segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Quem tem medo do lobo mau?

Independentemente do que acontecer, o artigo Warren Buffet agitou as águas congeladas da discussão à volta da taxa de tributação dos mais ricos. Ao longo das últimas décadas muitos têm agitado a figura do “lobo mau” para enterrar esta discussão. Vivia-se (e muitos ainda vivem) com a premissa que tal tributação levaria a uma fuga de capitais que destruiria as nossas economias.

Não posso negar que uma tributação mais elevada (de parte do rendimento até agora isento) levaria a uma fuga dos capitais. A questão é: seria esse impacto tão profundo que o nosso mundo, as we know it, desapareceria? Não me parece. E se até há uns anos este tema teria encontrado elevadas barreiras, este é o contexto ideal para implementar a necessária reforma para acabar com esta injustiça.

Antes de mais, o que está em causa é o seguinte:

But what I paid was only 17.4 percent of my taxable income — and that’s actually a lower percentage than was paid by any of the other 20 people in our office. Their tax burdens ranged from 33 percent to 41 percent and averaged 36 percent.

Ou seja, estamos a falar de passar a taxa de tributação para um nível (pelo menos) idêntico a quem recebe menos que os “super-ricos”. Não é por uma questão de ilegitimidade em se ser rico, mas sim por uma mera questão de justiça. Aliás é o mesmo motivo pelo qual o “imposto sobre os ricos” que se defende, também se impõe. Num momento em que se pede um sacrifício adicional a todos os portugueses, este deveria ser mesmo sobre TODOS os portugueses e não apenas uma parte da população. Uma vez mais, seriam os que tem maiores rendimentos que passariam ao lado deste sacrifício.

Eu sei que é difícil incorporar os argumentos do texto do Buffett, uma vez que o mesmo pertence à “matilha”. De repente, um lobo dizer para não ter medo do próprio, quando durante décadas muitos carpiam para ter medo, desorienta qualquer um. Mas acho que já é altura de deixarem de estar desorientados. Se é verdade que alguns capitais sairão, também é verdade que:

People invest to make money, and potential taxes have never scared them off. And to those who argue that higher rates hurt job creation, I would note that a net of nearly 40 million jobs were added between 1980 and 2000. You know what’s happened since then: lower tax rates and far lower job creation.

Só fico triste é que se esteja a perder esta oportunidade. O que se adivinha é a criação de mais um imposto que terá pouco impacto nos cofres públicos, para além dos danos colaterais que existirão.

No contexto europeu, a abordagem a esta temática não deveria ser local, mas sim a nível europeu. Aliás, eu iria um pouco mais longe e consideraria uma abordagem que incluísse os países ocidentais - e mesmo outros - e aproveitaria para abordar definitivamente a questão dos paraísos fiscais.

P.S. 1 – As declarações de Amorim são ridículas. Ele devia de ter o mínimo de vergonha e ter-se abstido de comentar. Triste sina a nossa quando a nossa “elite” é assim tão paupérrima.

P.S. 2 – Não se trata de voluntariedade mas sim de garantir que todos têm as mesmas condições. Se apenas fosse uma acção voluntária, quem teve este gesto estaria em desvantagem para com não tivesse esse gesto. Ou seja, o mero voluntarismo cria um desincentivo a esse gesto voluntário.

5 comentários:

  1. Dizer que o Sr. Américo Amorim, representa a n/ élite de empresários, é o mesmo que dizer que Jerónimo de Sousa representa os «trabalhadores».

    Cuidado com as generalizações...

    ResponderEliminar
  2. Não percebo muito bem o que este artigo defende.
    As taxas de IRS já são progressivas e incluiem rendimentos de capitais. Além disso, apenas 5% da população portuguesa é responsável por 60% das receitas de IRS - http://www.ionline.pt/conteudo/6811-irs-apenas-5-dos-contribuintes-pagam-60-do-imposto-cobrado-pelo-estado

    Quem quiser pagar mais impostos, que enderece um cheque à ordem do Ministério das Finanças - e não tente impor a sua moral aos outros.

    ResponderEliminar
  3. @Carlos Miguel Sousa: Tens toda a razão :) A ideia não era que ele representava a "elite". Mas é inegável que ele faz parte e que tem um enorme poder.

    @John Blue: Parece-me que ainda vivo num país onde os rendimentos de capitais (p.e. juros e dividendos) são taxados a uma taxa liberatória. Estou errado?

    ResponderEliminar
  4. Quando se fala num imposto sobre as grandes fortunas, sabe-se lá do que se está a falar. Não se sabe o que é uma "grande fortuna", ou o que são "ricos".

    Toda a gente já está a sentir os efeitos da crise. Achar que por haver uma crise financeira, isso justifica aumentar os impostos sobre os ricos, não tem tanto a ver com equidade, como tem a ver com fingir que se está a resolver um problema, quando o problema (a despesa excessiva) permanece.

    ResponderEliminar
  5. Estás a falar de problemas diferentes. Os cortes nas despesas excessivas não deve servir de desculpa para que não se promova a melhoria do Estado noutras areas (aliás essa é a argumentação que muitos conservadores utilizam para afastar a discussão de liberdades individuais ;)).

    Quanto à definição de "grandes fortunas" ou "super-ricos" ela não é difícil, embora para mim mais importante não é essa definição, mas eliminar a distorção que existe no nosso sistema fiscal de pessoas terem rendimentos mais elevados e taxas de tributação menores. É isso que está em causa. Na questão do "imposto extraordinário" o que está em causa é não isentar alguns rendimentos desse imposto.

    E apesar de serem temas diferentes eles são conexos. Tu não consegues implementar um plano de corte de despesa (por melhor que ele seja) se não existir uma sensação de equidade e justiça. Aliás é um profundo erro se não abordar este tema corretamente pois poderá minar todos os esforços de contenção e corte de despesa...

    ResponderEliminar