"Deve haver um dia em que a sociedade, como os indivíduos, chegue à maioridade." - Alexandre Herculano
sábado, 6 de outubro de 2012
Banco de fomento público e número de deputados
António José Seguro andar a propor esta ideia agora, sem apresentar qualquer pormenor sobre a mesma (que eu tenha visto, pelo menos), é desde logo ridículo. A ideia não é propriamente de uma grande originalidade, e o tempo que António José Seguro já leva na liderança do PS é mais que suficiente, parece-me, para estudar o assunto e apresentar a ideia acompanhada de um estudo e de uma explicação cabal sobre como funcionaria o banco de fomento. Mas isto é apenas mais uma demonstração da falta de qualidade endémica a todos os partidos portugueses nesta área da apresentação de políticas concretas para tentar resolver os problemas do país.
Diga-se que António José Seguro podia falar com Paulo Portas sobre estas suas ideias de fomento através de bancos. Lembro-me de Paulo Portas querer que a Caixa Geral de Depósitos funcionasse precisamente como banco de fomento. Depois, António José Seguro podia explicar ao país qual o papel da Caixa no seu plano de investimento público - como se conjugaria a Caixa com este seu novo banco de fomento público.
Alguém explique a António José Seguro que o que a economia portuguesa precisa para se tornar competitiva não é de um banco de fomento público, e portanto com liderança escolhida politicamente (como a da CGD), a decidir quais os projectos que merecem ir em frente e quais não, utilizando dinheiro público no processo, numa óptica de dirigismo central da economia e, na prática, de distorção da concorrência - as condições oferecidas por um banco de fomento público nunca serão as mesmas que as oferecidas por um banco privado, porque o banco de fomento público tem uma almofada estatal bem mais forte.
O que a economia portuguesa precisa é exactamente do oposto. Precisamos que sejam os consumidores a escolher quais as empresas que sobrevivem, e precisamos que a concorrência deixe de ser sistematicamente distorcida por intervenções estatais. Não precisamos de um banco de fomento público a escolher projectos agradáveis politicamente e que, ainda por cima, depois teriam de funcionar (sob pena de descredibilizar o banco de fomento), pelo que criariam um incentivo a que o Estado continuasse eternamente a apoiar esses projectos, independentemente de qualquer racionalidade económica em fazê-lo.
Nós precisamos de descentralizar o poder económico e não de criar entidades que se tornem o epicentro de crises sistémicas caso tenham problemas - que é o que aconteceria ao banco de fomento, que, no momento em que tivesse problemas, criaria um problema sistémico grave para a economia portuguesa. Nós precisamos de um Estado que deixe de se considerar omnisciente e deixe de querer dirigir a economia portuguesa e que deixe de promover uma dependência dos nossos empresários em relação a crédito público.
Precisamos, também, de separar os bancos do Estado - como aliás esta crise que vivemos me parece ter demonstrado de forma cristalina. Criar mais um banco público é precisamente o oposto desta ideia, e serve para o Estado ter uma posição ainda maior num mercado que deveríamos querer mais concorrencial.
Isto tudo aplica-se ao banco de fomento que António José Seguro quer criar, mas também se aplica à Caixa Geral de Depósitos. O objectivo devia ser que as empresas que precisam de crédito sejam capazes de o encontrar em bancos privados, que lho dariam com base numa análise aturada do projecto da empresa, e que as empresas pudessem procurar esse crédito num mercado cada vez mais alargado e além-fronteiras (e.g. o mercado europeu). O objectivo devia ser criar as condições necessárias para que haja «venture capital» privado em Portugal, em vez de «venture capital» público a tirar espaço a empresas privadas - o que, aliás, aconteceria também com o banco de fomento público.
A ideia do banco de fomento público demonstra que António José Seguro continua preso ao modelo de desenvolvimento que desembocou na crise económica, financeira e política que hoje vivemos. O facto de apresentar propostas de diminuição do número de deputados sem apresentar propostas para abrir o sistema eleitoral demonstra que ou continua sem perceber os problemas institucionais do nosso sistema político, ou então percebe e prefere ignorá-los em nome de uma proposta demagógica e que não resolveria problema nenhum - mas que os causaria (p.ex. Portalegre já só elege dois deputados - quantos elegeria com o plano de António José Seguro?).
António José Seguro continua apegado à ideia de centralizar poder, de o concentrar nas mãos do Estado central, e não fala na abertura do sistema político que tão necessária é. E continua sem um programa de cortes na despesa do Estado para explicar exactamente o que faria de diferente do Governo actual.
Com António José Seguro, não temos mudança de paradigma. Continuamos com as ideias centralizadoras de sempre, banhadas em populismo e frases feitas. Mas sinceramente, seria difícil esperar mais de António José Seguro.
