então que seja consequente, e apoie publicamente a proposta de que o próximo Presidente da Comissão tenha de ter feito campanha pelos 27 Estados Membros antes de ser escolhido, Francisco Louçã faz birrinhas sobre «esquerda» e «direita». No mundo em que vive, não consegue passar-lhe pela cabeça que haja questões que ultrapassem a sua visão maniqueísta do mundo - ou então acha que Durão Barroso é para atacar mesmo quando diz alguma coisa de útil, porque é «de Direita».

Francisco Louçã tem, ao longo dos anos, mostrado uma imensa arrogância política, ao pretender que o seu partido, o BE, seja a «verdadeira Esquerda», o único moralmente válido, e essencialmente exigindo que PS e PCP se rendam àquilo que o Bloco defende. As suas intervenções em muito pouco têm ajudado a Esquerda a unir-se e em muito pouco têm ajudado a que o Bloco se aproxime de posições em que teria a capacidade de, de facto, implementar as suas políticas.

Agora, quando se discutem algumas das reformas mais importantes na União Europeia em várias gerações, e em que o federalismo europeu, em que uma democracia europeia transnacional, tem de ser apoiado contra todo o tipo de nacionalismos bacocos - é neste momento tão importante que Francisco Louçã prefere vir a terreiro lançar confusão e distorcer o significado do «federalismo europeu».

Francisco Louçã não sabe o que é o federalismo europeu. Ou então sabe, mas prefere escrever artigos a atacar Durão Barroso. Não interessa. Qualquer que seja o motivo, este seu artigo é a demonstração cabal da sua pequenez política. E não duvido que teremos mais demonstrações no futuro, tendo em conta o historial do Coordenador cessante do Bloco de Esquerda.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

7 breves notas

1. «Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal!» Palavras medidas a dedo para aparecerem por todo o lado. Que não me interessam para nada. O que me interessa, principalmente, são os resultados e os meios utilizados para lá chegar. Mais importante para mim do que dizer que não se governa com base em sondagens e a pensar em ser reeleito é eu ver reformas estruturais a serem feitas. Quero, por exemplo, ver como é que o Governo vai lidar com a decisão do Tribunal Constitucional - que medidas vai o Governo adoptar para substituir os cortes nos subsídios de Natal e de férias? Isso, mais do que discursos, é importante para mim - principalmente porque aquele «slogan» podia perfeitamente ser um «slogan» eleitoral.

2. Da mesma forma que dizer que a austeridade não pode destruir o Estado Social não significa nada. Ainda não estamos em época de debate do orçamento, mas eu insisto que os partidos da oposição, que votem contra ou se abstenham, deviam apresentar um Orçamento Sombra, com as suas alternativas e as suas perspectivas económicas e financeiras com base nessas alternativas. O debate não pode ser só feito na base de dizer mal do Orçamento que o Governo apresente. E a melhor forma disso acontecer é apresentando um Orçamento, mesmo em formato esquematizado, alternativo.

3. Os Governos têm um programa para cumprir e podem até ter maioria parlamentar que os sustente e garanta o cumprimento desse programa. Isso não significa que possam alegremente ignorar tudo o que os rodeia quando o aplicam. Mas também não significa que tenham de governar com base em sondagens e tentando sempre maximizar os seus níveis de popularidade com a totalidade da população. Ainda vejo muita gente que parece achar que o facto de haver eleições e de haver uma maioria parlamentar que sustente um Governo só legitima as políticas com que concordem. Quanto àquelas com que discordem, parece que apenas poderão ser aplicadas por maldade ou corrupção, e nunca poderão ser de qualquer forma legitimadas.

4. Miguel Relvas usou um expediente legal para conseguir equivalência a uma quantidade imensa de cadeiras e ter uma licenciatura. Com isso conseguiu colocar sob suspeita as licenciaturas da Lusófona, cujos titulares de cargos dirigentes caem como tordos. Mas bem mais importante, a meu ver, do que esta questão da licenciatura é a questão da pressão sobre jornalistas, e tudo o que a rodeou. Não que os jornalistas sejam todos uns santos ou que os jornais não possam ser criticados, designadamente por políticos. Mas ameaças é mais grave - e um problema que vai bem para além de Miguel Relvas, e que merecia que lhe dessem outra relevância. Só que esse assunto morreu com a demissão da jornalista e o relatório da ERC, enquanto o tema da licenciatura continua. Uma questão de prioridades que, confesso, me parecem trocadas.

5. Incentivar as pessoas a pedir factura para combater a evasão fiscal não me soa a «delação», como a Marcelo Rebelo de Sousa, nem me parece uma terrível injustiça. A forma como está a ser feito parece-me ineficaz, no entanto, e além disso parece-me que isto é uma forma de tentar tratar os sintomas e não as causas. A melhor forma de promover o cumprimento das obrigações fiscais é um sistema fiscal funcional, compreensível e estável (também ajudaria que o sistema fosse visto como justo e que houvesse uma percepção generalizada de que se paga impostos para receber alguma coisa em troca!). Gostava também de ver as taxas a baixar (de forma sustentável, assente também em cortes de despesa), mas não estou a ver isso a acontecer num futuro próximo.

