Quando se ouve falar de alguma política por parte de alguém que a defende, o mais provável é que os custos ou os potenciais problemas não sejam apresentados. Até porque poderão não ser considerados como tal por quem defende a política em causa.
Sucede que nem toda a gente pensa da mesma forma. Que mesmo que se partilhem objectivos, podem não se partilhar prioridades. E isso significa que um cabal esclarecimento acerca de uma política não passa apenas pela explicação dos objectivos. É preciso explicar cabalmente os meios utilizados, incluindo potenciais custos.
Não há alternativas políticas sem custos, ou potenciais custos, por muito que a retórica política possa dar a entender o contrário. E aí entra a importância do debate público. Porque se os dois lados vão ser tentados a só apresentar o que é bom daquilo que defendem, o lado contrário vai apresentar os problemas. E os dois lados vão ser tentados a só apresentar aquilo que é mau daquilo a que se opõem, mas o lado que defende vai apresentar os aspectos positivos.
A existência de liberdade de expressão e de debate público significa que os cidadãos vão ter mais informação, vão ter mais alternativas, vão ter a possibilidade de fazer escolhas. Essas escolhas vão ser influenciadas pelas suas próprias preferências. Mas isso é sempre assim.
Não me revejo nas posições que muito provavelmente sairão do Congresso Democrático das Alternativas. Mas o mero facto deste se realizar, de não ser proibido, de haver atenção mediática relativamente a ele, é uma prova de que vivemos em democracia.
Se vivêssemos no Estado autoritário e anti-democrático que muitos parecem insistir em idealizar, este Congresso nunca teria lugar de forma aberta, pública e com tanto mediatismo. E quem quisesse participar nele estaria a ser preso ou morto pelas forças de segurança.
Da mesma forma, se não vivêssemos numa democracia, não haveria sequer tentativas de negociações com sindicatos. Não existiriam manifestações, pura e simplesmente. E quando existissem abusos por parte da polícia, estes seriam pura e simplesmente censurados, e nunca ninguém iria a tribunal responder por eles.
Por muito imperfeita que seja a nossa democracia, por muito que precise urgentemente de reformas várias para a tornar mais aberta e transparente, continuamos a viver em democracia. Por muito que as políticas do actual Governo não agradem a parte da população. Porque em democracia ganha-se a perde-se. Não existe uma única e exclusiva política possível em democracia.
Pelo menos, não existe essa política única numa democracia plural. E eu quero viver numa democracia plural, em que existe liberdade de expressão e de manifestação e a possibilidade de fazer propostas diferentes das defendidas por quem está no poder.
Eu quero viver numa democracia em que possam ser organizados Congressos Democráticos das Alternativas. Por muito que eu discorde do que por lá se pense, defenda ou proponha.
João,
ResponderEliminar«Da mesma forma, se não vivêssemos numa democracia, não haveria sequer tentativas de negociações com sindicatos. Não existiriam manifestações, pura e simplesmente. E quando existissem abusos por parte da polícia, estes seriam pura e simplesmente censurados, e nunca ninguém iria a tribunal responder por eles.»
Discordo da perspectiva que aqui apresentas, como se não existisse uma gradação desde uma Democracia muito saudável até à ditadura mais totalitária.
Até na China existem manifestações (contra o Governo - manifestações a favor existem em todas as ditaduras, e com abundância), e certamente não é esse regime que idealizo como como «Democracia». E isto para não falar na Rússia de Putin, na Venezuela de Chavez, ou na Ucrânia, Bielorrússia, e por aí fora - em todos estes casos é possível encontrar manifestações contra o Governo, e algumas até nem são punidas.
Embora seja evidente quando comparamos o estado novo com o actual regime que o anterior era uma ditadura e o actual é uma democracia, não creio que o importante seja atravessar uma determinada barreira a partir do qual a denominação correcta do regime deixa de ser «democracia» e passa a ser «despotismo», mas sim se as transformações vão num sentido mais democrático e livre ou num sentido mais autoritário e perigoso.
E é aí que existem actualmente razões para preocupação. Quando existem chantagens graves sobre os elementos da ERC que se pronunciam sobre um caso de chantagens a jornalistas ( http://www.publico.pt/Pol%C3%ADtica/fui-vitima-de-chantagens-e-de-ameacas-diz-membro-da-erc-1553470 ), temos razão para nos preocuparmos com a «saúde» da Democracia.
Mal seria que já não se pudessem fazer congressos e manifestações, mas isso não impede que existam riscos reais.
Aqui falei sobre uma série de riscos: http://esquerda-republicana.blogspot.pt/2012/02/esta-direita-contra-liberdade-ultimos.html
Mas esse texto não inclui, por ser anterior a esses eventos, a provável censura de Relvas ao programa «Este Tempo»; não inclui a detenção de pessoas por distribuir panfletos políticos sem ter pedido autorização para convocar uma manifestação numa clara tentativa de intimidar os movimentos sociais; e uma série de outras situações que devem perturbar qualquer amante da Democracia.
Sim, estamos em Democracia. Mas o medo de a perder é sensato e saudável, e o actual escândalo pelos atentados que está a sofrer não peca por excesso, mas por defeito.
Sim, há democracias mais e menos saudáveis - é evidente. E a nossa precisa de reformas - também é evidente.
EliminarO facto de haver abusos é expectável pelo simples facto de que não vivemos em regimes perfeitos. O que me preocupa é a resposta a esses abusos. E tem havido essa resposta, inclusivamente da sociedade, no sentido da condenação desses mesmos abusos.
Mais: apesar de tudo, quando há abusos policiais, também houve resposta dos tribunais.
Isso não significa que tenhamos de ser complacentes. Nada disso. Mas o facto de haver abusos também não significa que temos de agir como se esses abusos fossem a norma e começar a dizer que não vivemos em democracia. Como eu já ouvi e li por aí.