Primeiro, nacionaliza-se a empresa, em nome do «interesse nacional», ou então cria-se a empresa pública de raiz. Depois, a empresa passa a servir o «interesse nacional», o que parece sistematicamente incluir:
- a desorçamentação de dívida da entidade que criou a empresa, seja o Estado ou uma autarquia local, para a empresa;
- a criação de diversos cargos de chefia, que serão ocupados por gente de confiança do Governo para executar as políticas de defesa do «interesse nacional» que a empresa prossegue;
- a criação de regras de preços para a prestação dos serviços que significam que se torna quase impossível haver retorno financeiro da empresa, o que por sua vez significa que o Estado vai ter intervir financeiramente para manter a empresa à tona - com dinheiro muitas vezes emprestado.
Em tempo de vacas gordas, vai havendo dinheiro para manter as empresas à tona, e quem quer que aponte para os vários problemas das empresas públicas é acusado de desprezar o «interesse nacional» que elas servem. Diz-se que não é relevante que não tenham retorno porque prestam um «serviço público», e isso é que interessa.
O resultado é que ficamos a financiar uma rede alargada de empresas, com dinheiro emprestado, empresas essas que sistematicamente são usadas para os fins acima enunciados.
Chega um momento em que esta situação, insustentável financeiramente, estoira.
Em tempo de crise financeira, mantém-se, no entanto, o argumento do «interesse nacional», mas agora também por vezes conjugado com a ideia de que não convém privatizar numa altura de aperto. Isto porque não se conseguirá um preço muito bom e, em termos contabilísticos, poderá mesmo significar que se fica com uma situação financeira ainda pior, porque se vai vender «um activo». Será melhor, se se quiser privatizar de todo, esperar por um período de vacas gordas.
Este argumento esquece que, de facto, teria sido melhor privatizar em período de vacas gordas, mas que isso não aconteceu. Como isso não aconteceu, agora temos uma crise financeira entre mãos que implica uma reestruturação do Estado (em sentido lato). Temos de reestruturar o Estado para libertar que recursos que andam a ser usados para criar esquemas de desorçamentação de dívida (já para não falar do escândalo que são as empresas públicas de gestão de património imobiliário), de forma a que estes recursos possam ser utilizados para fins, espera-se, bem mais rentáveis e produtivos.
Até este momento de crise muito séria, tinha-se conseguido aguentar o forte das empresas públicas com a história do «interesse nacional». Mas agora chegámos a um ponto em que ou vai, ou racha. Vai mesmo haver privatizações. Infelizmente, não vai ser privatizado tudo o que devia ser. Mas a situação financeira do país tornou-se de tal forma grave que já não dá para adiar mais.
Sim, teria sido melhor termos feito reformas estruturais antes do Estado entrar em colapso financeiro. Mas não o fizemos. Adiar as reformas agora à espera de melhores dias, quando essas reformas são necessárias para que esses melhores dias surjam, é brincar com dinheiro dos contribuintes numa altura em que o tempo para a brincadeira acabou, e o tempo para ser sério, que devia ser sempre, se tornou incontornável.
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