6. O federalismo não se resume a «eurobonds». O federalismo traduz-se numa verdadeira união política. Reduzir o federalismo a «eurobonds» por razões tácticas é, parece-me, cometer um erro táctico. Porque temos de discutir a democracia na Europa, temos de discutir a democratização da União Europeia. Essa democratização levaria a um Orçamento europeu, financiado por impostos europeus e por dívida europeia. Não compreendo que gente que fale do défice democrático da Europa depois defenda «eurobonds» nos moldes actuais - questão que não seria resolvida simplesmente através da eleição directa do Presidente da Comissão. Os «eurobonds» devem assentar numa união política democrática, numa democracia europeia transnacional. Criá-los sem esta base torná-los-ia coxos e criaria problemas políticos importantes.

7. Parece que a privatização de um canal da RTP vai mesmo avançar. A RTP é defendida por quem defende o serviço público de televisão. Eu por vezes sinto que chegámos a um ponto, no entanto, em que a RTP é defendida com base nesse tal serviço público de televisão, mas depois tudo o que a RTP passa é, por definição, serviço público de televisão (mesmo o Preço Certo em Euros e outros concursos, ou telenovelas). Aliás, quando o famigerado grupo de trabalho presidido por João Duque quis restringir o conceito de serviço público de televisão, o seu relatório foi sumariamente ignorado (o que em muito foi ajudado por declarações menos felizes de João Duque). Portanto, na prática, a meu ver, a RTP ser pública neste momento acaba por ser auto-justificativo em algum do debate sobre este tema, uma espécie de pescadinha de rabo na boca. (O argumento de que não se pode privatizar a RTP porque vai afectar as receitas da SIC e da TVI é basicamente o mesmo que dizer que nós temos de subsidiar indirectamente a SIC e a TVI; ora, o que a SIC e a TVI têm de fazer, face a um novo competidor, é tornarem-se mais eficientes - e o Estado não deve protegê-los de novos concorrentes, que o Estado não serve para garantir receitas publicitárias à SIC e à TVI!)

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Democracia na Europa - Perspectiva Europeia

Onde está o debate mediático sobre o futuro institucional da União Europeia?

Onde está a cobertura mediática regular do que se passa no Parlamento Europeu e no Conselho de Ministros?

Onde e a que horas passam os programas sobre a União Europeia na rádio e na TV?

Onde está o debate europeu sobre problemas europeus?

Precisamos de ter um debate europeu sobre problemas europeus, num espaço público e mediático europeu. As perspectivas puramente ao nível do Estado Membro da União Europeia levam a que se perca a perspectiva europeia - e há problemas em que a escala pura e simplesmente já não é nacional.

Os «media» prestam pouca atenção ao Parlamento Europeu, mesmo quando o Parlamento Europeu veta tratados como o Acordo SWIFT (o que levou a alterações ao tratado) ou o próprio ACTA. Os «media» focam-se na Alemanha e na França e no Conselho Europeu, de vez em quando falando da Comissão.

Não se discute mediaticamente a democracia na Europa. Apesar da importância da União Europeia para o nosso dia a dia, apesar de Portugal fazer parte da União Europeia há décadas, a União Europeia continua a ser vista como algo estrangeiro, como um corpo estranho e «de fora».

Eu vivi toda a minha vida na União Europeia. Para mim, a União Europeia não é «estrangeira». Preocupa-me bastante ver liberdades que eu gostava de dar como garantidas ameaçadas - veja-se os populistas ataques ao Acordo de Schengen.

Não sou um nacionalista europeu. Nada disso. Considero-me, mais do que português, mais do que europeu, um cidadão do mundo. Mas precisamente por isso, quero uma União Europeia assente nos cidadãos e um modelo federal de organização institucional, que deixe uma margem alargada de autonomia aos Estados Membros, mas que federalize os negócios estrangeiros ou a defesa.

E também precisamente por isso, quero uma União Europeia aberta ao mundo que a rodeia, intransigente na defesa dos direitos humanos, da democracia e do livre comércio a nível global. Quero uma União Europeia interventiva nas Nações Unidas e na Organização Mundial do Comércio. Quero uma União Europeia empenhada em reconhecer o indivíduo ao nível global e a defender o Tribunal Penal Internacional.

Todas estas questões são bem relevantes, inclusivamente tendo em conta as crises em que vivemos. Temos crises em Portugal e crises na União Europeia. Para ultrapassar as crises, são necessárias reformas estruturais. E essas reformas estruturais incluem reformas estruturais políticas. Quer em Portugal, quer na Europa.

