sábado, 6 de agosto de 2011

Literacia Financeira e a Comunicação Social

Tradicionalmente, salvo raras e honrosas excepções, a formação base dos gestores portugueses (Licenciaturas) privilegia a componente da gestão financeira e contabilística em detrimento de outras áreas técnicas, por exemplo marketing ou comportamento organizacional, e mais ainda em detrimento da formação de soft skills (e.g. liderança, comunicação, etc.). Seria por isso de esperar um enorme rigor quando se falam de operações financeiras em Portugal.

Bem sei que os jornalistas e opinion makers portugueses não têm, de uma forma geral, formação em gestão ou contabilidade. No entanto, não vi nenhum gestor português a desmascarar publicamente as seguintes noticias que vieram a público e que revelam uma forte iliteracia financeira e contabilística.

Passo a explicar:


Caso Roberto


O primeiro caso diz respeito ao negócio do guarda redes Roberto que passou pelo S.L. Benfica na época 2010/2011 (normalmente o desporto é fantástico para abordar temas relacionados com a gestão e a performance). Segundo a comunicação social, este guarda-redes foi comprado ao Saragoça por um preço de 8,5 milhões de euros em 2010. Segundo esta mesma imprensa, anuncia que o Benfica lucrou 100 mil euros ao vende-lo por 8, 6 milhões de euros. Parecem contas fáceis de fazer, aos 8,6 milhões subtraem-se os 8,5 milhões o que dá um lucro de 100 mil euros, acontece que o dinheiro gasto com este profissional não se prende apenas com a compra do seu passe. Mesmo ignorando aspectos económicos, por exemplo a taxa de inflação, nunca o cálculo do lucro pode ser feito desta forma tão redutora.


Consideremos por exemplo que Roberto recebia um ordenado de 50 mil euros/mês (valor fictício):


Resultado= 8 600 000 - ((14x50 000)+ 8 500 000) = - 600 000


Adicionando apenas o ordenado pago observa-se uma alteração no resultado final, com apenas estas variáveis (verba paga, verba recebida e ordenado) o valor altera-se para um prejuízo de 600 mil euros. Poderíamos, ainda, considerar outros factores como por exemplo o número de camisolas vendidas, ou medidas mais intangíveis como por exemplo a «performance» desportiva do atleta.


Caso BPN e Orey Antunes


Num caso bem mais relevante, uma vez que se trata de dinheiro público e não dinheiro privado como no caso anterior, considere-se a eventual venda do BPN por 45 milhões de euros. Neste caso, muitas vozes se levantaram dizendo que o preço de 45 milhões de euros é um preço de saldo, no entanto, o valor de 45 milhões de euros pouco diz acerca da qualidade do negócio.


Para percebermos a qualidade de um negócio deste género temos de saber, por exemplo o passivo do banco. Imaginemos (valores fictícios) que o passivo do BPN é de 500 milhões de euros, neste caso vender passivo de 500 milhões de euros por 45 milhões de euros pode não ser mau negócio, uma vez que quem vende “enriquece” em 545 milhões de euros. Por outro lado se o passivo é de apenas 1 milhão de euros, quem vende apenas “enriquece” 46 milhões de euros, o que não será com certeza tão positivo.


Este tipo de operações que aparentemente envolvem pouco dinheiro mas que na verdade abrangem muitos milhões não é totalmente inédito no mundo empresarial. Por exemplo, em 2009 a Orey Antunes comprou o BPP por apenas 1 euro, sendo que na altura o banco tinha um passivo de alguns milhões de euros.


Não pretende este artigo avaliar se nos casos apresentados foram feitos bons negócios, o principal objectivo é, por um lado, dar a conhecer a complexidade das operações de venda e aquisição de empresas, e por outro, a falta de rigor da comunicação social e dos opinion makers portugueses. Se no caso do Benfica e da Orey Antunes, instituições privadas, isto não me perturba muito, já no caso do BPN tornou-se impossível a existência de uma discussão séria acerca do negócio uma vez que este foi inflamado pela desinformação do costume.

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