No geral, as medidas do novo Governo relativas ao mercado de trabalho apontam para a uma maior flexibilidade, o que é bastante positivo, independentemente das considerações que teci nas duas notas anteriores (aqui e aqui). Infelizmente, o Governo não vai aplicar as novas regras a todos os contratos, criando aquilo a que chama um «sistema dual», mas compreendo que não o faça. Teria obstáculos políticos e, muito provavelmente, constitucionais para o conseguir fazer. Consideraria mais justo um «sistema unitário», em que todos fossem afectados pelas alterações, mas parece-me que este compromisso é algo de inevitável.
Algo de particularmente positivo é a proposta de um contrato único de trabalho, embora com reservas relativamente ao período experimental. Parece-me que se deveria simplesmente criar um contrato único, em que fosse simples despedir (e portanto menos arriscado contratar), e em que fosse clara e facilmente determinável a indemnização a receber em caso de despedimento. Veremos se o Governo o consegue fazer, sendo que um dos obstáculos que vai ter de ultrapassar vai de certeza ser um ataque à constitucionalidade das novas regras, mais flexíveis, que criar, tendo em conta o conceito constitucional extremamente rígido de «justa causa».
A rigidez do nosso mercado laboral tem um impacto extremamente negativo na criação de emprego, e, portanto, também na capacidade que as pessoas têm de escolher mudar de emprego. Ora, tendencialmente, as pessoas melhoram as suas condições de trabalho saindo de um emprego e mudando para outro, não ficando sempre na mesma empresa. O sistema actual, em que as pessoas têm medo de sair por terem medo de não encontrar um novo emprego se saírem, quanto mais um emprego melhor, tem, portanto, um impacto negativo na melhoria das condições de trabalho das pessoas.
Mais um vez, estamos na presença de um sistema em que não se promove a concorrência por talento por parte das empresas, porque muitas pessoas simplesmente não têm incentivo a sair das empresas em que colaboram. Acontece que muito deste talento tem encontrado essas condições no estrangeiro, habitualmente potenciadas por um ambiente empresarial que não cria bloqueios aos empreendedores. E portanto, as pessoas emigram, em busca de melhores condições.
Outra das apostas do Governo na área do emprego é o auto-emprego. O auto-emprego devia ser a primeira alternativa ao desemprego, mas em Portugal, devido ao nosso sistema disfuncional, o que tendemos a ter é falsos trabalhadores independentes. Isto tem de acabar. Temos de criar condições para que o auto-emprego seja uma verdadeira alternativa ao puro e simples desemprego. E para que isso aconteça, temos, mais uma vez, que criar um ambiente em que o empreendedorismo não seja bloqueado, em que as pessoas possam explorar as suas ideias e potencialidades sem ter de lidar com burocracias ou regras desnecessárias.
Outra vez a que come “criancinhas ao pequeno almoço” :).
ResponderEliminarLi hoje o programa do governo e gostei especialmente do ponto “economia e emprego” que se resume a dois parágrafos… está visto que os srs. consideram que é uma matéria importante.
E pelo que está lá escrito nem sequer se percebe o que é o “sistema dual (…) em que será introduzida um novo regime contratual sem afectar os contratos antigos”. Também, não vi qualquer referência explícita à criação de um contrato único (embora se possa perceber nas entrelinhas).
Mais uma vez discordamos, eu não sei se é a rigidez da legislação laboral que impede a criação de emprego. Qualquer empresa pode, em qualquer altura, rescindir um contrato de trabalho desde que pague a indemnização correspondente. O que me parece que faz todo o sentido… corrige-me se estiver errada, em qualquer contrato acordado entre duas ou mais partes há lugar a indemnização sempre que uma das partes não cumpre o estabelecido, certo? Portanto, não vejo porque um contrato de trabalho não tenha que seguir a mesma regra.
Quanto à mudança de emprego, é verdade que as pessoas obtêm ganhos salariais quando mudam de emprego. Mas isso só acontece quando a pessoa rescinde o contrato e assina, imediatamente a seguir, um novo contrato com outra empresa (i.é. não chega a existir um período de inactividade). Logo não percebo porque dizes “as pessoas têm medo de sair por terem medo de não encontrar um novo emprego se saírem”. Para obteres o tal ganho deves sair do emprego actual já com uma nova proposta de trabalho. Quem sai do mercado de trabalho por um determinado período de tempo tende ver o seu salário diminuído e não aumentado (porque perde a base de negociação salarial).
