segunda-feira, 30 de julho de 2012

O que importa é gastar?

Há coisas que parece que se tornam auto-justificativas. São assim porque são assim. E investimentos públicos que dão prejuízo, ou são muito pouco lucrativos, durante imenso tempo, parecem tornar-se auto-justificativos à medida que os anos passam. O investimento foi feito, é público e tem de continuar a ser público, aconteça o que acontecer. Não se pode privatizar nada. Porque se alguém quer comprar, é porque acha que pode transformar aquilo em algo mais eficiente e mais lucrativo. E se o privado pensa consegui-lo, não há motivo para que o público não o consiga fazer.

O Estado parece poder investir no que quiser. A partir do momento em que faz o investimento, aquilo torna-se um serviço público e torna-se imprescindível - e necessariamente público. Seja o que for. E deve continuar público, aconteça o que acontecer. Quem defenda o contrário, fá-lo por estar cheio de tenebrosos e sombrios motivos. Quem tente ter um debate sério sobre onde o Estado deve intervir e onde não deve intervir, a não ser que defenda que o Estado deve intervir mais, vai ser alegremente insultado, e acusado ou de corrupção ou de imbecilidade.

O nível do debate público tende a ficar por aí. Há os bons e os maus. Aqueles que querem favorecer «alguns» e aqueles que querem favorecer «todos». Os puros e altruístas defensores de tudo o que é bom e os monstruosos defensores de interesses obscuros, que querem favorecer amigos. Todas privatizações ficam sob suspeita. Até a do Pavilhão Atlântico, em que ganhou a proposta que mais dinheiro ofereceu. Mas não interessa. Porque agora o que está na moda é acusar as pessoas de corrupção - aliás, basta estar no poder para se ficar com uma presunção de que se é de alguma forma corrupto.

Mas voltemos aos investimentos públicos que se justificam por existirem. Porque, mesmo que por agora não dêem senão problemas, ou lucros miseráveis, pode ser que, no futuro, dêem imenso dinheiro e funcionem perfeitamente. É a Teoria dos Castelos de Luís da Baviera - quando os castelos foram construídos, foram ruinosos, mas agora são atracções turísticas de relevo. E o mesmo princípio parece aplicar-se a tudo. Aliás, uma pessoa quase se pergunta para quê gastar dinheiro em estudos ou a tentar decidir se o investimento faz sentido ou não. Bastaria, segundo a Teoria dos Castelos de Luís da Baviera, gastar dinheiro aleatoriamente e depois esperar que alguém se lembre do que fazer com o que sair dali.

O investimento público tornar-se-ia um pouco como a investigação científica fundamental - não se deve impedir os cientistas de investigarem, porque nunca se sabe o que pode surgir. Neste caso, não se deve impedir o Estado de gastar dinheiro, porque nunca se sabe o que poderá acontecer no futuro. Alguém se pode lembrar de como tornar o investimento lucrativo. Ou o Francisco Louçã e seus amigos poderão conseguir uma maioria e o Estado passaria a ser gerido de forma impoluta, livre de todos os interesses predatórios que animam quem quer que não concorde com a noção de que o investimento público é necessariamente bom e necessariamente a melhor forma de conseguir desenvolvimento.

Nunca se sabe, tudo isto pode acontecer. Portanto, o que importa é gastar. E depois vê-se. 

Ou viu-se. 

Porque, entretanto, o futuro chegou.

P.S. Isto não significa que o Estado não tenha uma papel a desempenhar. Mas não podemos continuar com a noção de que tudo o que o Estado faz deve ser o Estado a fazer, por definição, e de que a partir do momento em que o Estado fez um investimento, então o resultado deve permanecer público para todo o sempre. Da mesma forma que se a RTP serve para fazer serviço público, então não se pode simplesmente definir «serviço público» como «aquilo que a RTP escolhe fazer» (o que significaria que a RTP poderia servir para tudo), não se pode definir aquilo que o Estado deve fazer como aquilo que o Estado escolhe fazer. E quem ache que sim, que me explique porque é que o Pavilhão Atlântico não deveria ter sido privatizado.

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