quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Os bordados de Tibaldinho

No dia 6 de Julho, surgiu um projecto-lei, vindo do grupo parlamentar do PSD, que tem de ser lido para se acreditar que existe.

O Centro para a Promoção e Valorização para os Bordados de Tibaldinho (que seria uma pessoa colectiva de direito público, tendo em atenção o art. 1.º/2 do Projceto de Lei) teria a sua sede no Concelho de Mangualde, «podendo abrir delegações em qualquer localidade do território nacional» (ver art. 2.º do Projecto de Lei).

Tem uma lista de atribuições (art. 3.º do Projecto de Lei) que percorre doze alíneas, e que vai desde a importante e vital tarefa de «[d]efinir Bordados de Tibaldinho”, através das suas características materiais, artísticas e estéticas» (al. a)), até «propor legislação adequada à promoção e valorização do Bordado de Tibaldinho» (al. l)), passando por «[i]ncentivar e apoiar a actividade dos Bordados de Tibaldinho» (al. e)) ou «[p]romover e colaborar no estudo e criação de novos padrões e desenhos, no respeito pela genuinidade do Bordado de Tibaldinho» (al. h)).

O Centro teria uma Direcção (art. 4.º), com cinco membros, que incluiria representantes das bordadeiras (art. 4.º/1 e 2). Admite-se desde já que «[a]s despesas relativas ao exercício de funções por parte dos membros da Direcção são suportadas pelos organismos ou entidades que cada um representa.» 

Fica-se a saber, no art. 5.º, que o Centro «integrará a Comissão Nacional para a Promoção dos Ofícios e das micro-empresas artesanais, criada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 136/97, de 14 de Agosto, com a redacção da resolução do Conselho de Ministros nº 4/2000, de 1 de Fevereiro.» Fica-se também a saber que esta Comissão Nacional para a Promoção dos Ofícios e das micro-empresas artesanais existe.

A tutela do Centro seria exercida pelo «Ministério da Segurança Social e do Trabalho» (art. 6.º), o que provavelmente significaria agora o Ministério da Economia e do Emprego. Assim, seria interessante saber se o Ministro Álvaro Santos Pereira concorda que dinheiro público deve ser aplicado nesta iniciativa e noutras iniciativas do género. Será isto que se pretende fazer para promover a célebre «Marca Portugal», em conjunto com a esfera armilar proposta pela JSD?

O art. 7.º trata de «Serviços técnicos e consultadoria» e diz que o Centro «criará serviços técnicos próprios, podendo para isso criar um órgão de consulta» (art. 7.º/1), e que o Centro «poderá recorrer aos serviços de instituições públicas ou privadas para assegurar o exercício das suas funções, designadamente para efeitos de consultadoria» (art. 7.º/2). 

E como será financiado o Centro? A resposta encontra-se no art. 8.º (sublinhados nossos):


«Artigo 8º
Meios financeiros

Constituem receitas do Centro as dotações para o efeito previstas no Orçamento de Estado, bem como receitas provenientes, designadamente, de:
  1. Rendimentos próprios;
  2. Doações, heranças ou legados;
  3. Prestação de serviços nos domínios de actividade do Centro;
  4. Subsídios ou incentivos.»
Ou seja, está prevista a possibilidade de haver dinheiro do Orçamento de Estado, portanto, de todos nós, que vai para este Centro para a Promoção e Valorização dos Bordados de Tibaldinho, bem como «subsídios ou incentivos». O Estado Português deve ser um participante activo no financiamento e no desenvolvimento dos bordados de Tibaldinho, provavelmente com o argumento de que, sem estas ajudas, os bordados não se desenvolviam e não seria possível exportá-los. 

Esta opinião, que leva à proliferação de Centros como este, mostra como não se confia na iniciativa privada em Portugal. Além disso, mostra como não se percebe que a Internet diminuiu drasticamente os custos relativos a divulgação, a quem a souber usar. E que para arranjar alguém que saiba utilizar a Internet e outros meios de divulgação de forma decente não é preciso dinheiro público. Basta que os produtores de bordados em Tibaldinho se juntem para o efeito.

