segunda-feira, 7 de março de 2011

Uma questão de confiança (II)

Em Portugal, não confiamos muito uns nos outros. No limite, confiamos naqueles que nos estejam mais próximos. Mas não mais do que isso. E, certamente, não confiamos no Governo e na nossa classe política em geral, por muito que nos peçam que confiemos neles.

A falta de confiança que temos uns nos outros tem consequências, que por sua vez tornam mais forte o sentimento de desconfiança que lhes está subjacente. Uma das consequências principais é a falta de capacidade para cooperarmos uns com os outros, por desconfiarmos sempre que o outro nos vai enganar.

É um risco confiar nos outros, porque não sabemos se os outros nos vão enganar. Em Portugal, a cultura do desenrascanço torna-nos mais adaptáveis e mais flexíveis, mas também nos leva a negociar de má fé, a fugir aos impostos, a tentar «tramar» os outros. Temos de manter esta flexibilidade e esta adaptabilidade, mas juntar-lhe uma maior dose de confiança mútua.

Também por aqui passa a mudança em Portugal. Confiarmos mais uns nos outros significa uma maior capacidade de cooperarmos uns com os outros quando necessário. E essa cooperação permitir-nos-ia atingir objectivos que, sozinhos, não conseguiríamos atingir. 

Temos de competir quando faz sentido competir, e cooperar quando faz sentido cooperar.

(De notar que eu não advogo que seja o Estado a promover uma maior confiança entre indivíduos, e que aliás não me parece possível que o Estado sirva essa função. Um aumento da confiança entre as pessoas teria de ser um processo gradual que viria de baixo para cima, e não de cima para baixo.)

P.S. Para uma definição do que é «capital social» (aqui entendido como algo diferente do capital social de uma sociedade comercial), um conceito intrinsecamente ligado a este tema, e qual a sua importância potencial numa democracia liberal, pode ler-se este paper de Francis Fukuyama. 

P.P.S. Em breve escreverei um texto em que exploro a relação entre «individualismo» e o «egoísmo». Mas já me referi brevemente a este tema há uns tempos, e escrevi o seguinte:

"É fundamental tornar claro também que «individualismo» e «egoísmo ganancioso» não são a mesma coisa. O facto de eu ser individualista não significa que não queira saber de mais ninguém sem ser de mim, significa que quero viver a minha vida à minha maneira, tanto quanto possível, e com o mínimo de directrizes «de cima» sobre como me devo conformar à norma (qualquer que ela seja). Ora, isto é perfeitamente compatível com eu me preocupar com os outros, e com eu tomar decisões com base nas consequências e riscos dessas decisões a longo prazo."

Ou seja, o facto de se promover maior reciprocidade entre as pessoas não põe em causa a individualidade das decisões que estas tomam.  Um sociedade em que as pessoas confiam mais uma nas outras e cooperam mais não é uma sociedade menos livre do que aquela em que as pessoas não cooperam e pensam exclusivamente nelas próprias. Aliás, parece-me haver algum mérito no argumento mencionado no artigo de Fukuyama de que em sociedades em que há baixos níveis de confiança, a liberdade individual será ameaçada por tentativas estatais de, através de regulação formal, lidar com as externalidades negativas dessa falta de confiança.

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