Ao ler o Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2009, recentemente publicado pelo Tribunal de Contas, não consegui esconder o sentimento de frustração e indignação que me invadiu como cidadão Português...Em Portugal, estamos já habituados a ouvir demasiadas vezes que a impunidade é marca registada do nosso país, todavia o estado de (des)graça de Portugal é bem patente pela passividade com que a socidade civil responde às evidências inequívocas do estado de (des)governo com que os seus impostos são aplicados pela máquina devoradora estatal criada pelos Governos das últimas décadas...
Atente-se a algumas conclusões enunciadas no referido relatório para se perceber a gravidade dos factos:
“Em 2009, doze anos após a sua aprovação, o Plano Oficial de Contabilidade Pública (POCP) continuou a não ser aplicado pela generalidade dos serviços integrados do Estado...”
“Não é possível confirmar o valor da receita inscrito na Conta Geral do Estado de 2009...Esta impossibilidade é consequência de incumprimento dos princípios e regras orçamentais...”
“Continuam a ser realizadas despesas sem dotação orçamental suficiente...”
“A conta consolidada do Estado...continua a apresentar deficiências já assinaladas em anteriores pareceres...em resultado de erros significativos...”
Estas são algumas das “pérolas” reportadas no Parecer, em minha opinião totalmente inconcebíveis e inaceitáveis. Numa qualquer empresa privada um estado de desgoverno desta índole desencadearia certamente processos de demissão sumários de toda a equipa de gestão com justa causa...todavia, quais as consequências desta gestão danosa em Portugal? A resposta é fácil: rigorosamente nenhuma!!! Chegámos a um tal ponto de passividade e conformismo que os cidadãos assumem como natural o descontrolo das finanças públicas, a má execução orçamental, o não cumprimento dos mais elementares princípios de gestão financeira e, por conseguinte, quando confrontados com a constatação dos factos já nem esboçam uma reacção... O País, que nem um doente em estado paliativo sem esperança no futuro, imbui-se da ideia que é utópico esperar e exigir critério, rigor e excelência à Administração Pública! Esta dormência latente na sociedade civil tem também efeitos no Estado, a começar pelos políticos que convivem bem com o desgoverno das finanças públicas, não sentindo o mínimo de embaraço, aparentemente, pela maneira como (não) governam o dinheiro de todos nós!
Face a isto, é legítimo perguntar: será este comportamento alienado do comum cidadão face às más práticas de gestão públicas completamente irracional? Ou haverá alguma racionalidade subjacente a este tipo de atitude? Estou em crer que, apesar da aparente contradição face aos parágrafos iniciais, existe alguma racionalidade associada a este comportamento à luz do que a teoria das boas práticas de corporate governance no mundo empresarial nos ensina. É relativamente consensual que uma empresa cotada em bolsa cuja estrutura accionista apresente um núcleo duro de accionistas com um peso significativo (isto é, um grupo de accionistas reduzido em número mas com uma posição combinada na empresa suficientemente importante para condicionar a actuação da equipa de gestão, sem todavia deter uma posição de controlo), tende a mitigar o problema de agência (por problema de agência entende-se a não convergência de interesses entre gestores e accionistas, levando os primeiros a agir em benefício próprio em detrimento do interesse dos segundos) face a uma empresa em que esse núcleo duro não exista e a estrutura accionista esteja representada por posições atomizadas de centenas, milhares de accionistas. Neste último caso, a equipa de gestão tende a ter maior liberdade e tende a estar menos condicionada, face à maior dificuldade e aos maiores custos que acarreta uma eventual concertação de pequenos accionistas no escrutínio e monitorização das práticas da gestão. Nesta situação, existe portanto alguma racionalidade por parte do pequeno accionista, que face aos elevados custos associados a uma coordenação com outros pequenos milhares de accionistas, racionalmente opta por assumir os encargos do custo de agência...