E as reformas europeias não podem ignorar um verdadeiro debate europeu. É esse o desafio que se tem colocado, e é um desafio que tem ter uma resposta. Temos de ver políticos europeus a fazerem campanha pela União Europeia sobre os seus planos para a União Europeia. Temos de conhecer os programas dos partidos políticos europeus. Temos de ter uma perspectiva europeia, não puramente do Estado Membro, sobre problemas europeus. É um passo importante para conseguirmos resolvê-los.

Democracia na Europa

Os cidadãos europeus sentem-se afastados da União Europeia. Há duas razões principais para isto, a meu ver. Primeiro, os cidadãos europeus não sabem como funciona a União Europeia. Segundo, o próprio funcionamento da União Europeia.

Os cidadãos europeus não sabem, em geral, quais os poderes da Comissão, do Conselho ou do Parlamento Europeu, nem conhecem sequer os contornos da história da União Europeia até aos dias de hoje. Não sabem a quantidade de legislação com base europeia e consideram as eleições europeias, geralmente, como eleições de segunda linha.

Os partidos políticos europeus não são conhecidos. As eleições europeias, apesar da existência de programas europeus, são sistematicamente disputadas com base em questões nacionais. As questões europeias continuam a ser tratadas como se se tratasse de algo afastado de nós, quando na verdade tem tudo a ver connosco.

Em meu entender, muitos dos problemas institucionais que existem hoje em dia advêm da forma como a soberania estatal continua a ser excessivamente salvaguardada em domínios em que já não faz sentido. Mas para explicar isto, tenho de começar por explicar como é que funciona, hoje, a União Europeia. O que não é fácil, porque o funcionamento é complexo.

Ser federalista significa querer simplificar o funcionamento da União Europeia e aproximá-la dos cidadãos europeus. Significa querer uma democracia europeia assente em cidadãos europeus, representados num Parlamento Europeu com poder de iniciativa legislativa. Não significa querer um Super-Estado Europeu que engula os Estados Membros actuais - antes pelo contrário.

Já há propostas no sentido de melhorar a democracia a nível europeu. Por exemplo, há existem propostas concretas de reforma do sistema eleitoral a nível europeu para o tornar mais aberto e para permitir às pessoas que votem em partidos europeus. Existe ainda a proposta de que o próximo Presidente da Comissão, apesar de ainda não eleito directamente, seja escolhido de entre candidatos que se apresentem como tal e façam campanha pelos vários Estados Membros a apresentar o seu programa.

Essas propostas merecem mais atenção mediática do que têm recebido, porque são também elas importantes para melhorar o funcionamento das instituições europeias. É urgente desenvolvermos o espaço público e o debate europeus de um prisma europeu, de forma a que problemas europeus sejam verdadeiramente tratados à escala europeia e com intervenção efectiva dos cidadãos e da sociedade civil organizada.

As decisões que os Estados tomam afectam os outros Estados. Temos gradualmente vindo a construir instituições formais que nos ajudam a lidar com isso. E agora precisamos de continuar essa construção, para solidificar a conquista das cidadania europeia e das quatro liberdades. Para conseguirmos uma União Europeia com maior legitimidade democrática directa junto dos cidadãos europeus. Para conseguirmos uma União Europeia mais sólida e mais capaz de responder aos desafios que se lhe colocam.

domingo, 17 de junho de 2012

Cinco curtas num início de tarde

1. A infantilização e a vitimização ajudam tanto como nada. Mas parecem ser a forma como alguns políticos gostam de tratar pessoas (infantilização) e a si próprios (vitimização). A culpa é sempre dos outros, quando não morra pura e simplesmente solteira, e o que importa é encontrar os "bons" e os "maus" para que no fim os "bons" possam "ganhar". Tipo filme de Hollywood do mais açucarado possível.

 2. Não há só treinadores de bancada no futebol. Há também em política. Basta ver a quantidade de gente que parece achar que resolveria todos os problemas de Portugal, da Europa e do Mundo em três tempos, com um conjunto de ideias simples e milagrosas. Na realidade, é tudo muito simples: basta que toda a gente no mundo veja como essas pessoas têm (obviamente) razão, e o mundo seria, naturalmente, muito melhor. 

3. A Economia não se resume a questões de produção e ao PIB. A Felicidade Interna Bruta não transcende a forma «económica» de ver o progresso e o bem-estar. Não há uma separação estanque entre «custos sociais», «custos ambientais» e «custos económicos». O PIB sempre foi uma aproximação àquilo que se considera "bem-estar", na medida em que é algo que é mensurável. Agora, estamos a tentar arranjar forma de medir outras coisas (há quem considere que é impossível) e inclui-las na análise, o que não torna a análise menos económica.

4. Eu gosto de filmes. Gosto de poesia e de prosa. Gosto de artes plásticas. Gosto de música. Sou, até, bastante ecléctico nos meus gostos. Penso também que todos os tipos de filmes, de literatura e de música são manifestações culturais. Mas também o são o futebol, o andebol ou o hóquei em patins. Também o são as touradas (que eu, pessoalmente, abomino) ou cerimónias de matança do porco (que também considero horríveis). Também o são um sem número de cerimónias religiosas e de festas populares. Nada disso significa que estas actividades devam ser subsidiadas. E principalmente, nada disto significa que as actividades que um conjunto de auto-proclamadas elites considerem como a melhor "cultura" devam ser subsidiadas.

