sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O País do voucher

Não sei qual será a justificação para este curioso aspecto da cultura belga, mas, na Bélgica, é seguro dizer que o voucher é rei quase omnipotente, estando presente nas diversas actividades diárias do empregado médio belga. São normalmente distribuídos pelas empresas, com o fito, presumo, de pagar ao empregado através de um sistema não sujeito, pelo menos para o empregado, a tributação fiscal. Até hoje, já me deparei com vouchers de três tipos: o voucher para a lavandaria, que leva a que, na cidade de Bruges, por exemplo, pôr uma camisa a engomar sem o papelinho mágico custe cerca de 36 cêntimos por minutos; o voucher para refeições ou compras, também ele muito comum (e que eu frequentemente utilizo); e, finalmente, o voucher ecológico, também conhecido como eco-cheque.

Debruçar-me-ei sobre este porque os outros dois são apêndices salariais na realidade belga, ao passo que o eco-cheque pertence mais ao domínio da fantasia burocrática flamengo-valã. Mas o que é um eco-cheque? Confesso que não investiguei por aí além, com receio – real – de ficar ainda mais aterrorizado, tendo em conta que o que descobri foi mais do que suficiente para me deixar perplexo. Ao que parece, o Estado belga, para incentivar à compra de produtos ditos “ecológicos”, oferece (e o termo é mesmo este) cem euros em eco-cheques aos empregados de certas empresas. Não sei quais são os critérios que estão na base da selecção das ditas. Sei que nem todas distribuem os papelinhos pelos empregados. Se ficam com eles e o que lhes fazem foi caminho pelo qual não atalhei. Estou certo, porém, que os motivos serão nobres. O próprio cheque, aliás, é todo um tratado sobre o combate à pegada ecológica, sobre o despesismo burocrático e sobre a infantilização do indivíduo.

Para que se perceba, o processo é o seguinte: o Estado belga cobra uma fortuna em impostos, parte dos quais são anualmente redistribuídos sobre a forma destes chequezinhos. Com este papelinho, uma pessoa vai à loja, seleccionada, também ela, segundo determinados critérios (que desconheço), e é levada a comprar apenas um determinado tipo de produto: aquele no qual poderá descontar o cheque. Não interessa que a pessoa não tenha interesse em comprar nada. O que realmente importa é que compre o produto ecológico.

Pessoalmente, não sei como classificar a situação: parte de mim – a liberal – deseja gargalhar; a outra parte – a laboral – prefere as lágrimas. Para todos os efeitos, uma parte significativa do meu salário vai para esta medida que poderá ser muita coisa, mas não é, certamente, correcta. Como indivíduo, creio fervorosamente no meu direito de escolha e, sobretudo, na responsabilidade que advém dessa escolha. Ao criar para o indivíduo um, digamos, benefício que condiciona a sua escolha, o Estado belga está também a condicionar a sua responsabilidade e, ao invés de criar um indivíduo que escolhe livremente o produto ecológico porque compreende o benefício deste, ou que não o escolhe porque se está nas tintas e sofre, tal como os outros todos, as consequências dessa escolha, o Estado belga cria uma marioneta acéfala – ainda que muito green - sujeita a estímulos que têm por base papelinhos coloridos. Parabéns, senhores: Pavlov não faria melhor.

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