sábado, 5 de fevereiro de 2011

O Falhanço do Multiculturalismo e o Financiamento das Religiões

"Let's properly judge these organisations: Do they believe in universal human rights - including for women and people of other faiths? Do they believe in equality of all before the law? Do they believe in democracy and the right of people to elect their own government? Do they encourage integration or separatism?

"These are the sorts of questions we need to ask. Fail these tests and the presumption should be not to engage with organisations"


Depois de Angela Merkel, é a vez de David Cameron pôr o dedo na ferida: o multiculturalismo falhou.


A questão não está em dizer que a convivência de múltiplas culturas, o pluralismo cultural, tenha falhado. A questão está em dizer que:
a) a "cultura" não é um bem em si
b) ela deve submeter-se a princípios que estão acima dela, como sejam os direitos humanos
c) a relação entre o Estado e as religiões tem de ser repensada.

O discurso dominante ainda é o de tapar o sol com a peneira e dizer que o mal não está nas religiões, mas nas pessoas. Está errado. Se uma ideia (como o nazismo, o comunismo, o cristianismo ou o islamismo) sistematicamente conduz a situações catastróficas, então o mal não pode estar apenas nas pessoas. O próprio sistema de ideias em causa é inevitavelmente mau.

Mas não precisamos de ir tão longe. Podemos fingir que o cristianismo e o islamismo são compatíveis com a democracia e os direitos humanos. Porque o que conta é a posição entre o Estado e as "culturas". Deve o Estado apoiar e financiar ideologias ou culturas particulares? Se sim, com que critérios?

A minha resposta, claramente, é não. Mas vou fazer ainda outra concessão. Aceitemos que o Estado financie, por exemplo, crenças religiosas. Deve fazer-lo indiscriminadamente? Deve dar o mesmo a todas? Deve ter em conta a antiguidade de cada uma no território nacional? Deve ter em conta o número de aderentes? Deve dar sem nada pedir em troca?

Resposta à primeira pergunta: não conheço ninguém que o defenda. A segunda pergunta reflecte aquilo que, por exemplo, está inscrito na lei portuguesa, o que, sendo um mecanismo de defesa contra cultos e seitas, não deixa de ser injusto para com as escolhas religiosas dos indivíduos. A terceira é a mais plausível, mas aferir o número de aderentes de determinado culto é difícil. Talvez a única forma seja pelos censos - o que coloca a questão de saber para onde iria a fatia do dinheiro dos ateus e agnósticos. Na Bélgica, existe o que se chama "laicidade organizada", gozando do mesmo estatuto das religiões tradicionais.

A quarta pergunta vai ao cerne do problema. Quem paga por algo, paga em troca de alguma coisa. Faz sentido um Estado democrático e liberal financiar igrejas ou seitas extremistas que pretendem acabar com esse mesmo Estado? Por que motivo pode o dinheiro público ser entregue a imãs radicais e gente da Opus Dei, mas não a gangues de skinheads? Qual é, ao fim e ao cabo, a diferença fundamental entre alguém que prega e pratica o ódio em nome de uma ideologia nascida há dois mil ou há mil e quinhentos anos, e alguém que prega e pratica o ódio em nome de uma ideologia nascida há oitenta anos? Pode a antiguidade fazer da imbecilidade uma virtude?

A questão que Cameron coloca resolver-se-ia se o Estado deixasse de promover culturas, religiões ou estilos de vida. Um Estado verdadeiramente liberal solucionaria o problema garantindo as mais amplas liberdades individuais, direito de organização dos cidadãos em comunidades autofinanciadas e repressão de qualquer tentativa de coarctar as liberdades alheias em nome de ideologias.

1 comentário:

  1. Caro Igor
    Pessoalmente considero-me de uma fé, cristã, mas que não é predominante em Portugal, sou cristão evangélico.
    Como tal perante as tuas afirmações devo declarar o seguinte:
    1- Sou contra o financiamento de toda e qualquer religião (igreja, seita, etc.) por parte do Estado;
    2- No entanto creio que, independentemente do número de membros, antiguidade, ou outros critérios, todas as organizações religiosas devem ser tratadas da mesma forma pelo Estado;
    3- Acredito profundamente que ser liberal e não aceitar que deve existir liberdade religiosa é um contrasenso brutal;
    4- Culpar o cristianismo como um todo pelo mal que algumas facções têm feito em nome do cristianismo é redutor, abusivo, intolerante e sobretudo é ligeireza, para não dizer ignorância;
    5- As organizações religiosas em países como Portugal prestam importantes serviços às sociedade, nomeadamente através de ipss's que a estas estão ligadas; enquanto o Estado ajudar o financiamento de ipss's estas ligadas às religiões devem ser tratadas da mesma forma que as ipss's que não estejam ligadas a estas;
    6- Equiparar o cristianismo a ideologias políticas significa então que se financiamos partidos financiamos religiões, ou então não financiamos nenhum;
    7- No entanto quero voltar a reforçar que sou contra o financiamento de religiões e organizações com propósitos unicamente religiosos - como a opus dei - pelo Estado;
    8- No entanto não tolero que se tente limitar a liberdade de religião, essa é uma liberdade básica.

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