5. Nem todas as formas de integração europeia são federalistas. Uma UE federal não significa o puro e simples fim dos Estados Membros, subsumidos num mega-Estado unitário europeu. Uma UE federal não significa também menos democracia; aliás, antes pelo contrário. Uma UE federal significa criar uma democracia transnacional, de forma a que existam instituições formais com maior legitimidade democrática que permitam lidar com questões com as quais não é possível lidar apenas ao nível dos Estados Membros. Tem de existir uma clara divisão de competências e tem de ser garantido um nível razoável de autonomia aos Estados-Membros. Tem de ser reforçada a cidadania europeia. E é neste sentido que eu gostava de ver a UE evoluir - daí considerar-me federalista europeu.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Eleições de ontem

Na Grécia, leio um pouco por todo o lado que 70% dos gregos defende continuar no euro. Nas eleições, que os conservadores da Nova Democracia quiseram por achar que as iam ganhar folgadamente, o partido de extrema-esquerda ficou em segundo lugar e entraram neo-nazis no Parlamento. A Nova Democracia, mesmo com bónus de 50 lugares por ter ganho, e mesmo coligando-se com o PASOK, não tem maioria absoluta.

O estado calamitoso da Grécia, que cortou salários e aumentou impostos (ao que sei), mas quanto a reformas estruturais, tem-se maioritariamente ficado por leis-quadro vazias de conteúdo, é o resultado da alternância governativa do PASOK e do Partido da Nova Democracia. Em especial, os conservadores, quando deixaram o poder em 2009, deixaram o Estado grego com as finanças públicas numa situação calamitosa, depois de mentirem sobre o seu verdadeiro estado a toda a gente na Europa.

O Governo do PASOK do Primeiro-Ministro Papandreou foi então forçado a pedir ajuda externa, que veio sob a forma de um empréstimo ligado ao cumprimento de um conjunto de políticas de austeridade. O Partido da Nova Democracia, preocupando-se essencial e fundamentalmente com o seu umbigo, foi fazendo joguinhos políticos de baixo nível, recusando hipocritamente a austeridade enquanto culpava o PASOK pela crise e pelo seu agudizar, num discurso populista e demagógico de pura conquista do poder.

Caído George Papandreou, depois de proposta referendária abortada, torna-se Primeiro-Ministro Lucas Papademos, independente, apoiado fundamentalmente pela Nova Democracia e pelo PASOK, bem como por outro partido mais pequeno. E mesmo por essas alturas, lembro-me bem de ouvir notícias sobre Antonis Samaras, líder da Nova Democracia, recusar-se pomposamente a assinar uma carta de apoio a medidas de austeridade.

Claro que depois o Governo de Papademos, apoiado pelo PASOK e pela Nova Democracia, lá teve de aplicar medidas de austeridade, mas estava a prazo. As eleições tinham sido o preço de Antonis Samaras para este aceitar a austeridade, convencido que estaria de que essas eleições eram favas contadas. Entretanto, o PASOK e a Nova Democracia perdiam gente para os extremos - p.ex. houve vários deputados ex-PASOK ontem eleitos pelo Syriza (de extrema esquerda).

O resultado das eleições tão queridas por Antonis Samaras e seus amigos da Nova Democracia foi uma subida vertiginosa dos extremos anti-pacote de austeridade. Antonis Samaras não conseguiu, entretanto, formar Governo. Passa agora o mandato para o líder do Syriza, que também tem poucas chances de o conseguir (passando seguidamente para o PASOK, e assim por diante). Pelo que o mais provável é que haja de novo eleições na Grécia.

Mas relembremos quem quis estas eleições e quem não deu qualquer apoio ao PASOK a partir de 2009, preferindo jogar à política pura de forma totalmente irresponsável: Antonis Samaras e a Nova Democracia. Por muitos problemas que o Governo de Papandreou tenha tido, por muito que não tenha conseguido implementar o programa com o qual se comprometeu, e por muito que o PASOK tenha sido um dos partidos que alternou no poder na Grécia, a verdade é que o PASOK alguma coisa tentou fazer quando chegou ao Governo - mesmo sabendo dos custos eleitorais potenciais. Antonis Samaras e seus amigos, esses, limitaram-se a brincar com o fogo. E agora todos se podem queimar.

Dou bem mais ênfase à eleição grega do que à eleição francesa porque a vitória de François Hollande não me convence, e porque a Grécia sair do euro, mesmo com 70% dos gregos a favor da manutenção da moeda única, seria um evento bem mais importante e traumático, apenas tornado mais fácil pela instabilidade criada pela irresponsabilidade e pela incapacidade de cooperar de forma diligente dos dois maiores partidos (e do calculismo político que saiu furado à Nova Democracia).

