Em continuidade do meu colega João Mendes:
«Um debate de ideias frutuoso é informativo e esclarecedor, levando a que se compreendam melhor as várias posições em disputa. Chamar ao lado contrário «ingénuo» pouco ajuda neste contexto. Principalmente quando aquilo a que se está a chamar uma posição ingénua não passa de uma descaracterização da posição efectivamente assumida pela parte contrária.»
Pedir a definição prévia das regras do jogo no debate, para que ele seja esclarecedor e produtivo, é sempre controverso. Ou não teremos nós direitos a nos expressarmos como bem desejamos sobre que assunto seja, mesmo que de forma criticável? Quem está na posse de uma tal autoridade, a ponto de ter licença para impedir alguém de falar da pior maneira possível sobre a melhor das pessoas que exista? Um limite à liberdade de expressão não se pode encontrar quer na sua forma quer no seu conteúdo, correndo o risco de se contradizer com o princípio da própria.
Consequentemente é forçoso questionar, se é possível defender uma opinião perante atitudes que espelham mais as falhas de carácter do orador que os seus erros discursivos. Acredito na resposta é positiva. Se o erro está no carácter, que ele seja sublinhado e o que ele disser é enfraquecido. Se o erro está no que é dito, que ele seja contra argumentado e o que ele disser é igualmente enfraquecido. E também a nossa apresentação como possuidores de um carácter oposto, e a construção dos nossos contra-argumentos com as virtudes discursivas opostas às do nosso opositor: Se o erro está no carácter, pareceremos melhores, e o que dissermos será fortalecido. Se o erro está no que é dito, o que dissermos aparecerá melhor, e é igualmente fortalecido. E à audiência resta julgar as ideias em discussão, sendo contrabalançados, de uma das quatro formas sugeridas, os ataques que, em nossa opinião, são dignos de censura, mas que são dignos de respeito, em opinião da lei.
Existindo licença para tudo dizer, há necessidade de uma maior formação no que é dito. É necessário construir melhores argumentos, e apresentá-los de modo mais convincente. A situação apresentada por João Mendes apenas reforça esta questão. Podemos criticar o que é dito, não podemos censurar o falar.
E ainda:
Mas a retórica é útil porque a verdade e a justiça são por natureza mais fortes que os seus contrários. De sorte que, se os juízos não se fizerem como convém, a verdade e a justiça serão necessariamente vencidas pelos seus contrários, e isso é digno de censura. Além disso, nem mesmo se tivéssemos a ciência mais exacta nos seria persuadir com ela certos auditórios. Pois o discurso científico é próprio do ensino, e o ensino é aqui impossível, visto ser necessário que as provas por persuasão e os raciocínios se formem de argumentos comuns, como já tivemos ocasião de dizer nos Tópicos a propósito da da comunicação com as multidões. Além disso, é preciso ser capaz de argumentar persuasivamente coisas contrárias como acontece nos silogismos; não para fazer uma uma e outra coisa - pois não se deve persuadir o que é imoral - mas para que não nos escape o real estado da questão e para que , sempre que alguém argumentar contra a justiça, nós próprios estejamos habituados a refutar os seus argumentos. Ora nenhuma das outras artes obtém conclusões sobre os seus contrários por meio de silogismos a não ser a dialéctica e a retórica, pois ambas se ocupam igualmente dos contrários. Não porque os factos de que se ocupam tenham igual valor, mas porque os verdadeiros e melhores são pela sua natureza sempre mais aptos para os silogismos e mais persuasivos. Além disso, seria absurdo que a incapacidade de defesa física fosse desonrosa, e não o fosse a incapacidade de defesa verbal, uma vez que esta é mais própria do homem do que o uso da força física.
E se alguém argumentar que o uso injusto desta faculdade da palavra pode causar graves danos, convém lembrar que o mesmo argumento se aplica a todos os bens excepto à virtude, principalmente aos mais úteis como a força, a saúde, a riqueza e o talento militar; pois, sendo usados justamente, poderão ser muito úteis, e, sendo usados injustamente, poderão causar grande dano.
Aristóteles, Retórica. Trad. Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena, 4ª edição, Lisboa, INCM, 2010, 1355a-1355b.
Sim, eu não acho que se deva proibir o que quer que seja. As pessoas podem perfeitamente chamar «ingénuo» ao do lado se lhes apetecer, ao mesmo tempo que descaracterizam as suas posições.
ResponderEliminarMas, como tu dizes, eu posso criticar isso. Foi o que fiz, embora, neste caso, em abstracto.
É bom que possamos estar a ter este debate e haver liberdade para discordar. Aliás pessoas com posições abstrusas o melhor que se pode fazer é deixá-las espalhar-se ao comprido.
ResponderEliminarNo entanto, pela própria fragilidade da democracia e liberdade, acredito que existem posições de apelo à violência e ao extremismo que deverão ser penalizadas e que a liberdade de expressão não deve defender.