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Federalismo Europeu (II)
Todos estes problemas estão interligados e, a meu ver, têm uma causa comum: a soberania nacional. A estrutura é complexa, confusa, pouco intuitiva e pouco transparente porque no seu ADN permanece uma preocupação com a defesa da soberania nacional dos Estados Membros.
É a soberania nacional que justifica regras de maioria qualificada bizantinas. É a soberania nacional que justifica a existência do Conselho Europeu. É a soberania nacional que justifica a existência de um mecanismo de controlo da aplicação do princípio da subsidiariedade que envolve os parlamentos nacionais.
A constante preocupação em salvaguardar a posição dos Estados Membros enquanto tal na estrutura da União Europeia torna-a, portanto, mais complexa. Torna também mais difícil tomar decisões enquanto União Europeia em questões fundamentais, como seja a resolução da crise das dívidas soberanas.
A União Europeia continuar a ser pensada como um conjunto de Estados, remetendo a cidadania europeia para segundo plano, dificulta a emergência de verdadeiros debates públicos a nível europeu, envolvendo directamente os cidadãos, enquanto cidadãos europeus, e a sociedade civil europeia em geral.
Os problemas europeus são sistematicamente caracterizados como competições entre os diversos Estados-Membros e as negociações como braços de ferro. O nacionalismo é louvado e promovido: os «outros» são diferentes de nós, querem fazer-nos mal, querem dominar-nos e nós não podemos deixar.
No debate político, as pessoas são enjauladas em «nações», corporizadas num «Estado-Nação», e perdem a sua identidade individual. O conceito de «Estado-Nação», assente numa «soberania nacional», que existe para defender um «interesse nacional», tornou-se tão enraizado que é difícil fazer-lhe frente.
Neste momento de crise, a União Europeia está a ser posta à prova, incluindo a sua estrutura institucional. Os soberanistas defendem que o problema é integração a mais e não têm tido resposta suficiente de federalistas que digam, preto no branco, que não. Que o problema é integração a menos.
A falta de integração política leva a que seja mais difícil tomar decisões porque o sistema encoraja a cooperação, mas não o suficiente. Problemas europeus são «nacionalizados» e tratados como se fossem problemas de cada Estado Membro, quando na realidade o que se passa num Estado-Membro afecta todos os outros.
A falta de integração política leva à existência de uma estrutura complexa que, se para algumas áreas já consegue dar resposta, para áreas fundamentais ainda não o consegue fazer. Simplificar o sistema torná-lo-ia mais capaz de lidar com problemas complexos e delicados e também mais compreensível para os cidadãos.
Tornando o sistema mais compreensível, seria mais fácil aos cidadãos exercer o seu direito de escrutínio. Da mesma forma que financiar a UE primordialmente através de impostos europeus tornaria mais fácil aos cidadãos aperceberem-se quer do custo da UE, e pedir contas, quer do facto de estarem a contribuir directamente para o funcionamento da mesma com o seu dinheiro.
Um sistema federal deveria assentar primordialmente, na minha opinião, nos cidadãos europeus e nos seus representantes do Parlamento Europeu, bem como na sociedade civil europeia. A União Europeia não estaria assente numa «nação» mas sim em «cidadãos», cada qual com as suas preferências e ideias.
O «Estado-Nação», mito com raízes oitocentistas que ainda hoje nos persegue, tem de ser posto em causa. Os ideais proteccionistas e nacionalistas que lhe estão assentes servem para fomentar conflitos, não para os resolver. Servem também para categorizar indivíduos e reduzi-los a meras manifestações de um certo colectivo.
A União Europeia deve servir para ultrapassar este modelo de organização social. Bem sei que existe o risco de emergir um nacionalismo europeu para substituir os nacionalismos dos Estados Membros, provavelmente caracterizado por um anti-americanismo primário. É preciso, também, resistir a que isso aconteça.
A evolução da União Europeia para uma federação que garantisse liberdade de circulação de pessoas, bens, capital, serviços e tecnologia, que respeitasse o princípio da subsidiariedade e assente num corpo de cidadãos encarados enquanto tal, seria uma solução estrutural para os problemas que nos assolam. Cada passo nesse sentido é importante. Combater o nacionalismo típico das crises, por sua vez, é urgente.
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
A democracia não é uma economia de mercado: cidadania e descentralização precisam-se!
Num mercado que funcione bem, os interesses do indivíduo alinham-se com os interesses do colectivo. Do mérito e do trabalho, o indivíduo terá normalmente a sua recompensa. E do mérito e do trabalho desse indivíduo, a sociedade beneficia. Todos ficam satisfeitos. É sabido que existem limitações a este modelo um pouco utópico de funcionamento da economia, mas ele é suficientemente próximo da realidade para reconhecermos que esta é a melhor forma de ter uma economia a funcionar, com alguns ajustes.
