sexta-feira, 4 de março de 2011

Oitocentos anos por um cheque

Desculpem lá, mas não percebo: Portugal passa anos a fio a endividar-se para além das suas capacidades. Até há poucos meses, o actual Governo preparava alegremente a construção de um TGV e de um aeroporto, obras essenciais ao desenvolvimento do País. O Ministro das Finanças, duas vezes considerado o pior a nível europeu pelo Financial Times, contradiz-se dia após dia, originando uma situação insustentável para o Pais. A possível necessidade de recurso ao FMI ou ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (no qual o FMI está envolvido) é significativa, pelo menos tendo em conta os relatos diários e algumas opiniões.

Ainda assim, a grande preocupação do País é que o Primeiro-Ministro seja chamado à Alemanha para explicar as medidas de austeridade. E que regresse com um “não está mal, mas não chega”. “Quem é que a Alemanha pensa que é?”, pergunta-se pelos corredores virtuais. Talvez o País que contribuiu com 119 biliões de euros para o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Talvez o Estado-Membro que, juntamente com a França, mais tem contribuído para (tentar) resolver a complexa situação em que se encontram alguns dos países da zona Euro.

Nada disto interessa, porque se trata aqui de uma questão de soberania. Gosto das questões de soberania, sobretudo quando são construídas sobre o dinheiro de terceiros. Portugal, o País com oitocentos anos de História; Portugal, o País que nunca foi nazi; Portugal, et cetera e tal. Quem se dedica à investigação de políticas europeias está familiarizado com as questões de soberania. São estas que nos impedem, por exemplo, de reagir rapidamente e em força, se me permitem a expressão, ao massacre líbio. E são também estas que impedem a criação de um governo que a França anda a, digamos, exigir há anos: um governo económico europeu. A discussão não é de agora. Aquando das discussões sobre a criação de uma moeda única, já a França indicava que, além de uma união monetária, talvez fosse necessária uma união fiscal. Que é complicado (como se comprova) ter uma moeda única que pode ser desbaratada pela profligacy de terceiros. O argumento, porém, não passou. Tal como nenhuma dona de casa aceita comentários sobre o orçamento doméstico, nenhum Estado Membro aceita que lhe digam como gerir (leia-se “quanto gastar”) a sua política orçamental. Sobretudo, se se tratar de um Estado-Membro anti-nazi, octocentenário, periférico e, acima de tudo, falido.

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