As medidas emblemáticas do incrível M. Hollande são a contratação de 60.000 professores numa altura em que a França se afoga em dívida pública, aumentar os impostos sobre rendimentos acima de € 1.000.000 para 70% (leia-se: toda a gente com rendimentos desse nível vai retirá-los de França, pelo que veremos se M. Hollande não acaba é a aumentar impostos à classe média) e diminuir a idade de reforma numa altura em que as pessoas começam a trabalhar mais tarde e vivem até mais tarde. A chegada de M. Hollande ao Eliseu vai ser um confronto bastante duro com a realidade, e das duas uma: ou M. Hollande cumpre o que prometeu, e agudiza os problemas já existentes em França, ou M. Hollande não cumpre o que prometeu, o que agudiza a falta de confiança do eleitorado na democracia, levando ao fortalecimento dos extremos (em particular, no caso da França, da extrema-direita).

M. Hollande terá ainda de se confrontar com a realidade a nível europeu. Propõe que haja um Acto Adicional (no que é habilmente secundado por António José Seguro) ao Pacto Orçamental, focando-se esse Acto Adicional no «crescimento económico». Quer «project bonds» (é mais provável que os consiga, mas o que devia estar a prometer devia ser um «upgrade» democrático da União Europeia), para usar dinheiro público para estimular a economia a nível europeu. E quer inflação, pois então - toca a desvalorizar o euro, cortando no valor de salários e poupanças, enquanto se brada contra políticas de baixos salários.

M. Hollande ganhou as eleições em França provavelmente com votos de alguns apoiantes da Frente Nacional. E veremos quais os resultados da Frente Nacional nas próximas eleições legislativas em França, bem como os resultados da extrema-esquerda. Tudo aponta para que o vencedor seja o Partido Socialista. Mas devemos continuar com os mesmos discursos anti-imigração da campanha presidencial que ameaçam a liberdade de circulação dentro da UE. A ver o que M. Hollande, que cortejou votos com retórica anti-imigração (claro que nunca a portuguesa, porque já há demasiados portugueses e descendentes de portugueses e convém ter esses votos), faz nesse domínio.

As eleições de ontem fizeram cair mais um governante que estava no poder quando a crise rebentou (Nicolas Sarkozy), ao que adicionou uma notável incapacidade de, como Presidente, fazer o que tinha prometido. Criaram ainda maior incerteza na Grécia, sendo muito provável que tenhamos eleições a muito curto prazo. E não resolveram problema nenhum estrutural na UE, porque ninguém anda a falar de federalismo e democracia a nível federal, apenas de estímulos públicos quando não há dinheiro, desvalorização do euro (e descredibilização do BCE) ou então de proteccionismos e nacionalismos vários.

Os federalistas deviam olhar para os resultados de ontem e pensar se não faria sentido começar a articular claramente uma visão de uma União Europeia federal, com uma democracia mais aprofundada, com os mecanismos para lidar com uma crise como esta. Deviam deixar de dar a iniciativa a partidos como o Syriza ou a Frente Nacional e deixarem-se de conversas fiadas sobre um «Acto Adicional» sobre crescimento (como se se criasse crescimento por decreto).

A União Europeia é uma conquista demasiado preciosa para deitarmos tudo a perder, mas encontra-se sob ataque cerrado de populistas de ambos os extremos. É preciso que os federalistas se unam em torno dessa ideia e formulem planos concretos para a federalização e maior democratização políticas da União Europeia. Porque não basta dizer que se é federalista. É preciso fazer alguma coisa para que as palavras e as intenções passem a ser realidade.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

«Depois de sexta-feira continuamos a ser europeus?»

Hoje foi o último dia do debate «online» que a Fundação Francisco Manuel dos Santos promoveu relativamente à questão: «Até que ponto somos europeus?»

 Queria deixar aqui a segunda e última intervenção de Miguel Poiares Maduro no debate (com parágrafos, para facilitar a leitura; o negrito é também meu): 

«Também longo... Inevitavelmente este debate transformou-se numa discussão sobre a cimeira (o que apenas confirma que, quer queiramos quer não somos parte da Europa e o que temos de discutir é que Europa...infelizmente ou não os custos de deixar de cooperar num contexto de tal interdependência são muito superiores a ter de aceitar coisas com que não estamos de acordo; ou muito me engano ou Cameron irá descobrir isso). Estou menos pessimista que o Rui (ou se calhar quero ajudar a construir uma narrativa mais otimista com medo do que os mercados façam se a narrativa é pessimista...).