Ora, o Estado, se pensarmos bem, pode ser analogamente associado a esta situação: milhões de “accionistas” (cidadãos), sentem dificuldade em coordenar-se e em alcançarem plataformas de pressão e escrutínio da actuação da “equipa de gestão” (detentores de cargos públicos) na aplicação do seu “capital investido” (impostos cobrados a todos nós). E portanto face a estes custos de associação existe alguma racionalidade nesta aparente apatia esboçada pela reacção da opinião pública e não exigência de responsabilidades políticas aos esbanjadores do seu capital.
Uma visão liberal para o País não pode deixar de constatar pragmaticamente a existência deste custo de agência associado à gestão pública e assume que a maneira mais eficaz de atacar este problema é a de reduzir a dimensão do Estado! Esta é indubitavelmente a maneira mais eficaz de conseguir mitigar este custo de agência para os cidadãos, pois esse custo tenderá sempre a existir, e como tal a maneira de o contornar será reduzir a dimensão dos recursos a gerir pelos “agentes” – o Estado. A redução do peso do Estado deverá ser a prioridade, mas esta deverá ser complementada com uma profunda reforma das práticas de gestão pública. Estou em crer que na agenda de uma alternativa liberal devem ser promovidas, entre outras, as seguintes medidas:
(1) . Instituir a cultura de gestão por objectivos, assegurando a definição de dashboards anuais e plurianuais para o Governo e para cada um dos Ministérios, com indicadores objectivos, mensuráveis e facilmente quantificáveis. O Primeiro-Ministro e cada um dos seus Ministros responderiam pela concretização dos respectivos objectivos e deveriam ter a sua remuneração indexada à performance do seu dashboard. Estes dashboards deveriam ser desagregados para todos os demais organismos públicos sob a tutela de cada Ministério
(2) . Garantir autonomia na formação das equipas de cada direcção-geral à respectiva liderança, exigindo em contrapartida uma gestão orientada a objectivos e responsabilidades em caso de incumprimento
(3) .Assegurar remunerações de cargos dirigentes da função pública competitivos com o sector privado, assumindo sem demagogia e dogmas ideológicos que os custos de uma gestão amadora são bem maiores para todos os cidadãos
(4) .Probir, para a maioria dos departamento estatais, derrapagens orçamentais – não havendo dotação orçamental, não se efectua a despesa e a mesma terá de ser adiada
(5) . Desenvolver a cultura contínua de “orçamento zero” – a existência de qualquer organismo e de qualquer rubrica orçamental deve ser questionada anualmente, acabando com a situação vigente de cópia “automática” dos mapas orçamentais de muitos organismos de um ano para o outro.
Estas são apenas exemplos de medidas necessárias para contrariar o cenário actual de cultura de desresponsabilização e de estabilidade na mediocridade da nossa gestão pública...Haja vontade política para o fazer!
Alterações de cultura, aumento de salários de gestores e definição de objectivos em serviços estatais são difíceis de implementar e igualmente difíceis de explicar aos cidadãos de maneira a que apoiem. (mas dinheiro para políticos de carreira? Derrapagem 0 - acabam as investigações, processos judiciais e fecham-se hospitais quando não há mais dinheiro?)
ResponderEliminarOs partidos (de oposição) na assembleia deveriam ser eles a fazer esse controle. Só que estão mais preocupados na lógica eleitoral da próxima votação, porque ´essa mesma assembleia o mesmo veiculo para o Governo.
A única solução séria é uma de equilíbrio em que poder legislativo está separado do executivo para que um controle o outros...
Abr
Pontos soltos de resposta:
ResponderEliminar* Existem objectivos contratualizados, e avaliação através do SIADAP. Mas este ano, aconteceu algo péssimo no que toca esse tipo de gestão: foram estabelecidos objectivos, foram cumpridos... e houve cortes salariais. Pelos motivos que conhecemos, claro. Mas não deixou de ser problemático.
* A tua analogia também «dá» para a questão da emigração, e também explica como o sistema se vai mantendo na mesma, apesar dos problemas conhecidos. O custo de mudar alguma coisa é tão elevado, que as pessoas emigram (no caso dos accionistas, vendem as acções).
Paulatinamente, quem fica é, tendencialmente, quem beneficia com a gestão vigente, e quem simplesmente se acomodou, o que significa que as coisas não mudam.