quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Soberania Orçamental e Antigermanismo

Tem-se feito um grande alarido em torno da proposta alemã de limitar de forma ainda mais alargada a soberania orçamental da Grécia, fazendo-se ecoar, um pouco por todo o lado, gritos que exigem a preservação da autonomia de todos os estados-membros no que diz respeito à condução da sua política económica e fiscal. Ao que parece, a soberania ainda é sinónima de dignidade nacional.

Estes gritos são, contudo, caricatos porque, em primeiro lugar, não acho que reste à Grécia grande autonomia para traçar objectivos e planos já que estes partem, grosso modo, das exigências europeias e do Fundo Monetário Internacional (e dos próprios mercados, é claro!); por último, não me parece correcto que qualquer país integrado numa união económica e monetária possa ter controlo absoluto sobre as suas políticas orçamentais, uma vez que estas influenciam invariavelmente os restantes.

A Grécia, na sua posição de forte vulnerabilidade, tem que considerar que a sua (in)disciplina orçamental influencia toda a Zona Euro (mesmo o núcleo forte – França, Áustria) e pode, irremediavelmente, condenar ao fracasso os esforços de ajustamento financeiro de outros países em dificuldades.

Este último facto é, para mim, suficiente para legitimar a proposta alemã que poderia, aliás, ter partido por iniciativa de qualquer outro membro da Zona Euro. Esta não deveria ter fortalecido o crescente sentimento antigermânico, mas antes ter sido recebida de mente aberta e discutida publicamente (há mesmo quem a rejeite por motivos populistas).

Alimentar sentimentos antigermânicos (que têm sido frequentemente infundados) não beneficia ninguém. Quer se goste, quer não se goste, a Alemanha sempre teve, tem e terá um papel importante na construção do projecto europeu. A Europa não é a Alemanha, mas perde muito sem ela: afinal esta é a maior economia do continente e das que melhor desempenho tem tido ao longo destes já largos anos de crise.

Sou da opinião de que ou a União Europeia aprofunda a integração económica/fiscal/política ou se afunda de vez, perdendo relevo na geopolítica mundial. Este aprofundamento implica que todos, sem excepção, abdiquem de parte da sua ‘soberania’.

6 comentários:

  1. Anto-Germanismo primário é uma tristeza!
    Pena é que os agora arautos a reclamar a perda de soberania fazem parte da élite que não foi capaz de nos fornecer Bom Governo.
    Boa análise:)

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  3. A crítica à posição da Alemanha (que por si não deve ser considerada anti-germanismo, pois seria uma consideração injusta e redutora) pode passar também por lembrar a forma como foram bloqueadas soluções num sentido mais integrador (e alguns diriam «solidário») tais como os eurobonds. Ou seja: não é necessariamente uma posição anti-federalista, até porque a Alemanha nos últimos tempos não tem defendido sistematicamente posições num sentido de uma maior integração, tem sim defendido sistematicamente as posições que vão ao encontro dos seus interesses (sejam num sentido integrador, sejam num sentido soberanista) com uma inflexibilidade tal, e com uma agressividade negocial tal que tem até agora sido, em termos relativos, a maior beneficiada desta crise (na UE).

    Para quem procura uma União mais justa, onde exista alguma boa fé e flexibilidade nas negociações, estas atitudes são sempre de criticar, venham da parte da Espanha e Polónia tão beneficiadas no tratado de Nice devido à sua inflexibilidade, venham de quem vierem - e isso inclui a Alemanha.

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    1. João Vasco, posso não ter escrito o texto, mas parece-me bastante claro que não estão a ser criticadas todas as críticas à Alemanha, mas apenas aquelas que são mencionadas pelo texto - ou seja, as soberanistas. Por isso, parece-me que a tua crítica vem mais de estares a ler para além do que está escrito do que propriamente do que o Nuno escreveu.

      O facto de se criticar perspectivas soberanistas não quer dizer que se reduza todas as críticas à Alemanha a críticas soberanistas.

      E quem quer que ache que qualquer país que seja beneficia com esta crise (não estou a dizer que tu penses isso) não me parece conseguir ver as coisas a médio ou longo prazo, e mesmo a curto prazo.

      Não vou entrar agora de novo na discussão sobre eurobonds porque já falei sobre eles aqui no blogue e a minha posição sobre as propostas que andam a ser feitas não mudou.

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  4. As obrigações europeias, são uma forma de tentar que uns paguem menos juros, juntando a sua divida à de outros.
    Pior, nunca se percebeu bem o que é que Alemanha, Finlândia, Suecia, Holanda e outros ganhavam com os eurobonds. Mesmo quando a hipótese se fazer os eurobonds foi colocada a sério e os alguns paises entre os quais a Alemanha pediram garantias de que existiria um equilibrio orçamental(colocar um artigo nas constituições foi uma hipótese logo afastada).
    Sabes que a Merkel tem eleições daqui a uns tempos e a opinião pública alemã, está com pouca abertura à solidariedade... Pior ainda quando temos aventesmas como o Boaventura Sousa Santos a insultar os Alemães.
    Uma negociação tem sempre pontos de partida, quem deixou que nós ficássemos numa situação de fragilidade negocial deveria arcar com as responsabilidades.

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  5. Nelson:

    «Pior, nunca se percebeu bem o que é que Alemanha, Finlândia, Suecia, Holanda e outros ganhavam com os eurobonds.»

    Usar essa razão como argumento para rejeitar a proposta é defender uma perspectiva mais soberanista que comunitária.
    Mas o texto original, defende uma perspectiva comunitária por oposição a uma soberanista. Parece-me inconsistente aceitar os argumentos do texto, e aceitar essa razão como válida.

    De qualquer forma, aquilo que esses países teriam a ganhar em aceitar essa solução seria diminuir os riscos de colapso do euro, que não é coisa pouca.
    Ao rejeitar liminarmente a proposta preferem estar a jogar ao chicken: ganho máximo, risco máximo.

    « e a opinião pública alemã, está com pouca abertura à solidariedade... »
    Sim, mas isso não acontece por acaso. Se calhar o discurso da classe política também tem influência sobre a opinião pública...
    E de uma perspectiva menos soberanista como a que o texto defende, isso é algo censurável.

    «quem deixou que nós ficássemos numa situação de fragilidade negocial deveria arcar com as responsabilidades.»

    Alguns diriam que essa situação de fragilidade negocial decorre natural da arquitectura do euro. Seja esse o caso ou não, a força negocial depende muito do quanto se está disposto a ser inflexível...

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