sábado, 21 de abril de 2012

Acreditar no Pai Natal e a Democracia

Há por aí quem ache que chamar aos outros «idealista» é essencialmente o mesmo que chamar-lhes «ingénuo». Neste caso, o objectivo é enfraquecer a posição do outro reduzindo-a implicitamente (ou até explicitamente) a um desejo irrealizável e que não assenta na realidade. Geralmente isto segue-se à apresentação de uma caricatura da posição da outra parte (ou até uma descaracterização) ou à apresentação de uma série de «argumentos» que mais não são do que dizer ao público aquilo que o público quer ouvir.

Neste caso, a pessoa que diz que o outro é «ingénuo» (ou «idealista) não nega necessariamente que ela própria tenha uma ideologia. O que faz é apresentar-se como eminentemente pragmática, como uma pessoa que tem em conta a realidade, aquilo que acontece, todas as provas disponíveis, enquanto que o outro apela a «ideais» teóricos muito bonitos, mas que não funcionam no mundo real. E portanto, não acusa necessariamente a outra ideologia de ser ilegítima, mas torna claro que é essencialmente o mesmo que acreditar no Pai Natal.

Claro que, ao essencialmente acusar o outro lado de acreditar no Pai Natal, depois de apresentar uma descaracterização daquilo em que a outra parte defende, aquilo que se acabou de fazer é a mais pura das demagogias e dos populismos. Faz-se apelo ao «senso comum» e às ideias feitas deste mundo e a falácias para obter aplausos, mas não se apresentam argumentos contra a posição contrária. Esta é simplesmente menorizada, menorização essa que pode até ser acompanhada de um paternalista e arrogante apelo a que no futuro a ingenuidade/o idealismo desapareça e seja substituída por uma boa dose de realismo - ou seja, seguir a opinião do outro.

O valor acrescentado deste tipo de tomada de posição em termos de debate público é bastante reduzido. No entanto, são perfeitamente expectáveis, de todos os lados da barricada. Isto porque todos esses lados vão considerar que o outro lado é «idealista» e que aquilo que defende é equiparável a acreditar no Pai Natal.

Mas o principal problema está, a meu ver, na descaracterização constante que se faz da posição contrária em debates (e eu não reclamo perfeição a este respeito, embora tente conhecer os vários argumentos dos vários lados de forma razoável, na medida do possível) - é que essa descaracterização constante impede uma verdadeira troca de ideias. Em vez disso, ficamos com vários monólogos que em vez de responderem aos argumentos do outro lado, os descaracterizam pura e simplesmente.

Um debate de ideias frutuoso é informativo e esclarecedor, levando a que se compreendam melhor as várias posições em disputa. Chamar ao lado contrário «ingénuo» pouco ajuda neste contexto. Principalmente quando aquilo a que se está a chamar uma posição ingénua não passa de uma descaracterização da posição efectivamente assumida pela parte contrária.

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