É verdade que a cimeira oferece pouco no que concerne o problema fundamental da Europa no momento: liquidez! (como o Rui acredito que isto é fundamental, embora existam várias alternativas e a minha preferência não vai para a proposta simples do Stuart Holland que não acho tão simples...). Mas (e é por isso que os mercados na sexta nos pouparam embora não esteja seguro que por muito tempo) a suposição é que esta declaração anunciando um novo tratado é parte de um acordo que leva a Alemanha a aceitar ou um outro tipo de intervenção do BCE (para ser honesto como jurista, complicado à luz dos tratados) ou Eurobonds etc. Na verdade, lendo bem a declaração muito fica em aberto (seguramente, ao contrário do Rui, não creio que o caminho seja necessariamente intergovernamental – na verdade a Comissão está muito presente no pouco que a declaração concretiza - e espero bem que não seja).

Acho que o fundamental está para vir e três coisas são fundamentais:

1) Que a nova disciplina não seja tal que elimine o espaço da política (eu só um defensor de que os défices orçamentais exigem alguma disciplina externa pois colocam problemas democráticos intergeracionais mas isso não deve ser levado ao ponto de cristalizar uma determinada visão política; este é o aspeto em que a declaração é mais preocupante); 


2) Que se defina não apenas um governo do euro mas um modelo democrático de governo do euro (não no sentido retórico mas no sentido de uma igual legitimidade e responsabilidade perante todos os cidadãos; paradoxalmente quanto menos intergovernamental for melhor para esta circunstância; o pior que nos trouxe o Tratado de Lisboa é aquilo que, quando ainda se negociava o Tratado Constitucional, eu designei de intergovernamentalismo maioritário! A expressão política deste sistema institucional é o que se designa vulgarmente de diretório; o que é paradoxal é que aqueles que mais defenderam a soberania nacional são os que mais contribuíram para ele... na verdade, um sistema institucional (repito institucional) federal era bem melhor para os cidadãos dos pequenos e médios Estados (esperemos que o debate em Portugal e, em consequência, a nossa participação se faça de forma mais informada...);

3) Para que o 2 se possa atingir é fundamental mudar (e criar) o discurso político europeu.

Para isso já fiz no passado algumas propostas. Já no contexto desta crise vejam mas há uns meses (temo que em inglês): http://www.project-syndicate.org/commentary/maduro1/English Ainda mais antigo vejam as propostas sugeridas em http://www1.ionline.pt/conteudo/5973-eleicoes-europeias-tudo-menos-europeias

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

União fiscal e títulos de dívida europeia

A Alemanha (e não só) tem andado a falar de criar uma união fiscal na União Europeia. Pessoalmente, defendo a criação de impostos europeus que sejam a principal fonte de financiamento da União Europeia e penso que parte da solução dos problemas que vivemos actualmente passa por aí. Pela existência de um Orçamento europeu verdadeiramente europeu e que vai buscar as suas receitas directamente aos cidadãos europeus, sem intermediação dos Estados Membros.

Penso que criar um verdadeiro Ministério das Finanças europeu, que não servisse para coordenar ou dirigir os Ministérios das Finanças dos Estados Membros, mas sim para preparar um Orçamento europeu para apresentar a um Senado Europeu (directamente eleito pelos cidadãos europeus) e ao Parlamento Europeu para aprovação simplificaria enormemente o actual processo orçamental e torná-lo-ia também mais transparente.

Os impostos europeus como principal fonte de financiamento da UE teriam o mesmo efeito, pois os cidadãos passariam a conseguir mais facilmente verificar quanto pagam pela UE. Penso ainda que o pagamento de impostos directamente à UE ajudaria a aproximar os cidadãos da própria UE, dado que deixariam de existir os actuais intermediários. Nesse momento, o cidadão europeu saberia que estava a contribuir directamente para o financiamento da UE. Parece-me que isto ajudaria a que as pessoas se sentissem parte da UE enquanto tal.

Isto porque seriam verdadeiramente tratadas como cidadãs europeias. Deixaria de existir a espécie de «coeficiente de Estado» que existe hoje, em que alguns Estados contribuem mais e outros menos com base no seu estatuto enquanto Estado. O que passaria a ser relevante seria a pessoa enquanto tal, individualmente considerada. E isto é necessário se quisermos uma União Europeia mais democrática e uma União Europeia mais focada nos cidadãos e menos nos Estados.

A União Europeia passaria a ter de apelar directamente aos cidadãos europeus, sem intermediários, e as suas instituições teriam maior capacidade para se imunizar contra influência indevida de certos Estados. Afinal, o poder passaria a residir mais directamente nos cidadãos e nas instituições europeias enquanto tal, principalmente aquelas que os representassem directamente (Parlamento Europeu e Senado Europeu).

Diga-se, aliás, que a união fiscal é uma condição necessária para que seja possível emitir, de forma razoável, «eurobonds». Aliás, assim seria possível emitir «verdadeiros» «eurobonds»: títulos de dívida europeia de uma União Europeia federal. E a ser emitida dívida europeia, eu defendo que esta deve ser constitucionalmente limitada, em moldes similares às regras que hoje existem na Zona Euro.