Mas continuando com o Projecto de Lei, chegamos ao art. 9.º, que prevê um Órgão Consultivo, com representantes de uma série de entidades. «Compete ao órgão consultivo dar pareceres técnicos, podendo recorrer aos serviços de instituições públicas e privadas para assegurar o exercício das suas funções» (art. 9.º/2).

O Capítulo II trata da classificação e certificação do bordado de Tibaldinho. O art. 10.º trata da classificação, que deve ser feita tendo em conta a «origem e a qualidade» (art. 10.º/1). O n.º 2 desse artigo prevê que «o Bordado de Tibaldinho deverá, obrigatoriamente, ter inscrito o local de manufactura», e o n.º 3 prevê que «[q]uanto à qualidade, o Bordado de Tibaldinho classifica-se em função dos materiais, do desenho e sua composição, dos motivos, dos pontos utilizados e sua composição, bem como do cromatismo adoptado».

Os arts. 11.º e 12.º tratam da certificação (sublinhados nossos):


«Artigo 11º
Certificação
  1. A área geográfica de produção do Bordado de Tibaldinho susceptível de denominação de origem ou indicação geográfica será proposta pelo Centro à tutela para homologação.
  2. Na determinação da área de denominação de origem ou indicação geográfica deve atender-se aos usos, história e cultura locais, bem como aos interesses da economia local, regional e nacional.
  3. O Centro deverá proceder ao registo nacional e internacional do Bordado de Tibaldinho nos termos do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 36/2003, de 5 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 143/2008, de 25 de Julho.
Artigo 12º
Condições de acesso à certificação

Para efeitos de acesso à certificação, os artesãos e as unidades produtivas artesanais devem reunir os requisitos previstos no Decreto-Lei nº 41/2001, de 9 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei nº 110/2002, de 16 de Abril, e respectivos regulamentos.»

Ou seja, o Centro, que é uma entidade pública da administração autónoma do Estado Português, vai registar a propriedade intelectual dos bordados de Tibaldinho, entre outras coisas. Não querendo entrar aqui na controvérsia relativamente à propriedade intelectual ser algo de positivo ou negativo, e admitindo apenas que ela existe, neste momento, a questão que se coloca é: porque é que não se cria uma associação, de direito privado, para este fim? Porque é que o Estado tem intervir?

O mesmo se aplica à certificação. Tem de ser feita por uma entidade pública? Porque não por uma entidade privada, uma associação, possivelmente até uma associação local, dedicada a isto? Acho importante que os consumidores tenham acesso a informação relevante sobre os produtos que consumem, e isso inclui o ponto de origem, mas será mesmo necessário que o Estado Português (e outros Estados, diga-se) se dediquem a este tipo de coisas com o dinheiro de todos os contribuintes?

Chegando às disposições finais e transitórias, encontramos prevista uma Comissão Instaladora.

Antes que esta chegue a ser constituída, alguém explique a João Figueiredo, Teresa Costa Santos, Pedro Alves e Maria Ester Vargas, deputados e deputadas do PSD, o seguinte:

  • os interesses comerciais privados devem ser defendidos por privados;
  • o Estado Português está numa situação financeira de ruptura;
  • essa situação financeira de ruptura levou a que Portugal tenha de aplicar um programa de contenção orçamental, bem como de reestruturação económica, no sentido da liberalização da economia portuguesa;
  • a parte mais relevante do programa de contenção orçamental passa por cortar despesa supérflua e desnecessária, o que também se traduz em acabar com várias instituições públicas;
  • isso deverá incluir várias pessoas colectivas de direito público do tipo deste Centro;
  • e portanto, neste contexto, vir propor a criação de um Centro para a Promoção e Valorização para os Bordados de Tibaldinho, é algo que ultrapassa a imaginação.

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