Uma ideologia é um conjunto de ideias sobre como deve ser organizada uma comunidade. Uma constituição é um conjunto de normas que regula a organização de uma comunidade. Pelo que, a meu ver, uma constituição pressupõe opções ideológicas, dado que, apesar da sua natureza jurídica, tem uma componente política inerente.
A nossa constituição não é excepção. O simples facto de ser uma constituição escrita resulta de uma escolha política. O facto de prever um Estado de Direito, de ser republicana, de ser democrática, tudo isto são escolhas políticas. Como são escolhas políticas, e ideológicas, todos os artigos relativos à organização económica.
Já aqui disse que todos temos ideologia. Reitero essa posição. E acrescento que o corolário é que o facto de incluir um limite ao défice e à dívida na constituição ser uma escolha política e ter subjacente uma componente ideológica não é argumento nem a favor nem contra a inclusão. Porque todas as normas constantes da constituição resultam de escolhas do mesmo género.
Continuo a pensar que o ataque às ideologias é perigoso e que quem se apresenta como neutral num contexto político está pura e simplesmente a esconder, ou não se apercebe, das opções ideológicas por trás daquilo que defende. Um debate esclarecedor sobre os temas não nega as ideologias, antes torna claras quais é que elas são, quais os seus pressupostos, de forma a que esteja tudo em pratos limpos.
Devo confessar também que acho particularmente absurdo que alguma Esquerda use a bandeira da «opção ideológica» para dizer que não se pode pôr um limite de défice e de dívida na constituição. É que não vejo a Esquerda erguer-se e dizer que a promoção de minifúndios é uma opção ideológica que não deve estar na constituição. Imagino porquê.
É preciso que os debates constitucionais em Portugal deixem de apresentar um lado como isento e neutral e o outro como cheio de preconceitos ideológicos. Todos os lados da discussão têm uma ideologia subjacente às suas propostas e isso não tem nada de mal. É parte de viver em democracia ter debates ideológicos. O pensamento único, esse, é para outros tipos de regimes.
Tens toda a razão, em como a ideologia está subjacente a todas as nossas acções e nada é neutro.
ResponderEliminarInfelizmente, parece-me que com o nível da nossa sociedade civil, quando se começa a falar em constituição, se está a afunilar o debate nuam minoria e aliena a maioria.
Limitando-se muitas vezes o debate a questiúnculas e não às questões de fundo.
Bom dia
ResponderEliminarGostaria de saber a vossa opinião sobre uma reforma eleitoral no sentido de se instituir um círculo eleitoral único, que substitua os atuais 22 círculos eleitorais.
E como vêem a possibilidade de se introduzir ferramentas de democracia direta complementares ao sistema representativo. Estou a referir-me à hipótese de haver um meio de votação eletrónico em determinadas matérias pelos cidadãos. Um determinado n.º de votos equivalaria a um voto parlamentar (voto de um deputado).
Imagino que além de se criar um círculo eleitoral único se tivesse um sistema puramente proporcional. É uma hipótese que não ponho de parte, mas há outra hipótese que me parece mais interesse - o STV: http://en.wikipedia.org/wiki/Single_transferable_vote Parece-me interessante porque mistura proporcionalidade com uma responsabilidade mais individualizada dos deputados.
EliminarQuanto às ferramentas de democracia directa, já existem. Relativamente a essa específica, não vejo qualquer valor acrescentado, e vejo-a como pondo em causa um princípio importante - o da independência dos deputados. Os deputados não são eleitos como delegados de uma maioria que vote numa «poll» «online».
Os deputados são eleitos para estudar os assuntos e tomar uma decisão de acordo com a sua consciência e valores. Isso pode significar que votem contra aquilo que uma maioria de cidadãos diria numa «poll» «online». Mas essa maioria não é dona da verdade por ser maioria.
Obrigado João.
EliminarVou-me informar acerca do STV. Sobre a questão dos mecanismos de democracia direta é algo em que estou ainda em reflexão...Vê este caso em Espanha: http://www.partidodeinternet.es/
A democracia directa serve essencialmente para eleger Hitlers e proibir minaretes. Sistemas de votação electrónicos são um convite à fraude ainda maior do que métodos tradicionais.
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