Uma verdadeira federação europeia com o verdadeiro Orçamento europeu e impostos europeus seria bem mais transparente do que o actual sistema e aproximaria a União Europeia dos cidadãos europeus, dado que estes passariam a ser tratados enquanto tal e teriam maior capacidade de «sentir» o seu contributo para a União Europeia. O que os tornaria mais capazes de lhe pedir prestação de contas. E tornaria ainda a União Europeia capaz de emitir dívida (com a regra que eu mencionei, de preferência).

Passa por aqui, na minha opinião, parte da solução para a crise das dívidas soberanas. Não basta falar de «eurobonds» ou de «uniões fiscais». É preciso redesenhar o desenho institucional da UE e conferir-lhe os recursos próprios necessários para que se autonomize dos Estados e se aproxime dos cidadãos.

P.S. Recomendo a leitura deste texto da eurodeputada neerlandesa da ALDE Sophie in't Veld: An Alliance for Europe.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Federalismo Europeu (II)

A estrutura complexa e confusa da União Europeia é frequentemente objecto de críticas. É considerada pouco transparente, pouco intuitiva e muito afastada dos cidadãos. Finalmente, a UE é sistematicamente acusada de ter um défice de legitimidade democrática.

Todos estes problemas estão interligados e, a meu ver, têm uma causa comum: a soberania nacional. A estrutura é complexa, confusa, pouco intuitiva e pouco transparente porque no seu ADN permanece uma preocupação com a defesa da soberania nacional dos Estados Membros.

 É a soberania nacional que justifica regras de maioria qualificada bizantinas. É a soberania nacional que justifica a existência do Conselho Europeu. É a soberania nacional que justifica a existência de um mecanismo de controlo da aplicação do princípio da subsidiariedade que envolve os parlamentos nacionais.

A constante preocupação em salvaguardar a posição dos Estados Membros enquanto tal na estrutura da União Europeia torna-a, portanto, mais complexa. Torna também mais difícil tomar decisões enquanto União Europeia em questões fundamentais, como seja a resolução da crise das dívidas soberanas.

A União Europeia continuar a ser pensada como um conjunto de Estados, remetendo a cidadania europeia para segundo plano, dificulta a emergência de verdadeiros debates públicos a nível europeu, envolvendo directamente os cidadãos, enquanto cidadãos europeus, e a sociedade civil europeia em geral.

Os problemas europeus são sistematicamente caracterizados como competições entre os diversos Estados-Membros e as negociações como braços de ferro. O nacionalismo é louvado e promovido: os «outros» são diferentes de nós, querem fazer-nos mal, querem dominar-nos e nós não podemos deixar.

 No debate político, as pessoas são enjauladas em «nações», corporizadas num «Estado-Nação», e perdem a sua identidade individual. O conceito de «Estado-Nação», assente numa «soberania nacional», que existe para defender um «interesse nacional», tornou-se tão enraizado que é difícil fazer-lhe frente.

 Neste momento de crise, a União Europeia está a ser posta à prova, incluindo a sua estrutura institucional. Os soberanistas defendem que o problema é integração a mais e não têm tido resposta suficiente de federalistas que digam, preto no branco, que não. Que o problema é integração a menos.

A falta de integração política leva a que seja mais difícil tomar decisões porque o sistema encoraja a cooperação, mas não o suficiente. Problemas europeus são «nacionalizados» e tratados como se fossem problemas de cada Estado Membro, quando na realidade o que se passa num Estado-Membro afecta todos os outros.

A falta de integração política leva à existência de uma estrutura complexa que, se para algumas áreas já consegue dar resposta, para áreas fundamentais ainda não o consegue fazer. Simplificar o sistema torná-lo-ia mais capaz de lidar com problemas complexos e delicados e também mais compreensível para os cidadãos.

Tornando o sistema mais compreensível, seria mais fácil aos cidadãos exercer o seu direito de escrutínio. Da mesma forma que financiar a UE primordialmente através de impostos europeus tornaria mais fácil aos cidadãos aperceberem-se quer do custo da UE, e pedir contas, quer do facto de estarem a contribuir directamente para o funcionamento da mesma com o seu dinheiro.

 Um sistema federal deveria assentar primordialmente, na minha opinião, nos cidadãos europeus e nos seus representantes do Parlamento Europeu, bem como na sociedade civil europeia. A União Europeia não estaria assente numa «nação» mas sim em «cidadãos», cada qual com as suas preferências e ideias.

 O «Estado-Nação», mito com raízes oitocentistas que ainda hoje nos persegue, tem de ser posto em causa. Os ideais proteccionistas e nacionalistas que lhe estão assentes servem para fomentar conflitos, não para os resolver. Servem também para categorizar indivíduos e reduzi-los a meras manifestações de um certo colectivo.

 A União Europeia deve servir para ultrapassar este modelo de organização social. Bem sei que existe o risco de emergir um nacionalismo europeu para substituir os nacionalismos dos Estados Membros, provavelmente caracterizado por um anti-americanismo primário. É preciso, também, resistir a que isso aconteça.