Um outro ponto que também não me parece nada claro é o da falta de procura de talentos por parte das empresas. Nas empresas que não vivem “encostadas” ao estado existe uma procura de talentos e existe uma grande mobilidade desses ditos talentos.
E agora o que é que eu acho que impede a criação de trabalho: (1) falta de crescimento do mercado interno (se não há procura não há oferta); (2) falta de competitividade externa, a maioria das empresas não explora as suas fontes de vantagem competitiva, nem procura factores distintivos (tenho muitas dúvidas de que alguns empresários tugas saibam sequer o que isto seja); (3) falta de estabilidade no sistema fiscal (ninguém me garante amanha não passe a pagar 40% de TSU); (4) burocracia associada à contratação/ despedimento; (5) falta de financiamento (penso por exemplo nas start-ups, nas explorações agrícolas, ou qualquer outra coisa que saia daquilo que é mais habitual).
Um último aspecto prende-se com a emigração, a meu ver a emigração de pessoas qualificadas tem muito mais a ver com as barreiras à entrada no mercado de trabalho, do que com a falta de mobilidade/ competitividade.
Por fim, onde concordo inteiramente ctg é na questão do auto-emprego :). E aqui até me parece que existe alguma “boa vontade” por parte destes governantes, se não estou em erro está prevista a consultoria e o apoio ao auto-emprego. Vamos ver como será materializado…
O «sistema dual» significa simplesmente que muitas das medidas a tomar se aplicarão apenas aos novos contratos, não aos contratos actualmente em vigor. Isso, por sua vez, significa que vigorarão dois regimes de contrato de trabalho até ao último contrato de trabalho baseado no regime actual cessar. Daí sistema «dual».
ResponderEliminarRelativamente aos «dois parágrafos», essa secção tem de facto dois parágrafos. Depois vem a secção seguinte, que tem mais: http://www.governo.gov.pt/pt/GC19/Governo/ProgramaGoverno/Pages/ProgramadoGoverno_13.aspx# De qualquer forma, parece-me mais relevante o conteúdo do que a forma.
Quanto ao contrato único, parece-me bastante claro o compromisso assumido nesta passagem: «- Nos contratos a celebrar no futuro haverá uma ponderação da passagem para a existência legal de um só tipo de contrato de maneira a tendencialmente acabar com os contratos a termo, enquanto se flexibiliza o período experimental no recrutamento inicial ou introduzindo algumas simplificações no processo de cessação dos contratos;»
Relativamente à tua análise, a falta de flexibilidade do mercado de trabalho vem precisamente dos custos relacionados com burocracias inerentes ao despedimento e à contratação, bem como a difícil contabilização de custos relativos ao processo em tribunal (a arbitragem vai ajudar imenso neste aspecto). Além de que a readmissão pode ser afastada pela empresa apenas mediante o pagamento de uma indemnização extra - o que aumenta ainda mais os custos relativos a um despedimento.
Claro que nos sectores que não vivem com base no Estado as condições são diferentes, e os regimes contratuais são diferentes. Mas pergunto-me até que ponto os regimes contratuais que por lá existem são compatíveis com o regime legal geral (veja-se o caso da Auto-Europa, no qual muitas cláusulas não eram, e provavelmente continuam a não ser).
Quanto à questão da emigração, há a questão das barreiras à entrada no mercado de trabalho, e a questão das barreiras à criação de empresa própria, conjugadas com melhores oportunidades fora do país.
Tanto a questão das barreiras à entrada no mercado de trabalho como a questão das barreiras à criação de empresa própria se prendem, em parte substancial, com a protecção aos que já lá estão - àqueles que já têm emprego, e àqueles que já têm empresa. Essas protecções inviabilizam a entrada dos novos.
Aquilo que causa «falta de crescimento do mercado interno» é a falta de competitividade, e essa falta de competitividade é, mais uma vez, muito motivada por protecções estatais que levam as empresas a perderem o interesse em serem eficientes, dado que têm a renda garantida e não têm interesse em angariar clientes (resumindo tudo num parágrafo).
A falta de financiamento deve-se à falta de interesse em investir cá em Portugal. E esta deve-se a vários factores, sendo um deles o que tu apontas: o sistema fiscal, que é complexo e imprevisível. Daí a importância de uma, real, simplificação do sistema fiscal, e depois de se promover a estabilização do mesmo.