“O luxo não tem importância, ter a capacidade de pensar é o único luxo importante”
A frase é de um simples cozinheiro argentino conhecido no nosso país, mas chama a atenção para importância da nossa liberdade intelectual. A semana passada falava em como os nossos condicionamentos biológicos constrangem essa liberdade.
Podemos, no entanto, controlá-los melhor ou usá-los a nosso favor. Aliás, temo-lo feito abundantemente à medida que evoluímos como homem. Os meus avós por vezes comentam comigo que no tempo deles, no meio rural em que viviam, as pessoas eram “selvagens, brutas, como animais”. No espaço de apenas duas gerações terá havido uma evolução enorme. Hoje, as pessoas conseguem dominar melhor os seus impulsos. Geração após geração, os filhos recebem os ensinamentos dos familiares e resto do meio que os rodeia. E, para além dos ensinamentos e exemplos directos que recebem, têm a possibilidade de evoluir sozinhos, se lhes for dada essa capacidade. Para tal, a educação e a disseminação da informação tiveram um papel fundamental. A melhoria do acesso à educação pública foi, em poucas décadas, enorme. O meio relativamente pequeno em que as pessoas viviam tornou-se mais vasto, e as fontes de informação e de exemplo multiplicaram-se.
A conquista da liberdade intelectual tem, no entanto, ainda um caminho longo a percorrer. Há pelo menos década e meia tornou-se relevante no meio da psicologia e fora dele o tema da “inteligência emocional”, amplamente celebrizada pelo livro com o mesmo nome (de Daniel Goleman). Nele se explora o papel das emoções no nosso comportamento e a inteligência com que conseguimos lidar com elas, fulcral para o nosso desenvolvimento enquanto seres humanos. Emoções instintivas como o medo, a preferência das escolhas de curto face às de longo prazo, ou o sentimento de rivalidade e competição face aos outros, induzem comportamentos forjados evolucionisticamente à medida da realidade dos nossos antepassados, e não da nossa. Os perigos que enfrentamos hoje já não são, em geral, de sobrevivência. E já não se justificam os sentimentos de medo que temos face aos outros. Os bens e recursos que possuímos têm um risco muito menor de se destruir ou perder, por exemplo nalguma emboscada de uma tribo rival ou pelo mau tempo, do que acontecia aos nosso antepassados, e por isso hoje deveríamos em termos racionais dar muito mais valor aos benefícios de longo prazo do que (emocionalmente) lhes damos. A reprodução – objectivo último de todas as espécies bem sucedidas – já não justifica hoje de todo o anseio permanente de emulação perante os outros.
Poderão ser úteis as políticas públicas na busca deste tipo de liberdade? Está já significativamente explorado o modo como o podem realizar, de uma forma mais ampla do que já fazem. O meio de intervenção mais útil será, evidentemente, e mais uma vez, o da Educação. A idade mais jovem é aquela em que melhor absorvemos ensinamentos, ainda mais aqueles que se referem à nossa natureza emocional. É por isso que, provavelmente, num futuro tão próximo quanto possível, a “formação” em inteligência emocional faça parte de forma mais constante e abrangente dos currículos do pré-escolar e primeiro ciclo. Nesta fase, as crianças poderão aprender deste cedo o valor de adiar a recompensa, as vantagens da cooperação, e da desvalorização da rivalidade pela rivalidade, a não formar julgamentos precipitados (pelo medo) do outro e das suas intenções, ou a pensar autonomamente. Em idades mais avançadas, é possível ensinar aos indivíduos por exemplo os benefícios da auto-análise, do pensamento positivo ou da interacção empática com os outros. Pode-se aplicar este ensino quer nos ciclos mais avançados do ensino, quer também no sistema de saúde. Neste último meio, os ensinamentos da inteligência emocional podem assistir os doentes a enfrentar melhor os seus problemas de saúde e psicológicos.
Já agora, os políticos poderão também, na sua acção, aprender com as noções dos constrangimentos biológicos à liberdade intelectual, e da inteligência emocional. É possível aplicá-los tanto na sua relação com os parceiros e adversários políticos, mas em especial com a dos cidadãos. Barack Obama foi até agora mestre nisso nas relações internacionais, na forma como soube afastar a desconfiança e o medo entre nações e culturas, com resultados fabulosos à vista, quer tangíveis – e.g. acordos nucleares – quer intangíveis – sentimentos dos povos entre si.
A liberdade intelectual é, por fim, também um factor de saúde da democracia, da economia, da ciência e de todos os elementos da esfera da intervenção política. Em Portugal, vivemos numa democracia desde há 36 anos e hoje a maioria da população vive acima de um limiar mínimo de conforto. Podemos arriscar-nos a dizer que, tivéssemos tido a possibilidade de dar mais liberdade intelectual às nossas pessoas há mais tempo, e teríamos conquistado essas outras liberdades em semelhante medida. Aproveitemos agora esse potencial.
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