A evolução da União Europeia para uma federação que garantisse liberdade de circulação de pessoas, bens, capital, serviços e tecnologia, que respeitasse o princípio da subsidiariedade e assente num corpo de cidadãos encarados enquanto tal, seria uma solução estrutural para os problemas que nos assolam. Cada passo nesse sentido é importante. Combater o nacionalismo típico das crises, por sua vez, é urgente.

domingo, 18 de setembro de 2011

Federalismo Europeu

Está na altura de discutir federalismo a sério e isso não se resume a discussões sobre mutualização de dívida pública, aumentos do orçamento da UE ou ideias sobre agências de «rating» europeias autónomas. Não, nada disto é discutir federalismo e resume-se apenas a discutir remendos, ainda por cima ineficazes, para a crise das dívidas soberanas.

Em vez disto, está na altura de fomentarmos a emergência de um espaço público europeu, no qual tenha lugar um verdadeiro debate a nível europeu sobre questões europeias. Numa altura em que a UE já tem tanta importância nas nossas vidas, é incompreensível como as questões europeias são sistematicamente ignoradas no debate público em Portugal, quer pelos políticos, quer pela comunicação social. (E quem fala em Portugal, fala do resto dos Estados Membros.)

Está na altura de falarmos não de «eurobonds» e de fortalecimento do orçamento da UE, mas sim de garantir que a UE se consegue financiar junto dos cidadãos europeus, que pagariam impostos europeus para financiar um orçamento europeu mais transparente e com um processo orçamental mais compreensível. (Bem sei que já há «impostos europeus», mas as transferências dos Estados-Membros continuam ser a principal fonte de financiamento da UE e isso tem de mudar.)

A dívida europeia seria dívida de um Estado federal europeu. Existiria um verdadeiro Ministério das Finanças europeu para lidar com questões orçamentais, em relação às quais o Parlamento Europeu passaria a ter importância decisiva. Aliás, o Parlamento Europeu passaria a ter uma influência decisiva em geral, passando a ter poder em todas as áreas de governação, ao passo que o poder do Conselho seria diminuído, acabando-se ainda com a comitologia.

A Comissão Europeia passaria a consistir num verdadeiro Governo europeu, prestando contas perante o Parlamento Europeu (algo que já faz, em abono da verdade). A política externa e a política de defesa seriam federalizadas. Não precisamos de 27 (em breve 28) forças armadas sem grande capacidade para intervir (como se viu na Líbia) e também não precisamos de 27 sistemas de embaixadas e consulados.

Nós não comemos «soberania nacional» mas demasiada gente come simplesmente à custa dela e de todos os outros. O proteccionismo que a «soberania nacional» representa serve para agudizar a crise e para retirar legitimidade democrática e transparência ao funcionamento da União Europeia, separando-a dos cidadãos e tornando o seu funcionamento mais complexo, burocrático e ineficiente.

Sobre «eurobonds», este artigo de Otmar Issing parece-me particularmente elucidativo: o que queremos é uma verdadeira união política, transparente e com legitimidade democrática. Concordo plenamente com o que é escrito no artigo e, sendo federalista, não concordo com as «eurobonds» na forma em que estão a ser propostas.

Sobre a agência de «rating» europeia autónoma, em resumo, uma agência de «rating» criada desta forma não teria qualquer credibilidade. E, sendo criada para «ajudar» a UE, não teria nenhum interesse, porque o objectivo deve ser ter «ratings» imparciais. Finalmente, já existem agências de «rating» «europeias» no mercado, incluindo uma portuguesa, e quem quiser usar as suas notações, tem-nas disponíveis.

O objectivo final numa federação europeia seria aproximar a UE dos cidadãos europeus, não criar mais entidades burocráticas como esta agência europeia de «rating». Seria transformar a UE numa entidade mais eficiente, mais transparente, mais capaz de actuar como um garante de paz e prosperidade no continente europeu, seus objectivos últimos desde a sua fundação.

Um verdadeiro debate sobre federalismo europeu, fundamental neste momento de crise das dívidas soberanas, em que é necessário debater mudanças estruturais não apenas nos Estados Membros, mas também na UE, passa pelos vários temas que eu listei acima. Mas não são estes os debates que temos tido, mesmo da parte de federalistas.

Poder-se-á considerar que esta agenda é demasiado radical. Poder-se-á pensar que a soberania nacional não pode ser posta em causa por questões de pragmatismo político. Mas se não forem os federalistas a levantar estas questões, colocá-las em cima da mesa e, no fim, tentar ganhar o debate, quem o fará? Preferimos mesmo continuar a ver a UE evoluir de forma afastada dos cidadãos europeus, facilitando a vida de eurocépticos de várias estirpes, que se aproveitam da nossa ausência para promover todo a espécie de mitos nefastos sobre a UE?

P.S. Sobre este tema, a ler também este artigo de Wolfgang Münchau no FT.