A falta de confiança que temos uns nos outros tem consequências, que por sua vez tornam mais forte o sentimento de desconfiança que lhes está subjacente. Uma das consequências principais é a falta de capacidade para cooperarmos uns com os outros, por desconfiarmos sempre que o outro nos vai enganar.
É um risco confiar nos outros, porque não sabemos se os outros nos vão enganar. Em Portugal, a cultura do desenrascanço torna-nos mais adaptáveis e mais flexíveis, mas também nos leva a negociar de má fé, a fugir aos impostos, a tentar «tramar» os outros. Temos de manter esta flexibilidade e esta adaptabilidade, mas juntar-lhe uma maior dose de confiança mútua.
Também por aqui passa a mudança em Portugal. Confiarmos mais uns nos outros significa uma maior capacidade de cooperarmos uns com os outros quando necessário. E essa cooperação permitir-nos-ia atingir objectivos que, sozinhos, não conseguiríamos atingir.
Temos de competir quando faz sentido competir, e cooperar quando faz sentido cooperar.
(De notar que eu não advogo que seja o Estado a promover uma maior confiança entre indivíduos, e que aliás não me parece possível que o Estado sirva essa função. Um aumento da confiança entre as pessoas teria de ser um processo gradual que viria de baixo para cima, e não de cima para baixo.)
P.S. Para uma definição do que é «capital social» (aqui entendido como algo diferente do capital social de uma sociedade comercial), um conceito intrinsecamente ligado a este tema, e qual a sua importância potencial numa democracia liberal, pode ler-se este paper de Francis Fukuyama.
P.P.S. Em breve escreverei um texto em que exploro a relação entre «individualismo» e o «egoísmo». Mas já me referi brevemente a este tema há uns tempos, e escrevi o seguinte:
"É fundamental tornar claro também que «individualismo» e «egoísmo ganancioso» não são a mesma coisa. O facto de eu ser individualista não significa que não queira saber de mais ninguém sem ser de mim, significa que quero viver a minha vida à minha maneira, tanto quanto possível, e com o mínimo de directrizes «de cima» sobre como me devo conformar à norma (qualquer que ela seja). Ora, isto é perfeitamente compatível com eu me preocupar com os outros, e com eu tomar decisões com base nas consequências e riscos dessas decisões a longo prazo."
Ou seja, o facto de se promover maior reciprocidade entre as pessoas não põe em causa a individualidade das decisões que estas tomam. Um sociedade em que as pessoas confiam mais uma nas outras e cooperam mais não é uma sociedade menos livre do que aquela em que as pessoas não cooperam e pensam exclusivamente nelas próprias. Aliás, parece-me haver algum mérito no argumento mencionado no artigo de Fukuyama de que em sociedades em que há baixos níveis de confiança, a liberdade individual será ameaçada por tentativas estatais de, através de regulação formal, lidar com as externalidades negativas dessa falta de confiança.
Ou seja, o facto de se promover maior reciprocidade entre as pessoas não põe em causa a individualidade das decisões que estas tomam. Um sociedade em que as pessoas confiam mais uma nas outras e cooperam mais não é uma sociedade menos livre do que aquela em que as pessoas não cooperam e pensam exclusivamente nelas próprias. Aliás, parece-me haver algum mérito no argumento mencionado no artigo de Fukuyama de que em sociedades em que há baixos níveis de confiança, a liberdade individual será ameaçada por tentativas estatais de, através de regulação formal, lidar com as externalidades negativas dessa falta de confiança.
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