quinta-feira, 31 de março de 2011

Os mercados não acalmam (II)

As avaliações feitas pelas agências de notação financeira aos títulos de dívida portuguesa pioram a cada nova avaliação que é anunciada. Após cada avaliação, há ataques às agências de notação financeira, e ataques às medidas de austeridade. Entretanto, os juros relativos à dívida portuguesa sobem, e a sucessão de PECs não parece surtir qualquer efeito.

Os ataques às agências de notação financeira relacionam-se com o seu papel na crise financeira cujos efeitos ainda hoje vivemos. E é certo que há problemas na forma como essas agências operam, que aliás estão a ser sujeitos a análise a nível europeu (ver o «site» da Comissão Europeia para mais sobre o tema das reformas ao sistema financeira a nível europeu, e ler o Relatório Larosière para saber em que se basearam).

Mas por muito que se possa criticar a actuação das agências de «rating» durante e antes da crise, os ataques às mesmas neste momento em Portugal servem essencialmente para desviar as atenções de uma questão fundamental: a nossa crise vem de trás. Portugal está estagnado e com potenciais de crescimento baixíssimos há uma década, ao mesmo tempo que, ao longo de vários PEC, vai prometendo reformas estruturais abrangentes.

Ora, onde está a reforma do sistema judicial no sentido de o tornar mais célere?  É que em Portugal, continuamos a potencialmente levar muitos anos a cobrar uma simples dívida, mesmo com uma maior aposta em meios extrajudiciais de resolução de conflitos. 

Onde está a reforma do mercado laboral, ou do mercado de arrendamento? A primeira, nunca se fez. A segunda, também sempre polémica, vai sendo feita, e foram apresentadas recentemente algumas medidas sobre a mesma. 

O mercado de arrendamento não funcionar bem leva a que as pessoas se vejam «forçadas» a comprar casa, o que tem efeitos como os seguintes: têm maior dificuldade em sair de casa dos pais (saímos por volta dos 29 anos, ou parecido, em média), têm maior dificuldade em movimentar-se quando encontram emprego noutro ponto do país (porque não podem simplesmente lá arrendar uma casa), e quando compram a casa têm de se endividar. Um mercado de arrendamento a funcionar levaria uma redução no endividamento das famílias, que poderiam simplesmente arrendar a sua casa. Ora bem, um dos nossos problemas é também um problema de dívida privada, incluindo de dívida das famílias, que um melhor funcionamento do mercado de arrendamento ajudaria a resolver.

O mercado laboral funciona a duas «velocidades»: há quem tenha imensa protecção, e a grande maioria não tem protecção nenhuma. Há também muitas fraudes. Os custos de contratar uma pessoa com um contrato sem termo em Portugal são elevados, dado que é um risco bastante grande para as empresas. Ao mesmo tempo, e isto é outra reforma que ainda é necessária, continua a ser demasiado difícil começar uma nova empresa em Portugal (uma medida como a redução do capital social mínimo das sociedades por quotas ajuda, mas não é suficiente). Isto dificulta a entrada de jovens no mercado de trabalho, por um lado, e a entrada de novas empresas no mercado em geral, por outro. 

Aliás, continuamos a proteger certos sectores da Economia, nomeadamente referentes a bens não-transaccionáveis, que vivem de dinheiro do Estado. Até ao ano passado, o Governo português parecia apostado em gastar rios de dinheiro em obras de rentabilidade social e financeira duvidosas, e ainda estamos a pagar outras obras deste estilo em que fomos gastando dinheiro (emprestado) ao longo das décadas. Nada disto ajuda a competitividade da nossa economia. Nada disto ajuda a nossa credibilidade.

