terça-feira, 29 de maio de 2012

En garde, Lagarde

Não posso dizer que não me fique a sensação de que, caso o sound bite mais sonante retirado da entrevista de Mme. Lagarde ao Guardian tivesse sido algo tão inerte como “As papoilas dos campos do Botswana são mais bonitas que as orquídeas helénicas”, algumas das reacções não teriam sido menos inflamadas (ver anterior artigo do João).

Não obstante poder-se considerar ou não: que o FMI poderia ou deveria ter uma practice diferente face à situação africana (perdoem-me o eufemismo); que a referência à situação africana como termo de comparação em relação a uma problemática “first-world” é de mau tom; que Mme. Lagarde não tem dados concretos e fidedignos sobre a realidade da evasão fiscal na Grécia (gostaria de saber quem pode ter dados recentes, concretos, fidedignos, com uma margem de erro reduzida sobre a dimensão da evasão fiscal e/ou da economia paralela em qualquer país); que Mme. Lagarde pague ou não impostos sobre o seu actual rendimento* (então e as décadas de contribuições prévias a 2012?)…

A verdade é que a polémica declaração da primeira Diréctrice Génerale du IMF de sempre padece do terrível mal de tocar em dois pontos crucialmente dolorosos.

Primeiro. Uma coisa à partida tão trivial como “pagar impostos”, em qualquer sociedade organizada, “first-world”, cujos cidadãos possuem em geral um conhecimento básico do funcionamento das respectivas instituições, deve ser second-nature, no sentido em que deve existir um reconhecimento da importância do cumprimento desses compromissos para o seu bom funcionamento. A alusão a este ponto - "(...) And I think they should also help themselves collectively (...) by all paying their tax." - foi recebida como um insulto.

Segundo. A dita comparação “de mau tom” tem o enorme condão de introduzir no debate público uma temática que demasiado frequentemente é ignorada mas deveria, antes, pairar sobre ele em todas as circunstâncias, de modo a prevenir os frequentes dramatismos a que assistimos, que distorcem a realidade hiperbolizando o discurso. E não se gasta muita tinta a explicar isto: muito gostariam os cidadãos do Níger de ter problemas como os nossos.


 *A diferença entre tax evasion e tax avoidance é simples mas relevante: enquanto que a segunda se prende com a utilização da legislação e das alternativas de comportamento (i.e. investimento, consumo, escolha de posto de trabalho, etc.) da forma mais vantajosa, o que pode significar pagar o menor imposto possível, dentro da legalidade, utilizando eventualmente loopholes legais ou regimes especiais; a primeira representa fuga aos impostos no sentido da ilegalidade, associada ao falseamento de declarações obrigatórias, simples não-pagamento, etc.

1 comentário:

  1. É o populismo da nossa comunicação social. As coisas para o SYRYZA, não estão já ganhas por isso tem que criar o inimigo externo.
    Pagar impostos é doloroso mas necessário, pior é dizer às pessoas que ser pobre na Grécia não tem nada a ver ser pobre em África.
    Estive envolvido num projecto de solidariedade para recolha de fundos para o Corno de África e fiquei chocado.
    Depois o mais curioso é que a maioria daqueles que dizem "Somos todos Gregos" estão-se marimbando para os problemas fora desta península da Ásia.

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