Por muito sofisticado que seja o vocabulário empregue, o discurso dos extremos reduz o mundo entre os bons e os maus, culpa os maus pelos males do mundo, reclama aquele extremo em particular o único e legítimo representante dos bons, e diz que se nos livrarmos dos maus, então os bons triunfarão. Os maus podem ir do Estado ao sector financeiro, a entidades míticas (como os Iluminati), e representam sempre um conjunto de pessoas que quer o mal dos outros para seu próprio bem, que tem o poder concentrado nas suas mãos, e que condiciona todo o debate através da manipulação das outras pessoas que, por ignorância e por lhes darem falsa informação propositadamente, se encontram cegas para o facto de estarem a ser manipuladas.
Quem quer que se oponha a este tipo de discurso simplista, ou é apelidado de ingénuo, ou é acusado de ser parte dos «maus». Os ataques pessoais sucedem-se. As distorções das posições apresentadas também. As falácias abundam e os duplos «standards» também. Tudo o que acontece no mundo é prova de que a tese daquele extremo em particular está correcta. Nada do que acontece no mundo pode ser utilizado para retirar mérito à posição do extremo. Num ambiente em que a «democracia» é bem vista, os extremos procuram transformar-se nos «verdadeiros» defensores da democracia, restringindo-a, naturalmente, àquilo que eles, em concreto, defendem.
Os partidos moderados devem lutar contra este tipo de discurso primário, não cair nele. Porque, talvez simplificando um pouco, das duas uma: ou os partidos dos extremos não têm de vencer porque os partidos ditos moderados adoptam as suas políticas, e há uma mudança do centro político, ou então os partidos dos extremos crescem à conta dos grandes - porque é difícil ser mais populista e demagógico do que um extremista, pelo que os extremistas terão vantagem comparativa neste tipo de debate. No contexto de uma democracia, é fundamental aos partidos moderados, do centro político, defender esse centro, encontrando respostas para as ansiedades da população sem cair em populismos demagógicos.
Na Grécia, o Nova Democracia preferiu o caminho do populismo e da demagogia, não estando à altura do desafio. Os resultados estão à vista. Com isto não quero dizer que o simples facto do Nova Democracia ter apoiado a implementação real das reformas estruturais tivesse sido suficiente para alterar os resultados gregos - parece-me que quase seria necessária uma refundação do Nova Democracia e do PASOK para isso acontecer - mas teria certamente ajudado. Mas agora, continuamos sem Governo na Grécia, na qual os partidos que defendem a continuidade no Euro, mas sem admitir qualquer necessidade de reforma interna, se vão chegando à frente.
Em Portugal, o PS continua ligado ao Memorando da Troika - dou mérito, mesmo muito mérito, a António José Seguro, por não ter alinhado nos histéricos apelos de Mário Soares. Mas não é suficiente. Tal como não é suficiente o Governo ter conseguido um acordo com a UGT mas depois não compreender a necessidade de ajudar a UGT relativamente a ataques oportunistas da CGTP. É preciso que todos os agentes políticos relevantes no seio da implementação do programa de ajustamento apresentem uma posição coesa, e isto implica, de facto, cooperação institucional de qualidade (que não é ajudada quando o PS propõe coisas como os aumentos das «rendas antigas» terem uma moratória de, pasme-se, 15 anos...).
As pulsões do extremismo estão sempre bem presentes em democracia e podem bem levar a que esta se desintegre. Em contexto de crise, as mensagens extremistas e simplistas são apelativas (dependendo dos contextos, à esquerda ou à direita), e é testada a capacidade dos partidos políticos do centro chegarem a entendimentos que permitam reagir e ultrapassar a crise, bem como a sua capacidade de explicar as reformas que estão em curso.
As pulsões do extremismo devem ser combatidas com maior nível de transparência e boa capacidade comunicativa, explicando de forma clara o que está a ser feito e porquê. Já não é a primeira vez que escrevo isto aqui, mas o facto do tempo urgir não significa que não seja necessário explicar. É preciso antecipar desde logo que tudo o que se diz vai ser distorcido e atacado de todas as formas e feitios, pelo que é necessário estar ainda mais bem preparado do que o habitual, com uma mensagem clara e o mais unívoca possível.
Mas mais. Ir além da troika devia também significar ir além das áreas identificadas no programa da troika no âmbito da actuação do Governo, não devendo também a troika restringir o leque de temas comentados pela Oposição. A reforma do sistema político português, incluindo reforma do sistema eleitoral e reforço dos mecanismos de intervenção dos cidadãos, tem de ser pensada e discutida - e depois implementada. Precisamos de reformas políticas, para combater a abstenção, melhorar a ligação entre eleitores e eleitos e aumentar a capacidade dos cidadãos conhecerem e utilizarem os métodos ao seu dispor para intervir politicamente.
Também através destas reformas políticas se combateriam as pulsões do extremismo. Elas mostrariam que, em democracia, é possível haver regenerações e alterações pacíficas dos sistemas no sentido de responder às dúvidas e aos problemas da população com o sistema existente, sem se pôr em causa o Estado de Direito democrático em que vivemos.
João tocas em muitos assuntos...
ResponderEliminarApenas toco em 2 pontos.
1.º Até que ponto a actual sociedade pode ser considerada democrática, visto que a Justiça não funciona. Volto a Rawls, sem Justiça não há democracia.
2.ºAté que ponto o alimentar do extremismo desde há uns anos na UE, foi feito pela actual classe dirigente que empurra moderados para os extremos pela sua inacção em termos de reforma das instituições.
A sociedade pode ser considerada democrática porque a justiça ser lenta não significa que não exista - os casos mediáticos não resumem o sistema judicial português. É preciso reformar o sistema judicial, mas vivemos em democracia.
EliminarQuanto ao alimentar do extremismo, é preciso ter o debate público sobre federalismo que nunca foi tido, e é preciso tê-lo com os dois lados a terem representação. Até agora, temos tido constantes tentativas de manter a simbologia dos Estados Membros enquanto Estado soberanos independentes, mas isso tem sido contraproducente para o projecto europeu, a meu ver.
Ter este debate em tempo de crise não é fácil, mas normalmente é precisamente nas crises que este tipo de debates vem à tona.
Meu Caro, não são apenas os casos mediáticos. Eu tenho um caso em tribunal como queixoso desde 2009, sobre factos de 2008, e já fui avisado que só em meados de 2013 é que *poderá"ir a julgamento. Parece-me que o teu optimismo se faça "descolar" da realidade do cidadão mediano. Muitas pessoas não sentem que vivam em democracia plena. E comçam a sentir-se tentadas pelos apelos populistas e extremistas.
ResponderEliminarQuanto ao federalismo,(prefiro a confederação como princípio) continuo na minha que se deveria tentar seguir a lógica de Monnet dos "pequenos passos" tendo em vista a integração europeia.
Defender o federalismo nesta altura é de facto um desafio.
Parece-me aliás um alvo demasiado fácil para os populistas extremistas.