Num mercado que funcione bem, os interesses do indivíduo alinham-se com os interesses do colectivo. Do mérito e do trabalho, o indivíduo terá normalmente a sua recompensa. E do mérito e do trabalho desse indivíduo, a sociedade beneficia. Todos ficam satisfeitos. É sabido que existem limitações a este modelo um pouco utópico de funcionamento da economia, mas ele é suficientemente próximo da realidade para reconhecermos que esta é a melhor forma de ter uma economia a funcionar, com alguns ajustes.
A democracia política não funciona assim. A probabilidade de algum dia um voto nosso fazer a diferença numas eleições é pouco maior do que nada. Para quê o aborrecimento, então? Ainda assim muitos de nós vão votar, por uma questão de consciência cívica. Se isto por um lado prova que a assunção homo economicus de egoísmo puro no comportamento humano tem mesmo limites, por outro lado indica-nos que o esforço e o mérito da acção do cidadão, na política, serão tremendamente menos estimulados do que numa economia de mercado...
Para votar bem não é suficiente saír do sofá no Domingo à tarde e fazer uma cruz. Para votar bem (e ser exigente e justo com quem votamos) é necessário estar atento, passar da análise superficial, perceber a complexidade da política e escrutinar em consciência dos factos. Isto dá muito trabalho, e requer mérito, ao cidadão. Os nossos media de horário nobre, essencialmente superficiais e inúteis, são um resultado do oposto. O cidadão médio português em geral aprofunda pouco a sua análise política, e não é exigente com os políticos (queixume não é exigência, para se ser exigente é preciso conhecer a realidade, e ser crítico na crítica).
Em democracia, temos que contar com a exigência do voto uns dos outros. Mas porque a democracia não funciona como uma economia de mercado, isso só poderá acontecer através de uma maior consciência cívica*. Mais Cidadania, precisa-se!
E uma democracia torna-se mais parecida com uma economia de mercado se as pessoas tiverem mais influência nas decisões tomadas. As pessoas terão também melhor informação sobre os políticos – e com ela poderão ser mais exigentes – se estiverem próximas das acções deles. Por isso, Descentralização, precisa-se!
* Não ir votar pode ser entendido como um sinal de desresponsabilização do cidadão, e de fraca exigência para com os políticos (e eles sentem isso). Um colega deste blog argumentava que qualquer cidadão tem a liberdade de não votar. É verdade, mas nesse caso pode fazer sentido criticá-lo, porque entre outros a cidadania também pode ser estimulada pelo poder da crítica.
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