quarta-feira, 9 de março de 2011

Origens e fim(?) do consumismo

O documentário de hoje da Linha da Frente, “Perdidos por compras”, trouxe à superfície a questão do consumismo. Onde fica a fronteira entre comprar por doença e o consumismo? - perguntava-se.

Num post anterior falava de limites do ser humano ao controlo das suas capacidades intelectuais e este é um bom exemplo. Porque consumimos mais do que racionalmente deveríamos fazer? Perante esta situação, o Estado deveria intervir de algum modo?

Consumimos de mais porque as nossas necessidades biologicamente determinadas nos dizem que, ao fazê-lo, seremos pessoas mais bem vistas, autoconfiantes, e... que assustam os rivais e atraem os parceiros sexuais. Pela mesma razão que os pavões têm uma cauda inútil e concerteza incomodativa, nós temos comportamentos igualmente inúteis, como consumir algumas das coisas que consumimos.

Mas nem todo o consumo serve este tipo de propósito, e certamente não terá o Estado a capacidade de o influenciar decisivamente para propósitos mais úteis. Por isso mais vale, apesar de tudo, deixar o consumidor decidir o que é melhor para si.

A abertura dos mercados trouxe o consumo para a linha da frente dos comportamentos determinados pela necessidade de emulação do indivíduo. Devemos fechar mais os mercados? Antes de concentrarmos os nossos comportamentos emulativos no consumo, fazia-mo-lo através de outras coisas, por exemplo:

“The ownership of women begins in the lower barbarian stages of culture, apparently with the seizure of female captives. The original reason for the seizure and appropriation of women seems to have been their usefulness as trophies”. (Thorstein Veblen, 1899, “The Theory of the Leisure Class”)

Talvez seja preferível manter o consumo como veículo emulativo, em vez de o fazer regredir para outro tipos de práticas.

Mas sobra-nos um motivo que pode bem motivar a intervenção do Estado, que é a existência de custos externos. Não dos ambientais, bem conhecidos e cuja necessidade de intervenção é quase unanimemente aceite, mas outros de carácter mais humano.

Quando um consumidor consome com o propósito de “melhorar” o seu lugar na sociedade, fá-lo sempre na perspectiva do seu posicionamento em relação ao dos outros. Um automóvel de marca importante só trás estatuto social ao consumidor enquanto a marca permanecer de facto distintiva na sua relação com as restantes marcas. Se todos comprássemos ferraris, o Ferrari deixava de ser distinto... e de conferir estatuto. Quer isto dizer que quando alguém compra um bem qualquer que lhe dá estatuto social, está a retirar esse estatuto (igual a perda de satisfação) aos outros, que descem lugares no seu próprio posicionamento social.

A existência de custos externos justifica a intervenção do Estado. Neste caso, a deriva colectiva para o consumo por via da competição pelo estatuto (e pela auto-estima) que este dá, traduz-se de facto num jogo de soma zero entre os consumidores competidores, uma vez que o estatuto não pode crescer, apenas transferir-se de dono. Este tipo de problema não existe apenas na procura do estatuto, mas é generalizável a todo o tipo de consumo em que a satisfação de uns dependa do consumo de outros.

O economista Robert Frank tem sido o mais entusiasta apologista da intervenção nesta área. Numa série de artigos no NYT, fala do tema em diversas dimensões.

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