2. Da mesma forma que dizer que a austeridade não pode destruir o Estado Social não significa nada. Ainda não estamos em época de debate do orçamento, mas eu insisto que os partidos da oposição, que votem contra ou se abstenham, deviam apresentar um Orçamento Sombra, com as suas alternativas e as suas perspectivas económicas e financeiras com base nessas alternativas. O debate não pode ser só feito na base de dizer mal do Orçamento que o Governo apresente. E a melhor forma disso acontecer é apresentando um Orçamento, mesmo em formato esquematizado, alternativo.
3. Os Governos têm um programa para cumprir e podem até ter maioria parlamentar que os sustente e garanta o cumprimento desse programa. Isso não significa que possam alegremente ignorar tudo o que os rodeia quando o aplicam. Mas também não significa que tenham de governar com base em sondagens e tentando sempre maximizar os seus níveis de popularidade com a totalidade da população. Ainda vejo muita gente que parece achar que o facto de haver eleições e de haver uma maioria parlamentar que sustente um Governo só legitima as políticas com que concordem. Quanto àquelas com que discordem, parece que apenas poderão ser aplicadas por maldade ou corrupção, e nunca poderão ser de qualquer forma legitimadas.
4. Miguel Relvas usou um expediente legal para conseguir equivalência a uma quantidade imensa de cadeiras e ter uma licenciatura. Com isso conseguiu colocar sob suspeita as licenciaturas da Lusófona, cujos titulares de cargos dirigentes caem como tordos. Mas bem mais importante, a meu ver, do que esta questão da licenciatura é a questão da pressão sobre jornalistas, e tudo o que a rodeou. Não que os jornalistas sejam todos uns santos ou que os jornais não possam ser criticados, designadamente por políticos. Mas ameaças é mais grave - e um problema que vai bem para além de Miguel Relvas, e que merecia que lhe dessem outra relevância. Só que esse assunto morreu com a demissão da jornalista e o relatório da ERC, enquanto o tema da licenciatura continua. Uma questão de prioridades que, confesso, me parecem trocadas.
5. Incentivar as pessoas a pedir factura para combater a evasão fiscal não me soa a «delação», como a Marcelo Rebelo de Sousa, nem me parece uma terrível injustiça. A forma como está a ser feito parece-me ineficaz, no entanto, e além disso parece-me que isto é uma forma de tentar tratar os sintomas e não as causas. A melhor forma de promover o cumprimento das obrigações fiscais é um sistema fiscal funcional, compreensível e estável (também ajudaria que o sistema fosse visto como justo e que houvesse uma percepção generalizada de que se paga impostos para receber alguma coisa em troca!). Gostava também de ver as taxas a baixar (de forma sustentável, assente também em cortes de despesa), mas não estou a ver isso a acontecer num futuro próximo.
6. O federalismo não se resume a «eurobonds». O federalismo traduz-se numa verdadeira união política. Reduzir o federalismo a «eurobonds» por razões tácticas é, parece-me, cometer um erro táctico. Porque temos de discutir a democracia na Europa, temos de discutir a democratização da União Europeia. Essa democratização levaria a um Orçamento europeu, financiado por impostos europeus e por dívida europeia. Não compreendo que gente que fale do défice democrático da Europa depois defenda «eurobonds» nos moldes actuais - questão que não seria resolvida simplesmente através da eleição directa do Presidente da Comissão. Os «eurobonds» devem assentar numa união política democrática, numa democracia europeia transnacional. Criá-los sem esta base torná-los-ia coxos e criaria problemas políticos importantes.
7. Parece que a privatização de um canal da RTP vai mesmo avançar. A RTP é defendida por quem defende o serviço público de televisão. Eu por vezes sinto que chegámos a um ponto, no entanto, em que a RTP é defendida com base nesse tal serviço público de televisão, mas depois tudo o que a RTP passa é, por definição, serviço público de televisão (mesmo o Preço Certo em Euros e outros concursos, ou telenovelas). Aliás, quando o famigerado grupo de trabalho presidido por João Duque quis restringir o conceito de serviço público de televisão, o seu relatório foi sumariamente ignorado (o que em muito foi ajudado por declarações menos felizes de João Duque). Portanto, na prática, a meu ver, a RTP ser pública neste momento acaba por ser auto-justificativo em algum do debate sobre este tema, uma espécie de pescadinha de rabo na boca. (O argumento de que não se pode privatizar a RTP porque vai afectar as receitas da SIC e da TVI é basicamente o mesmo que dizer que nós temos de subsidiar indirectamente a SIC e a TVI; ora, o que a SIC e a TVI têm de fazer, face a um novo competidor, é tornarem-se mais eficientes - e o Estado não deve protegê-los de novos concorrentes, que o Estado não serve para garantir receitas publicitárias à SIC e à TVI!)
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