domingo, 19 de fevereiro de 2012

Os puros e a democracia

Há quem se considere mais puro que os outros que o rodeiam. Em política, isto costuma acontecer em relação a ideologias. Há quem se considere mais «puro» ideologicamente que outras pessoas. E essa noção de «pureza» costuma vir acompanhada de uma bela dose de dogmatismo e da noção de que na pureza ideológica que é professada se encontra uma verdade absoluta.

Considero-me liberal democrata e federalista. Considero que as ideias que defendo tenderão a trazer, sendo concretizadas, vários benefícios. Mas não me considero possuidor de uma verdade absoluta, nem considero que as posições políticas que eu tenho são objectivas. Porque não são: são subjectivas, tal como todas as posições ideológicas.

Aliás, essa é uma razão que me leva a defender uma democracia liberal: porque considero que é o sistema mais bem equipado para lidar, de forma pacífica, com a diversidade e pluralidade de opiniões que existem, muitas vezes conflituantes, numa sociedade plural. Isto implica aceitar que nem sempre as minhas ideias serão aquelas a ser operacionalizadas, mas saber que o poderão ser no futuro, dependendo das circunstâncias de cada momento.

Prezo a capacidade de compromisso e o pragmatismo, duas qualidades importantes num sistema democrático, principalmente com um sistema eleitoral proporcional. Essa capacidade de compromisso promove a estabilidade, baseado num debate público constante através do qual se encontram pontes entre posições que poderiam parecer díspares. E serão as políticas resultantes desse debate que serão implementadas.

Claro que esse tipo de políticas nunca vai agradar aos «puros», dado que por definição vão ser políticas de compromisso. E esses puros vão criticá-las violentamente por esse prisma, classificando de traidores quem quer que as aplique, porque as verdades absolutas em que acreditam não são postas em causa por aquilo que vai acontecendo, em tempo real, à sua volta.

As críticas dos «puros» vão testar as ideias de compromisso que vão emergindo. São parte do debate público no qual assenta a democracia. E podem até deitar deitar abaixo essas ideias de compromisso, se ao longo do tempo se tornarem convincentes o suficiente para persuadir o conjunto suficiente de pessoas para que estas políticas possam ser implementadas. Para que o regime se mantenha democrático, no entanto, isso não pode implicar que a possibilidade de implementar políticas diferentes seja pura e simplesmente banida.

Pessoalmente, declarações de maior «pureza» ideológica em nada me impressionam. Se essas pessoas se querem considerar mais «puras» que outras, que se considerem. Não é por isso eu as considero mais convincentes. Nem isso, nem o seu dogmatismo. O facto de eles definirem o seu pensamento como a «verdadeira» encarnação de uma certa ideologia é lá com eles, e a sua enorme preocupação com catalogarem as pessoas com as quais não concordam (e usarem essa catalogação quase como um argumento) também.

A Política em democracia não é feita de verdades absolutas. Sê-lo-á noutros sistemas. Mas não num sistema democrático.

Editado: E já agora, eu não considero os «puros» mais puros que qualquer outra pessoa, e não vejo a suposta «pureza» ideológica como algo que eleve aos píncaros quem quer que seja.

2 comentários:

  1. Finalmente um texto em que dificilmente poderiamos estar mais de acordo.

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  2. Todo aquele que se define como puro, é para mim um sinónimo de fanático intolerante...

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