A parte interessante, e que é de realçar, é que as empresas que não são protegidas, essas empresas adaptam-se. Essas empresas são competitivas internacionalmente. Essas empresas têm práticas de gestão que valorizam os colaboradores, porque têm de competir pela qualidade e pelo talento de que dispõem. Precisamos de apostar mais na concorrência. Isso sim, dar-nos-ia credibilidade, e não a protecção a alguns sectores que depois vivem à sombra do Estado e à custa dos nossos impostos.

Em 2002, andámos com «medidas extraordinárias» que não resolveram problemas estruturais relativos à despesa do próprio Estado. Neste momento, andamos de PEC em PEC sem, mais uma vez, tratar de problemas fundamentais referentes ao funcionamento do Estado. Aumenta-se a receita, mas quase não se corta na despesa. Isto não é sustentável, não vamos andar eternamente a aumentar a receita. O Governo anuncia um «superavit», e diz que é suficiente. Não é suficiente. É preciso ver como se chegou lá (e se, de facto, há mesmo um «superavit», tendo em conta todos os dados). E quando se olha a como se chegou lá, a conclusão não é animadora. Não credibiliza nada o Estado português. E os juros não param de aumentar.

Além disso, quanta dívida andava a ser «escondida», e anda a ser «escondida», através de desorçamentações? Quanta dívida não foi «despachada» para empresas públicas várias, de forma a não aparecer nas contas públicas do Estado? E quanto tempo tentou o Governo que o BPN não fosse contabilizado? E qual a credibilidade de estatizar o fundo de pensões da PT, que está, segundo creio, subcapitalizado, e portanto vai ser uma fonte de despesa a longo prazo? O Governo anuncia os seus números às pinguinhas, dizendo que tudo corre bem. Ao mesmo tempo, os investidores sabem que isto se passa, porque todos sabemos que isto se passa. Qual a credibilidade que vem deste tipo de actuações? Vem credibilidade negativa - vem a descredibilização completa do Estado Português. (E só para terminar, depois de tudo isto, o nosso nível de dívida pública é imenso, qualquer coisa como 90% do PIB!)

Outra questão que em nada ajudou a nossa credibilidade é a forma como se tem lidado com um cenário de recessão este ano. Neste momento, o Governo já admite a recessão. Mas antes andava a dizer que íamos crescer 0,2%. Mudou de discurso para aumentar a sua credibilidade, disse o Ministro das Finanças. Não a aumentou. Só teria credibilidade se tivesse começado, desde o início, por apresentar um cenário realista e credível. Mudar o discurso em desespero da causa não ajuda a credibilidade em nada. É sempre preferível que o Governo tenha deixado de apresentar um cenário completamente irrealista. Mas teria sido muito preferível que tivesse apresentado um cenário realista do início. Isso sim, teria dado maior credibilidade às medidas tomadas.

Finalmente, o país anda em crise política permanente desde 2009. O clima de crispação política interno em que temos vivido é conhecido internacionalmente. Era preciso que tivesse havido um consenso alargado, um conjunto de medidas que eram passadas com votos a favor, não abstenções, e sem desculpas públicas ou distanciamentos imediatos. Era necessário que o nosso Parlamento e o nosso Governo se tivessem entendido, e tivesse havido um programa de reformas estruturais de longo prazo cujas medidas iriam sendo passadas. Mas em vez disso, tivemos trocas de acusações e insultos constantes. Qual a credibilidade que isto dá ao nosso país?

Os mercados não acalmam. Não acalmam e não nos devemos nós também acalmar. Devemos exigir transparência nas nossas contas públicas, devemos exigir medidas que de facto solucionem os nossos problemas estruturais, devemos exigir um novo modelo de desenvolvimento económico para o país, assente na qualidade de vida, na sustentabilidade e no bem-estar. Quando começarmos a agir de forma diferente daquela que temos agido nos últimos dez anos (para não dizer nas últimas décadas), aí daremos um passo importante para resolvermos os nossos problemas. Enquanto nos ficarmos pelo que temos agora, continuaremos sempre a ler, e a sentir na pele, que os mercados não acalmam.

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