A democracia política não funciona assim. A probabilidade de algum dia um voto nosso fazer a diferença numas eleições é pouco maior do que nada. Para quê o aborrecimento, então? Ainda assim muitos de nós vão votar, por uma questão de consciência cívica. Se isto por um lado prova que a assunção homo economicus de egoísmo puro no comportamento humano tem mesmo limites, por outro lado indica-nos que o esforço e o mérito da acção do cidadão, na política, serão tremendamente menos estimulados do que numa economia de mercado...
Para votar bem não é suficiente saír do sofá no Domingo à tarde e fazer uma cruz. Para votar bem (e ser exigente e justo com quem votamos) é necessário estar atento, passar da análise superficial, perceber a complexidade da política e escrutinar em consciência dos factos. Isto dá muito trabalho, e requer mérito, ao cidadão. Os nossos media de horário nobre, essencialmente superficiais e inúteis, são um resultado do oposto. O cidadão médio português em geral aprofunda pouco a sua análise política, e não é exigente com os políticos (queixume não é exigência, para se ser exigente é preciso conhecer a realidade, e ser crítico na crítica).
Em democracia, temos que contar com a exigência do voto uns dos outros. Mas porque a democracia não funciona como uma economia de mercado, isso só poderá acontecer através de uma maior consciência cívica*. Mais Cidadania, precisa-se!
E uma democracia torna-se mais parecida com uma economia de mercado se as pessoas tiverem mais influência nas decisões tomadas. As pessoas terão também melhor informação sobre os políticos – e com ela poderão ser mais exigentes – se estiverem próximas das acções deles. Por isso, Descentralização, precisa-se!
* Não ir votar pode ser entendido como um sinal de desresponsabilização do cidadão, e de fraca exigência para com os políticos (e eles sentem isso). Um colega deste blog argumentava que qualquer cidadão tem a liberdade de não votar. É verdade, mas nesse caso pode fazer sentido criticá-lo, porque entre outros a cidadania também pode ser estimulada pelo poder da crítica.
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Descentralização, um caminho para o desenvolvimento económico
A discussão acerca da descentralização em Portugal é recorrente, seja pelo facto da constituição da república prever a implementação de regiões administrativas seja pela necessidade sentida pelas populações, fora dos dois grandes centros urbanos (Lisboa e Porto), de controlarem as políticas de uma forma mais próxima. Porém, parece-me pertinente começar por distinguir dois conceitos que surgem muitas vezes, erroneamente, como um só: regionalização e descentralização.
A descentralização consiste, de forma muito resumida, numa transferência de poderes e responsabilidades de um nível territorial superior (nível nacional) para sub-níveis territoriais. Por sua vez, a regionalização é apenas uma das formas de organização territorial que, apesar de implicar um maior ou menor nível de descentralização, não encerra em si todas as possibilidades descentralização.
Neste sentido, quando falamos de um processo de regionalização em Portugal, estamos a referir-nos apenas a uma forma possível de descentralização, que consiste na criação de um nível administrativo intermédio, entre os municípios e o poder central. Existem, no entanto, outras formas de descentralização, como por exemplo através do sistema municipal. Neste caso, a descentralização opera-se através da transferência de poderes e responsabilidades do poder central para o poder autárquico.
Independentemente da forma adoptada para a descentralização, parece cada vez mais evidente a existência de uma relação positiva entre o nível de descentralização e o desenvolvimento económico. Exemplo disso são os resultados de um estudo levado a cabo pela Assembleia das Regiões (2009), segundo o qual existe uma relação directa entre o nível de descentralização (neste caso foram analisadas as regiões e não os municípios) dos países e o seu desenvolvimento económico.
Este estudo teve em conta o índice de descentralização a três níveis: descentralização administrativa (por exemplo se existe um conjunto de funcionários públicos com tabelas salariais próprias ao nível regional), descentralização funcional (i.e. poder das regiões para implementar as politicas, por exemplo, politicas educativas), descentralização política (por exemplo, a existência de um governo regional), descentralização vertical (i.e. a autonomia das regiões para a distribuição do poder de forma hierárquica) e descentralização financeira (por exemplo, a possibilidade das regiões criarem impostos).
No que diz respeito a Portugal, este estudo incidiu apenas nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, uma vez que não existem outras regiões (ou municípios) autónomas. Em termos de resultados globais, Portugal apresenta um nível de descentralização inferior ao da média europeia, sendo que apresenta valores superiores apenas no sub-índice descentralização funcional e descentralização política.
Tendo em conta os resultados deste estudo, parece evidente que o caminho para o desenvolvimento económico do país tem de passar por uma maior descentralização. Isto é ainda mais evidente quando as regiões nacionais que foram estudadas, são vistas em Portugal com elevado nível de descentralização, mas pelo comité das regiões com um índice de descentralização abaixo da média.
Estudo da Assembleia das Regiões