quarta-feira, 29 de junho de 2011

Notas sobre o Programa de Governo (II)

O Programa de Governo inclui esta medida:

«Rever os conteúdos das ofertas formativas adequando-as às necessidades do mercado de trabalho, promovendo a sua deslocação para as empresas e permitindo a estas deduzir os respectivos custos em sede de tributação;», ver pág. 29.

Compreendo que o Governo queira que as empresas dêem formação aos seus colaboradores. A formação gera ganhos de produtividade e, portanto, de competitividade. E claro que as empresas estão na melhor posição para saber quais a competências de que necessitam, por isso faz sentido que sejam elas a formar os seus colaboradores. A aposta na formação é um investimento para o futuro, e um bom cartão de visita para uma empresa, inclusivamente no que toca a atrair talento para colaborar com essa empresa. Caso essa aposta seja séria, claro.

Mas gostava que me explicassem como é que durante um período de consolidação orçamental, simplificação do sistema fiscal, e combate à fraude e evasão fiscal, o Governo se lembra de criar uma regra segundo a qual as empresas passam a poder «deduzir os custos» que tenham com formação. Afinal de contas, esta medida não contribui para a consolidação das contas públicas, cria maior complexidade no sistema fiscal, o que facilita a evasão, e trata a formação como um simples custo, quando se trata de um investimento.

Disse que cria maior complexidade no sistema fiscal, e explico porquê. Com esta medida, vai ter de se definir precisamente que é que pode ser deduzido, vai ter de se inspeccionar e ver se o que está a ser deduzido pode mesmo ser deduzido, e vai haver reclamações e impugnações de decisões relativas a este tema, que vão dar trabalho a funcionários do Ministério das Finanças e aos tribunais.

No limite, o que esta medida incentiva é que se declare que se deu formação, e não necessariamente que se tenha dado, efectivamente, formação. Claro que as empresas podem subitamente decidir que, por poderem deduzir nos impostos, então agora sim, vão dar formação aos colaboradores. Mas não me parece que a razão pela qual haja falta de aposta na formação seja falta de possibilidade de dedução do custo associado a esse investimento nos impostos.

A partir do momento em que uma empresa considere a formação como um investimento que lhe dará bom retorno, então a empresa apostará na formação. Ora, a formação é um investimento que terá potencialmente bom retorno se a empresa tiver de concorrer com outras empresas. Isto porque a aposta na formação lhe permite atrair os melhores para colaborar com ela (especialmente se associar essa aposta na formação a um bom salário), e porque a formação torna os seus colaboradores mais produtivos. Claro que se a empresa sobreviver à custa de subsídios e outros tipos de ajuda pública, por exemplo, nada disto é particularmente relevante.

Tanto que já há empresas que apostam na formação em Portugal. Todas as grandes sociedades de advogados, por exemplo, têm programas de formação interna dos seus associados, e promovem a sua formação contínua mesmo fora da própria sociedade. Todas estas sociedades estão sujeitas a pressões competitivas bastante fortes, o que significa que têm de competir por talento se quiserem manter-se no topo. Isto inclui pressões competitivas estrangeiras, porque no mundo globalizado e, em particular, europeizado de hoje, mesmo os advogados conseguem emigrar. E ainda bem que assim é, diga-se de passagem.

Esta medida vai ser tomada com um conjunto de outras medidas de política activa de emprego, de promoção da concorrência, entre outras. Mas o valor acrescentado desta medida, parece-me, não será grande. E até pode prejudicar a prossecução dos objectivos primordiais da consolidação orçamental, simplificação fiscal, e combate à fraude e evasão fiscal.

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